Queixa do Sindicato Nacional do Ensino Superior contra jornalistas da RTP Açores por violação de regras deontológicas

Conselho Deontológico

Queixa nº 31/Q/2019

 

 

Assunto:

Queixa do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) contra os jornalistas Herberto Gomes e Rui Goulart, da RTP Açores, por violação de regras deontológicas ao ser retirado o convite a um elemento do SNESup para participar num debate sobre a Universidade dos Açores, após posição do Reitor dessa universidade.

 

Queixa:

  1. O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CDSJ) recebeu a 13 de março uma queixa do SNESup contra os jornalistas Herberto Gomes e Rui Goulart, da RTP Açores, sobre o assunto acima indicado. Alega o queixoso que após convite para participar no programa Sem Meias Palavras, da RTP Açores, “a participação do SNESup acabaria por ser claramente condicionada” uma vez que “o Reitor se tinha recusado a participar” no debate com o delegado sindical indicado pelo SNESup, Álvaro Borralho, “com a justificação de não querer o debate ‘condicionado ou contaminado’ pelo facto de existir um processo em tribunal” que opõe o referido sindicalista à Universidade. Após essa informação, a RTP solicitou que o SNESup indicasse outro representante, o que este sindicato recusou por considerar que isso “não só não é legítimo como antidemocrático”. “Entende o SNESup que a atuação da RTP Açores e dos dois jornalistas citados – Herberto Gomes e Rui Goulart – não foram consentâneas com as regras deontológicas dos profissionais da comunicação social, em especial, a do Diretor de Conteúdos, por ter uma posição hierárquica superior ao moderador do programa”.

 

Procedimentos:

  1. O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas contactou por email os jornalistas Herberto Gomes e Rui Goulart, questionando-os sobre as acusações e os factos que lhes são imputados. A questão central era o facto de ter existido um ‘ultimato’ por parte do reitor da Universidade dos Açores e da RTP se ter deixado condicionar por isso.
  2. Além disso, o CDSJ consultou diversos documentos relevantes para este caso, como sejam os comunicados da Universidade e do SNESup, além da troca de emails que o SNESup anexou à queixa e uma notícia do Açoriano Oriental.

 

Análise:

  1. O CDSJ recebeu, a 27 de março, a resposta do jornalista Herberto Gomes e a 5 de abril a do jornalista Rui Goulart (que é, na sua essência, igual à primeira recebida por este CDSJ, razão pela qual tomaremos os argumentos de ambos por aquilo que Herberto Gomes nos enviou).
  2. Herberto Gomes respondeu que “enquanto coordenador do programa em nenhum momento senti a posição do Reitor da Universidade dos Açores como uma forma de ‘condicionamento editorial’”, confirmando no entanto que “mal tomou conhecimento que o SNESup pretendia fazer-se representar no debate pelo dirigente Álvaro Borralho, o Reitor declarou a sua indisponibilidade para debater com tal interlocutor”, alegando “litígios do foro judicial/ disciplinar entre a universidade e o referido membro do SNESup”, mas “deixou claro porém que não tinha nenhum problema em participar num debate com outro representante do SNESup”.
  3. Na sua resposta o jornalista Herberto Gomes releva, como se percebe, a existência do diferendo judicial entre o referido sindicalista e a Universidade. “Considerei nestas circunstâncias, que um debate com o reitor e com o dirigente Álvaro Borralho iria ser inevitavelmente prejudicado pelas questões do foro judicial/disciplinar/pessoal entre ambos”, pelo que solicitou outro representante ao SNESup. “Em nenhum momento «desconvidei» o SNESup. «Desconvidei», admito, o dirigente Álvaro Borralho, perante os factos que não eram inicialmente do meu conhecimento, e que o próprio, de forma pouco séria, me ocultara”.
  4. Uma outra questão suscitada nas questões enviadas pelo CDSJ relaciona-se com a informação que foi dada aos telespectadores no início da emissão do programa. Herberto Gomes esclarece que “não foi dito pelo coordenador do programa que houve um ‘ultimato’ do reitor pura e simplesmente porque os argumentos do reitor nunca foram entendidos como tal” e que “não houve tempo para preparar um esclarecimento mais pormenorizado”, ficando “claro na minha introdução que posteriormente, caso se justificasse, esse esclarecimento poderia ser feito, o que veio a acontecer efetivamente”.
  5. Herberto Gomes conclui: “por tudo o que fica dito, não consigo vislumbrar onde poderá ter sido violada qualquer regra deontológicas dos jornalistas” (posição assumida também por Rui Goulart, como se disse).

 

Deliberação:

  1. Num primeiro momento – o da queixa do SNESup – o CDSJ explorou a questão do eventual condicionamento que resultaria da posição do Reitor [que num comunicado de 11/3/19 confirmou que nenhum elemento da Reitoria estaria presente se a RTP Açores mantivesse o convidado Álvaro Borralho]. Posteriormente foi desenvolvida a questão da RTP ter considerado o argumento do reitor como válido e ter solicitado a substituição. Apenas posteriormente porque se verifica, no entender deste CDSJ, uma abordagem deficiente da questão por parte da RTP Açores, traduzível na falta de clarificação e informação.
  2. O CDSJ admite que neste caso as fronteiras entre o condicionamento e a opção editorial são muito ténues. Mas aceita (por uma questão de boa fé) que a RTP Açores tenha tomado como critério válido para solicitar a substituição do representante do SNESup a existência do conflito judicial entre as duas partes (argumento que o próprio sindicalista acolhe na troca de emails com o Herberto Gomes, ao indicar imediatamente outro elemento do SNESup, que não aceitou). O CDSJ já tem mais dificuldades em aceitar que todas as partes, começando no SNESup e acabando nos telespectadores e na opinião pública em geral, não tenham tido possibilidade de perceber isso claramente.
  3. O CDSJ, aceitando o argumento dos jornalistas da RTP Açores, lamenta a forma como a RTP Açores tratou do caso, permitindo que ficasse a ideia de condicionamento e de que sucumbiu ao ultimato do reitor, o que pode por em causa a imagem de independência editorial, uma das principais marcas de um jornalismo isento e livre. Se a RTP Açores entendeu que o conflito judicial era razão para desconvidar Álvaro Borralho devia tê-lo assumido claramente (incluindo – e sobretudo – na explicação dada na introdução do programa).
  4. Em face do sucedido, o CDSJ alerta a RTP Açores para a necessidade de tratar de outra forma hipotéticos casos futuros, ancorados no ‘precedente’ percecionado pela opinião pública, de que um convidado para um debate pode condicionar a presença de outros. A ideia de cedência a uma imposição externa pode por em causa a imagem de imparcialidade de que o programa em causa, a RTP Açores e o jornalismo em geral nunca podem abdicar.

Lisboa, 10 de abril de 2019

 

Pelo Conselho Deontológico

do Sindicato dos Jornalistas

São José Almeida

(Presidente)

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