Queixa contra o coordenador editorial da Agence France-Presse em Portugal

Conselho Deontológico – Queixa nº 39/Q /2020

Assunto

 Queixa do  jornalista  Francisco Leong,  Carteira Profissional de Jornalista 7061A,  contra o jornalista Tomás Schmitt Cabral, coordenador editorial da redação da Agence France-Presse (AFP) em Portugal, por possível violação do Estatuto do Jornalista bem como do Código Deontológico, recebida a 27 de abril  de 2020.

Queixa

  1. A queixa diz respeito a uma reportagem emitida pela AFP, relativa a uma procissão motorizada em tempo de Páscoa e de confinamento, em que o texto não corresponde às imagens (https://www.lepoint.fr/monde/un-cure-portugais-fait-sa-procession-de-paques-dans-une-decapotable-12-04-2020-2371134_24.php?fbclid=IwAR3GAcxSXqX1zyQshwON_uS7eg9hvhJ_aFEwY6aztl_yGSci4y4H4VFQyIc).
  2. O queixoso conclui na sua exposição ao Conselho Deontológico que “perante isto, parece-me que existem indícios claros de que o jornalista Tomás Cabral fez o texto antes do acontecimento ocorrer e não cuidou de verificar sequer se a realidade confirmou o que escreveu, violando vários pontos dos deveres do Estatuto do Jornalista e do Código Deontológico.”
    • Entende ainda o queixoso que “ao não assegurar um relato dos factos comprovados com ‘rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade’, o jornalista violou o primeiro artigo do Código Deontológico e ainda alínea a) do ponto 1 do artigo 11 do Estatuto do Jornalista.
    • “A confirmar-se que a descrição em reportagem escrita antecede o acontecimento, o comportamento do jornalista Tomás Cabral pode violar o artigo 4 do Código Deontológico que exige que cada profissional ‘deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja’ e a a alínea i) do ponto 1 do artigo 11 do Estatuto do Jornalista, que determina a qualquer jornalista não encenar ou falsificar situações com o intuito de abusar da boa fé do público.”
    • Entende finalmente, o queixoso que poderá ter havido uma violação “da alínea b do ponto 2 do Estatuto do Jornalista, porque as agências noticiosas não têm como objeto do seu trabalho opinião ou extrapolação de factos, mas sim a descrição de acontecimentos. Um acontecimento que, neste caso, se terá verificado depois do envio interno da reportagem”

Procedimentos 

  1. Depois de ler os textos e de ver os vídeos enviados, o Conselho decidiu abrir um procedimento de apreciação, solicitando, a 5 de maio, ao jornalista visado respostas e comentários às alegações do queixoso

3.1 Pretendeu também o CD saber se é norma a AFP promover a elaboração de textos relativos a reportagens antes delas acontecerem.

  1. Após nova insistência por parte do CD, respondeu, a 15 de maio, Patrick Rahir, diretor para Espanha e Portugal.

Análise

  1. Patrick Rahir começa por explicar que “os nossos ‘vídeo-relatos’ são concebidos para acompanhar os nossos vídeos e chamar a atenção dos nossos clientes para os mesmos. Os jornalistas que os redigem acompanham por vezes os repórteres de imagem, mas noutras ocasiões isso não é possível”.
  2. “Por vezes pedimos aos nossos redatores que os preparem antecipadamente, sem esperar para ver as imagens que serão difundidas muito mais tarde pelo nosso centro de edição sedeado em Londres. Em tempo normal, os editores que validam o despacho podem comparar o texto com o vídeo editado em Londres. Infelizmente, tal não ocorreu no passado dia 12 de Abril, o que se prende sem dúvida com o facto do teletrabalho em vigor em toda a agência desde meados de Março dificultar a visualização dos vídeos por parte dos editores. O “vídeo-relato” em causa já foi entretanto corrigido.”

Deliberação

  1. Perante o reconhecimento do erro, o Conselho Deontológico:

7.1 entende que não há dúvidas de que o jornalista da AFP, “ao não assegurar um relato dos factos comprovados com ‘rigor e exatidão (…)’, violou o primeiro artigo do Código Deontológico;

7.2 não encontra argumentos objetivos para outras hipotéticas violações sugeridas pelo queixoso;

7.3 não pode deixar de lamentar e de manifestar preocupação pelo facto de um órgão de comunicação social com o impacto público e o prestígio internacional da AFP abdicar, mesmo que ‘obrigado’ pelo confinamento associado ao Covid-19, de regras elementares no exercício do jornalismo, muito mais tratando-se de uma reportagem que não justificaria qualquer imediatismo ou urgência. A AFP é uma das principais agências mundiais de notícias, fornecendo textos e imagens para milhares de órgãos de informação em todo o mundo, que confiam no seu rigor e profissionalismo.

7.4 também manifesta preocupação pelo facto de a AFP aceitar como normal que por vezes os jornalistas que redigem os textos não acompanhem os repórteres de imagem, uma vez que isso pode ser um dos fatores que contribui para reduzir o rigor da informação prestada. Nesses casos, a atenção da AFP deve ser ainda maior, de modo a garantir a absoluta compatibilização entre texto e imagem.

Lisboa, 27 de Maio de 2020

Pelo Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Partilhe