Queixa contra o Diário de Notícias da Madeira sobre o Direito de Resposta, do deputado Carlos Silva

Queixa nº 1/Q/2024

A queixa:

No dia 30 de julho, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD) recebeu uma queixa do deputado à Assembleia Municipal do Porto Santo, Carlos Silva. Em causa, a alegada não publicação de um texto exercendo o Direito de Resposta, que Carlos Silva havia enviado para o Diário de Notícias da Madeira com pedido de publicação.

O artigo que deu origem ao pedido de Direito de Resposta do deputado municipal da Assembleia Municipal do Porto Santo, Carlos Silva, foi publicado na edição impressa de domingo 14 de julho, página 8, com o título “Deputado municipal deve perder mandato”, assinado pela jornalista Andreia Dias Ferro. O artigo também foi publicado na edição digital do Diário de Notícias da Madeira.

O artigo começa por referir que “Carlos Silva, eleito deputado à Assembleia Legislativa da Madeira, pode perder o seu mandato enquanto deputado na Assembleia Municipal do Porto Santo. Tudo porque foi eleito por partidos distintos nesses dois órgãos, o que configura uma situação de incompatibilidade, de acordo com um parecer jurídico. Carlos Silva foi inicialmente eleito deputado pelo Movimento Uma Nova Esperança (UNE) à Assembleia Municipal do Porto Santo”.

Mais à frente o artigo refere que “a Associação Nacional de Assembleias Municipais emitiu um parecer dando conta da incompatibilidade de tal situação, tendo em conta a incompatibilidade de pertencer a dois partidos distintos. No documento assinado pela advogada Fernanda Girão é apontada a perda de mandato de Carlos Silva”.

Na queixa que Carlos Silva dirigiu ao CD, o queixoso informa que solicitou ao Diário de Notícias da Madeira um Direito de Resposta e que este lhe “foi sonegado”. O queixoso considera “que a jornalista Andreia Dias Ferro e o editor desrespeitaram os pontos 1, 2, 5 e 9 do Código Deontológico” dos jornalistas, e afirma que apresenta queixa por considerar “ter sido posta em causa a minha honorabilidade pessoal e profissional”.

 

Procedimentos:

O CD leu o texto com o pedido de Direito de Resposta enviado por Carlos Silva ao chefe de redação do Diário de Notícias da Madeira (DNM) após a publicação do artigo,  e enviou pedidos de esclarecimento à jornalista Andreia Dias Ferro, ao director do DNM, Ricardo Miguel Oliveira, que no dia 23 de julho enviou um email a Carlos Silva solicitando que este reformulasse o seu texto de Direito de Resposta.

O CD também pediu mais esclarecimentos a Carlos Silva, e perguntou-lhe  a razão de não ter aceitado reformular o texto do Direito de Resposta como lhe foi sugerido.

Andreia Dias Ferro:

  1. O CD pediu esclarecimentos à jornalista Andreia Dias Ferro, autora do artigo que deu origem à queixa de Carlos Silva.
    a) O CD perguntou à jornalista do DNM se esta tinha tentado contactar o deputado Carlos Silva sobre a sua eventual perda de mandato como deputado municipal antes de publicar o artigo? O CD também questionou se esta pergunta teria sido feita por telefone, SMS, email ou whatsapp, caso tivesse ocorrido.
    b) O CD perguntou se a jornalista tinha questionado Carlos Silva sobre a sua eventual disponibilidade para resignar a um dos mandatos para que foi eleito por formações políticas diferentes, em algum momento recente antes da publicação deste artigo no dia 14 de julho.
    c) O CD quis saber se o parecer da Associação Nacional das Assembleias Municipais foi divulgado publicamente nessa edição do Diário de Notícias da Madeira pela primeira vez? Ou se já era conhecido, nomeadamente por parte do deputado Carlos Silva?
  2. A jornalista Andreia Dias Ferro respondeu a todos os pedidos de esclarecimento do CD, e informou que não tentou contactar o deputado da Assembleia Municipal do Porto Santo por estar “na posse de um parecer que existe e que não foi desmentido, tendo-se limitado a “relatar um facto rigoroso e objectivo”.
    A jornalista esclareceu ainda que o tema foi tratado com “outra abordagem jornalística” dois dias após a publicação do primeiro artigo, na edição do DNM de 16 de julho, com o título “Perda de mandato de autarca é rara e passa sempre por um juiz”.
    A jornalista disse ainda que o artigo que escreveu resulta do “tratamento noticioso de um parecer de uma associação devidamente reconhecida pela lei”.

Deputado da Assembleia Municipal do Porto Santo, Carlos Silva

  1. O CD também enviou um pedido de esclarecimentos ao queixoso.
    a) O CD perguntou ao queixoso se a jornalista Andreia Dias Ferro – ou outro jornalista do Diário de Notícias da Madeira – tinham tentado contactá-lo antes de o citado artigo ser publicado.
    b) Se o queixoso tinha conhecimento do parecer da Associação Municipal de Assembleias Municipais solicitado pela Assembleia Municipal de Porto Santo ou se acaso foi informado sobre a existência do mesmo pela notícia do Diário de Notícias da Madeira.
    c) O CD também perguntou ao queixoso se este tinha reformulado o texto do Direito de Resposta conforme lhe tinha sido sugerido pelo diretor do DNM, Ricardo Miguel Oliveira, a 23 de julho. No caso do queixoso não ter aceite a sugestão de reformular o texto do Direito de Resposta o CD pediu que o queixoso explicasse os seus motivos e fundamentos.
    d) O CD tambémpediu ao queixoso para explicar as razões que o levaram a fazer chegar uma queixa ao Conselho Deontológico sobre uma notícia que referia uma eventual perda de mandato como deputado municipal na Assembleia Municipal de Porto Santo, para onde foi eleito pelo Movimento Uma Nova Esperança, a partir de um endereço de email do partido Juntos Pelo Povo, sendo a mensagem do corpo do email com a assinatura digital de uma assistente técnica do referido partido com assento na Assembleia Legislativa da Madeira onde Carlos Silva é deputado.
  1. O email de resposta ao CD foi enviado por um assessor político do partido Juntos pelo Povo, que nos fez chegar as respostas de Carlos Silva.
    a) O deputado da Assembleia Municipal do Porto Santo diz que não foi contactado pela jornalista antes da publicação do artigo.
    b) O email esclarece que Carlos Silva tinha sido “informado da existência do parecer, através de email da presidente da Assembleia Municipal do Porto Santo, dois dias antes da reunião de Assembleia Municipal ocorrida a 27 de junho, onde teve a oportunidade de publicamente denunciar todas as incongruências e a ineficácia do mesmo”.
    c) A resposta indica ainda que Carlos Silva “não reformulou o texto do Direito de Resposta” conforme lhe tinha sido sugerido por Ricardo Miguel Oliveira, e que não o fez por entender que “as alegações do proponente não faziam sentido; o que está aqui em causa é a denegação de audição em assunto que diz diretamente respeito aos envolvidos, um princípio basilar do Jornalismo. Podemos sempre tentar desviar as atenções para o argueiro, mas nem sempre se pode esconder a trave que tapa o olho”, responde o queixoso.
    d) Sobre o facto de uma queixa relativa à qualidade de Carlos Silva como deputado à Assembleia Municipal do Porto Santo, ter sido enviada ao CD a partir de um endereço de email de uma assistente técnica do partido Juntos Pelo Povo, Carlos Silva responde que considera ser esta “a questão mais importante e onde reside toda a problemática, já que foi a eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira, pelo Partido Juntos Pelo Povo que despoletou toda a situação. Algumas pessoas, muito mal informadas, quer sobre o que é um movimento de Cidadãos, quer sobre a realidade política regional quiseram condicionar a ação do deputado Carlos Silva, desconhecendo que a eleição pelo Movimento Uma Nova Esperança não é incompatível com a eleição pelo Partido Juntos pelo Povo”.
    Carlos Silva considera ainda que o “artigo que é alvo desta queixa além de ser uma tentativa espúria de atingir a honra do deputado, presta um péssimo serviço aos leitores já que decorre de uma leitura absolutamente ignorante da Lei Eleitoral e da ação cívica do deputado. Cumpre, ainda, acrescentar que o email enviado com a queixa é assinado pela assistente técnica a quem incumbe tratar administrativamente destes assuntos”, e termina perguntando se “a questão que verdadeiramente importa ser colocada: é deontologicamente aceitável publicar uma notícia sem tão pouco ouvir as partes interessadas?”

Ricardo Miguel Oliveira

  1. O CD dirigiu quatro perguntas ao diretor do DNM para esclarecimento da queixa de Carlos Silva sobre o pretendido Direito de Resposta:
    a) A jornalista Andreia Dias Ferro – ou outro jornalista do Diário de Notícias da Madeira – tentaram contactar o deputado Carlos Silva antes de o citado artigo ser publicado?
    b) O deputado Carlos Silva reformulou o texto do Direito de Resposta conforme lhe foi sugerido por Ricardo Miguel Oliveira, na qualidade de diretor do DNM?
    c) Posteriormente aos factos elencados houve mais alguma diligência de Carlos Silva sobre este pedido de publicação de Direito de Resposta no DNM?
    d) Carlos Silva diz ter sido colaborador do Diário de Notícias da Madeira. Caso tenha sido colaborador do jornal que dirige, perguntamos qual era o seu estatuto? Colaborou com artigos de opinião? Com que periodicidade? Alguma vez foi remunerado por esta colaboração? Em que anos existiu esta colaboração?
  2. O diretor do DNM respondeu a todas as perguntas do CD.
    a) Esclareceu que a jornalista Andreia Dias Ferro “estava na posse de um parecer, limitando-se a relatar um facto rigoroso e objectivo, assinado por uma associação pública devidamente reconhecida por lei. Ricardo Miguel Oliveira informou que oassunto teve depois, na edição de 16 de Julho, novos desenvolvimentos jornalísticos num Explicador” assinado pelo jornalista Élvio Passos e enviou ao CD um anexo da página 19, da edição de 16 de julho.
    b) Ricardo Oliveira esclareceu que enviou um email a Carlos Silva no dia 23 de Julho, pedindo-lhe que reformulasse o texto de Direito de Resposta – intitulado “A cidadania e a tirania”  – que havia enviado para o DNM “por correio registado”.
    O diretor do DNM esclareceu que pediu a reformulação do Direito de Resposta de Carlos Silva “de modo a que tenha relação directa com a notícia e assim  ser publicado”.
    No entender do diretor do DNM o texto que Carlos Silva enviou por correio registado “tece considerações desprovidas de qualquer sentido em relação ao texto que lhe dá origem, como:  “já fui colaborador do Diário. Recordo com saudade esses tempos. Fiz bons amigos. Hoje, observo aí, com tristeza, um exercício nada consentâneo com as regras mais básicas do jornalismo”; “num artigo de meia página (muito bem ilustrado, diga-se)”; “Se quem escreveu o texto tivesse tido a amabilidade de me contactar (o número de telemóvel ainda deve estar no arquivo do Diário) ter-se-ia poupado a si e aos leitores a esta confusão”.
    c) A resposta à pergunta do CD correspondente a esta alínea remete para um editorial assinado pelo diretor no dia 25 de julho sobre o partido Juntos Pelo Povo.
    d) Ricardo Miguel Oliveira confirmou que “Carlos Silva foi em tempos correspondente do DIÁRIO no Porto Santo”, acrescentando que essa colaboração foi “renumerada”, tendo cessado “em Outubro de 2017 a pedido do próprio”.

Análise:

  1. O CD leu todas os esclarecimentos prestados pelas partes envolvidas, sobre a queixa apresentada por Carlos Silva, intitulada “Sobre o dever de ouvir todas as partes atendíveis e outros principios do Código Deontológico”.
  2. O CD analisou a queixa à luz dos artigos 1, 2, 5 e 9 do Código Deontológico dos Jornalistas, que Carlos Silva afirma terem sido desrespeitados, invocando ainda a necessidade de “combate ao sensacionalismo, promoção da retificação de informações falsas ou erradas, à discriminação de pessoas pelas suas convicções políticas ou religiosas, e ainda por ter sido posta em causa a minha honorabilidade pessoal e profissional”.
  3. O CD leu ainda todos os outros anexos enviados por duas das partes questionadas pelo CD.
    O CD decidiu só considerar um desses anexos para a análise e decisão sobre a queixa já citada, por ser o único que tem relação concreta com a queixa. Trata-se do artigo publicado na página 19, da edição de 16 de julho (dois dias depois do artigo que deu origem à queixa de Carlos Silva), intitulado “Perda de mandato de autarca é rara e passa sempre por um juiz”, assinado pelo jornalista Élvio Passos. Este artigo ocupa a página inteira e cita as dúvidas de um jurista sobre a equiparação de um movimento a um partido que é mencionada no parecer da Associação Nacional das Assembleias Municipais.
  4. Os restantes anexos não foram considerados por o CD entender que contribuem para esboçar um retrato sobre quesões colaterais, e por não serem relevantes para a análise deste caso, podendo mesmo introduzir dispersão e confusão junto do público leitor, que é o destinatário privilegiado do jornalismo.
  5. O CD regista com perplexidade o facto de a queixa de Carlos Silva na sua qualidade de deputado da Assembleia Municipal do Porto Santo eleito nas eleições autárquicas de 2021 pelo movimento de cidadãos UNE – Uma Nova Esperança, ter sido operacionalmente enviada a este órgão (bem como as posteriores respostas) por funcionários do partido Juntos Pelo Povo.

Deliberação:

O CD é um órgão de natureza recomendatória.

  1. O CD considera não haver desrespeito pelos artigos 1 e 2 do Código Deontológico por parte da jornalista Andreia Dias Ferro, como acusa o queixoso Carlos Silva. O CD não encontra nenhum vestígio de sensacionalismo no artigo publicado a 14 de julho. O texto está estruturado de forma noticiosa, fundamentando-se no parecer da Associação Nacional de Assembleias Municipais, e apenas neste. Em momento algum, o texto da jornalista tem afirmações que possam contribuir para “assassinar impunemente o carácter de um cidadão”, como o queixoso alega em forma de interrogação, no Direito de Resposta que enviou para o DNM.
    A notícia de Andreia Dias Ferro limita-se a referir um parecer jurídico sobre uma alegada perda de mandato do cidadão Carlos Silva, baseada na incompatibilidade de ter sido eleito e ter tomado posse em dois órgãos distintos, por formações partidárias diferentes, com base do parecer a que a jornalista teve acesso.
  2. Apesar do afirmado no ponto 1, o CD entende que a jornalista deveria ter feito referência à intervenção de Carlos Silva na Assembleia Municipal do Porto Santo de 27 de junho – como o queixoso invoca no texto de Direito de Resposta que enviou ao DNM. A existência dessa breve referência, teria contribuído para informar o público de forma mais completa, ao mencionar que o deputado municipal visado pelo parecer tinha refutado o mesmo na Assembleia Municipal de 27 de junho.
    Neste contexto, o CD entende que esta breve referência deveria ter sido feita no artigo publicado no dia 14 de julho.
  3. O CD considera ainda que o artigo publicado no DNM no dia 16 de julho, assinado pelo jornalista Élvio Passos, continua e complementa a informação sobre a eventual perda de mandato do queixoso, dando voz a uma perspetiva jurídica que não confirma o parecer divulgado pelo DNM dois dias antes.
  4. O CD recomenda ao queixoso que pondere aceitar a proposta de reformulação que lhe foi feita pelo diretor do DNM, Ricardo Miguel Oliveira. O CD considera que o texto de Carlos Silva tem partes escritas num tom exarcebado que não promove um fácil e rápido esclarecimento do público leitor, nomeadamente o primeiro parágrafo (que o queixoso apresenta como nota prévia), a já referida menção a um alegado assassinato de caráter que não encontramos na leitura do artigo publicado no dia 14, seja de forma explícita ou implícita.
    O último parágrafo também está redigido num tom exarcebado e faz referências colaterais que em nada contribuiem para o esclarecimento dos leitores sobre o assunto em causa.
  5. O CD também recomenda à direção do DNM que publique de imediato o texto de Direito de Resposta de Carlos Silva, depois de este aceitar a recomendação do CD expressa no ponto anterior.
  6. O CD entende ainda que não ocorreu qualquer desrespeito pelos artigos 5 e 9 do Código Deontológico como invoca o queixoso, e que em momento algum o artigo publicado no dia 14 discrimina Carlos Silva pelas suas convicções políticas. O artigo noticia uma eventual perda de mandato por o queixoso ter sido eleito deputado municipal e, posteriormente, deputado para o Parlamento regional por duas formações politicas diferentes, como vastas vezes foi mencionado na exposição do parecer do CD sobre a queixa do deputado Carlos Silva.

Lisboa, 26 de agosto de 2024

O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

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