Que fazer com esta televisão?

O licenciamento das televisões privadas em Portugal constituiu um parto sem garantias. A afirmação é de Diana Andringa, que num artigo publicado na edição portuguesa do «Le Monde Diplomatique» de Setembro de 2000, evoca o processo deliberativo da Alta Autoridade para a Comunicação Social, em que três dos seus elementos puseram sérias dúvidas à capacidade de a TVI cumprir o que prometeu. Como aliás se veria, ao descer de degrau em degrau, até ao «Big Brother».

O Partido Comunista enfrenta Setembro (*) numa crise que ameaça colocá-lo à beira da ruptura e do destino sofrido já por tantos dos seus congéneres europeus? Durão Barroso brande sobre o Governo a ameaça da moção de Censura? Entre a espada e a parede, o engenheiro Guterres afirma optar pela primeira? Estaremos a poucos passos de uma remodelação ou de um governo de gestão? As famílias portuguesas endividaram-se para lá de todo o bom senso? Pouco importa. Para a opinião pública – ou, pelo menos, para a opinião publicada – o assunto que importa é outro: um programa de televisão que, antes mesmo de começar, teve direito a primeira página em jornais de referência, originou crónicas favoráveis ou desfavoráveis de comentadores e analistas e até inflamadas cartas de leitores.

É certo que não se trata de um programa de televisão qualquer, antes de um programa que inquieta os que se interessam pela qualidade da democracia..

Começa logo pelo título, retirado de um livro que descreve um sistema totalitário, de vigilância de todos sobre todos, de delação, de castração do pensamento e da inteligência. Grande parte dos eventuais espectadores do programa desconhecerá, talvez, o livro que inspirou o programa – mas os que o apresentam, esses, obviamente não o ignoram. E não é fácil justificar, mesmo pelo humor, a glorificação do totalitarismo que o título representa.

Argumentam alguns, como o crítico de televisão do jornal “Público”, Eduardo Cintra Torres, que “enquanto no romance de Orwell um espiava todos, todos eram espiados ao serviço do líder e do totalitarismo, no programa de TV todos nós espiamos alguns – e por entretenimento”, pelo que se o romance “era o triunfo do totalitarismo através da tecnologia televisiva”, o programa “é o triunfo absoluto da televisão, dos media de massas, nas mais democráticas sociedades que o mundo conhece.”

Mas a diferença entre totalitarismo e democracia não depende apenas do número dos que têm o poder de espiar. As regras do programa implicam, como lembrou Vasco Pulido Valente , uma única estratégia para quem queira vencer: “convencer toda a gente na “casa comum” a gostar dele e ao mesmo tempo destruir os rivais, fazendo com que eles se tornem detestados. Como se calculará, este objectivo exige uma notável ausência de carácter, para não dizer uma absoluta imoralidade. Quem ganha é fatalmente um intriguista, um mentiroso, um caluniador e um lambe-cus: é, sobretudo, e por força das circunstâncias, um perito em trair quem o estima e confia nele.”

São assim os funcionários do totalitarismo de Orwell. São assim os informadores de todas as polícias políticas. Foram assim os que denunciaram aos nazis os vizinhos e colegas judeus, ou os resistentes. É esse o exemplo que se pretende para os espectadores?

Outra vez Cintra Torres, em escrito mais antigo: “A Televisão tem mais importância nos países onde as elites são fracas e o nível de leitura de jornais e da literacia em geral é baixa, como é o caso de Portugal. O peso da televisão é enorme na vida dos indivíduos, que lhe dedicam mais tempo do que aos filhos – ou aos pais – ou a qualquer outra actividade sem ser a profissão (cerca de 3 horas por dia em média). Apesar de os portugueses não verem mais televisão do que outros povos, a televisão é a sua principal fonte de informação e adquiriu uma importância fundamental para a vida política e para a difusão de factos e ideias normativas do comportamento individual e social.”

Temos, pois, que um programa de televisão encobre a visão de outros problemas, tem um título ambíguo sobre o totalitarismo, promove a delação, a difamação e a intriga e levanta os cabelos dos que gostariam que não fossem esses os valores fundamentais da sociedade em que se movem.

É mau, como ponto de chegada – mas é excelente, como ponto de partida para um debate sobre a televisão que não se fique apenas pela crítica de programas, pela defesa ou contestação da existência de canais públicos, menos ainda pelas revelações sobre a vida das estrelas do pequeno écran.

Um debate oportuno, agora que as emissoras privadas ultrapassaram já metade do período da licença que lhes foi concedida, e em vésperas da multiplicação dos canais, por obra e graça da tecnologia digital.

Debate esse, aliás, tanto mais a propósito quanto o programa que ocupa todas as mentes existe numa estação que, ao candidatar-se à licença, se assumiu como “um projecto inspirado nos valores do humanismo cristão”.

É que a memória é muitas vezes curta, e esquecemos por vezes o debate que se não fez em torno do nascimento das estações privadas de televisão.

Um parto sem garantias

O concurso para o licenciamento dos 3º e 4º canais de televisão decorreu entre 2 de Janeiro e 2 de Abril de 1991, tendo-se apresentado apenas 3 concorrentes: a SIC – Sociedade Independente de Comunicação, a TV 1 – Rede Independente, S.A e a TVI – Televisão Independente, S.A. Na primeira fase, os processos de candidatura foram analisados pela Direcção-Geral da Comunicação Social e enviados ao Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude, que os remeteu para a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), a fim de esta emitir parecer prévio.

A AACS analisou os aspectos jurídicos, da viabilidade económica, do equipamento técnico e do projecto de programação de cada um dos processos e elaborou um parecer global sobre as 3 candidaturas – para o qual “teve presente que a sua intervenção neste procedimento administrativo tem como objectivo essencial aferir se as candidaturas apresentadas obedecem aos requisitos mínimos indispensáveis para que lhes possam vir a ser adjudicadas as licenças postas a concurso”.

Com esse pressuposto, a Alta Autoridade – criada um ano antes com a missão principal de acompanhar “o processo de licenciamento dos emissores privados de radiodifusão e de radiotelevisão, emitindo pareceres e apreciando as respectivas candidaturas” – foi, em 8 de Agosto de 1991, pouco taxativa nas conclusões do seu “Parecer prévio sobre os processos de candidatura aos canais privados de televisão”:

“A SIC aposta num projecto equilibrado quantitativamente prudente e qualitativamente exigente, atento à diversidade socio-cultural do público; a TV 1 aposta num projecto deliberadamente ousado, quantitativamente ambicioso e qualitativamente popular, virado para o grande público; a TVI aposta num projecto mais modesto, quantitativamente moderado e qualitativamente menos exigente em que a predominância da defesa dos valores do humanismo cristão influencia coerentemente o conteúdo e o estilo dos programas.”

Concluía o parecer: “De harmonia com o exposto e feita a precisão global de todos os factores considerados atendíveis, entende a AACS que os três candidatos reúnem os requisitos mínimos necessários para a atribuição das licenças postas a concurso, todos eles tendo condições para satisfazer o interesse público, embora cada um com diferentes características e méritos próprios.”

Este “lavar de mãos” indignou Lídia Jorge, que substituíra Agustina Bessa Luís como um dos elementos cooptados da Alta Autoridade – sobretudo porque, caso único na Europa, se abria caminho à criação de um canal confessional. Em declaração de voto, a escritora levantou dúvidas que vieram a revelar-se proféticas:

“A última parte deste parecer, concluindo singelamente pela admissibilidade de todas as proposituras, embora distinguindo-as pelo mérito técnico, evita a questão fundamental que é a de se posicionar face a hipótese de vir a operar em Portugal um canal de inspiração confessional. (…) Ora a candidatura TVI, desde a origem de parte dos seus financiamentos, às exposições de carácter doutrinário da sua fundamentação filosófica, ate à tutela da Igreja católica – aliás, representada neste processo apenas por um dos seus sectores – configura-se como um projecto contraditoriamente envolvido com a lógica do mercado. De facto, esta candidatura, limitada pela acção contra o consumismo, e reflectindo essa posição no conteúdo e estilo dos programas, se lhe viesse a ser atribuída a licença para a exploração comercial de um canal, viria a defrontar-se com problemas na angariação de receitas de publicidade, ou teria de inflectir completamente a sua filosofia de base .”

Eleito pela Assembleia da República, também o historiador António Reis referiu, em relação à TVI, que “ao assumir-se como um projecto inspirado nos valores do humanismo cristão, elege uma concepção de grelha pautada à partida mais pela preocupação da difusão desses valores junto do público telespectador do que pela preocupação de reconhecimento, e consequente satisfação, da diversidade de interesses – éticos, religiosos, axiológicos, culturais, em suma – desse mesmo público.”

Temendo que a emissora viesse a “soçobrar facilmente na concorrência impiedosa a que eventualmente se verá sujeita” – o que veio a verificar-se – António Reis levantava ainda outra preocupação, a de não haver instrumento que obrigasse os concorrentes que viessem a obter as licenças a cumprir aquilo que haviam prometido:

“A ausência de algo que se assemelhasse a um caderno de encargos mínimo a satisfazer pelos candidatos e da menção de que se encontram obrigados a respeitar as metas que constam dos seus projectos e não apenas os mínimos previstos na lei, não só veio tornar mais difícil a tarefa dos membros da AACS, introduzindo um factor algo aleatório nos juízos proferidos, como poderá vir a falsear os pressupostos da decisão a tomar pelo Governo.”

No mesmo sentido se pronunciava outro dos membros eleitos pela Assembleia da República, o jornalista José Garibaldi que, constatando que, “à excepção de algumas disposições da Lei 58/90 sobre tempo de emissão, defesa da língua e música portuguesas, da programação nacional e europeia, este concurso não assenta num ‘caderno de encargos’ claro e imperativo, que transmita alguma consistência às propostas dos candidatos ao licenciamento”, concluía: “Os seus ‘dossiers’ não passam assim, na maior parte dos casos, de um conjunto de declarações de intenção que a vida e a experiência concreta acabarão por alterar, sem que daí decorra qualquer penalidade para os proponentes.”

Na lei então em vigor sobre o “Regime da actividade de televisão”, Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro, a atribuição das licenças fazia-se por resolução do Conselho de Ministros, decidindo o Governo a entrega de alvará “ao candidato que apresentar a proposta mais vantajosa para o interesse público, desde que este tenha obtido o parecer prévio da Alta Autoridade para a Comunicação Social”. E como a AACS não apresentou parecer desfavorável sobre nenhum dos concorrentes, o Governo presidido por Cavaco Silva passou sobre as dúvidas levantadas por Lídia Jorge, António Reis e José Garibaldi e atribuiu as licenças – pelo prazo de 15 anos – à SIC e à TVI.

A televisão privada nascia assim em Portugal de um parto sem garantias. E a realidade encarregar-se-ia de provar a justeza das dúvidas de Lídia Jorge, António Reis e José Garibaldi.

Pode o que nasce torto endireitar-se?

Com o início das emissões da SIC, em 6 de Outubro de 1992 – a que se seguiu o da TVI, em Fevereiro do ano seguinte – iniciou-se uma nova era televisiva, marcada por uma competição feroz entre os operadores televisivos e, sobretudo, pela luta entre a RTP1 e a SIC. Nessa luta pelas audiências, os princípios de rigor e ética ficaram muitas vezes esquecidos, levando a queixas permanentes à Alta Autoridade.

É que, ao contrário da BBC que, dado o elevado nível de qualidade ética e estética a que habituara os telespectadores, obrigara os operadores privados a competir pela qualidade, a RTP 1, até então várias vezes apontada, entre as congéneres europeias, como um exemplo de boa programação, optara, nos anos que precederam o lançamento dos canais privados, por um formato mais comercial , fazendo uma aposta reforçada em séries e cinema de “massas”, ao mesmo tempo que nos noticiários, embora sobrecarregados de política, desciam drasticamente os tempos dedicados à contextualização das notícias – que, já baixos em 1988, “sofrem uma quebra para cerca de metade em 1992 ”.

Aliás, nesse mesmo ano, ao intervir em debate organizado pela AACS, Mário Mesquita diria que “a análise empírica da forma como a RTP tem antecipado a concorrência, parece revelar uma estratégia, na área da informação, onde as motivações de natureza comercial prevalecem sobre quaisquer outras; a tendência do Telejornal para valorizar excessivamente o noticiário de ‘fait-divers’, na senda do que tem sucedido nas televisões privadas europeias, apontando para modelos que combinam o oficioso com o sensacionalista; colocação dos programas de debate em horários tardios, à semelhança do que se verificou em televisões europeias à medida que se acentuou a emergência de canais privados.”

Assim, enquanto a BBC, perante o advento das privadas, optara por aquilo que Yves Achille e Jacques Ibanez Branco, em “Les télévisions publiques en quête d’avenir” definem como “a estratégia da oposição”, tentando desenvolver objectivos próprios ao serviço público, como a ênfase na informação e a aposta no factor “educação” da trilogia “educar, entreter e informar” , a RTP optou, antes ainda do aparecimento das cadeias privadas, pela “estratégia do confronto parcial”, ou seja, nas palavras daqueles autores, aquela em que “um dos canais do sector público caminha para uma crescente comercialização, a fim de fazer face ao sector privado no terreno deste, enquanto que o outro adopta uma estratégia de diferenciação em relação ao privado e de complementaridade em relação à primeira”.

Com a RTP1 preparada para o confronto através de telenovelas e direitos de transmissão sobre futebol, a SIC – correspondendo, aliás, ao expresso no dossier de candidatura à concessão de canal – apostou forte na informação e na informação descentralizada. Se a RTP era então acusada de mostrar sistematicamente o “país sentado” – composto de personalidades, sobretudo da esfera política, ouvidas em conferências de Imprensa, seminários ou sessões solenes – e centrado em Lisboa, a SIC apostou no país “real”, aquele onde as pessoas vivem e sofrem, se queixam, protestam, cometem crimes e são julgadas, esperam vez no tribunal como nos postos médicos e nas urgências hospitalares. Espicaçada, a RTP1 foi, também ela, procurar a notícia na vida quotidiana, nos pequenos grandes dramas que todos os dias sobressaltam a sociedade portuguesa.

O cidadão anónimo voltou ao pequeno écran. As estações não demoraram a perceber as vantagens de o ter, além de consumidor, como protagonista. Foi a época dourada dos “reality show”; a SIC tomara a cabeça do pelotão a uma velocidade desconhecida na competição europeia do público e privado, a RTP1 vinha logo atrás, enquanto a TVI se debatia de crise em crise e abandonava, ao menos na prática, os “valores do humanismo cristão” que lhe tinham obtido o alvará e a RTP2 prosseguia, por entre maiores ou menores dificuldade, o seu próprio rumo.

A impossível regulação

A publicação de uma nova Lei da Televisão, em 1998, levantou de novo a questão da adequação dos canais privados de televisão aos projectos que estiveram na sua origem.

A lei incumbe a AACS de “atribuir as licenças e autorizações necessárias para o exercício da actividade de televisão, bem como deliberar sobre as respectivas renovações e cancelamentos” e de “assegurar a observância dos fins genéricos e específicos da actividade de rádio e televisão, bem como dos que presidiram ao licenciamento dos respectivos operadores, garantindo o respeito pelos interesses do público, nomeadamente dos seus extractos mais sensíveis”.

E garante mais a observância do projecto aprovado, estabelecendo que “o operador televisivo está obrigado ao cumprimento das condições e termos do projecto licenciado ou autorizado, ficando a sua modificação, que em qualquer caso só pode ser efectuada decorridos dois anos após o seu licenciamento, sujeita a aprovação da Alta Autoridade para a Comunicação Social.”

Uma norma transitória da mesma lei fez aplicar o mesmo princípio aos operadores licenciados ao abrigo da anterior legislação – SIC e TVI – tendo-lhes sido dado 180 dias a contar da entrada em vigor da Lei para submeterem à AACS eventuais alterações aos projectos iniciais.

Nesse prazo, a SIC informou manter-se inalterado o modelo de canal generalista constante do projecto apresentado, sendo a única alteração o facto do sinal ser também transmitido por cabo; a TVI, por sua vez, referiu as “diversas vicissitudes” ocorridas na sua actividade para explicar a alteração do projecto inicial, de um canal que tem por filosofia de base o humanismo cristão, para outro , que “não se subordina a quaisquer poderes políticos, económicos, sociais, religiosos ou outros”.

E se, em relação à SIC, a AACS, embora chamando a atenção para uma falha na emissão de programas infantis e juvenis, considerou que “ a grelha e o modelo actuais da estação se conformam, em termos gerais, com o projecto atempadamente licenciado pelo Governo” , a deliberação sobre a alteração do projecto inicial da TVI reflectiu a impotência do organismo regulador, pelo facto de, no concurso anterior, não ter havido exigência de cumprimento do projecto apresentado.

Referindo embora não poder ser a TVI responsabilizada pelas insuficiências do concurso de que viria a ser um dos vencedores, a AACS salientou que “o abandono do projecto inicial por parte da TVI interpela a própria decisão de lhe conceder um canal em 1992 e lança uma interrogação legítima sobre se lhe teria sido acordada a correspondente licença se, quando ocorreu o concurso que marcou o momento fundador da televisão privada em Portugal, tivesse surgido com um projecto semelhante ao que agora submete a este órgão regulador.” E, a terminar: “ A AACS, embora consciente de que tal pedido questiona as condições em que o concurso de licenciamento dos canais hertzianos de televisão foi realizado – não pode deixar de tornar pública a sua anuência ao que lhe é solicitado, tanto mais que o projecto agora submetido à sua apreciação se enquadra nos parâmetros estabelecidos pela legislação em vigor.”

E agora?

Agora, quando o país centra as suas atenções num programa de um canal privado, quando se levantam as vozes perturbadas com os excessos derivados da concorrência, vale a pena recordar a insustentável leveza desse primeiro concurso para reflectir sobre os que se avizinham – e também sobre o presente (e o futuro) do nosso panorama televisivo.

E, sobretudo, sobre o papel da televisão.

Nem bruxa má nem fada madrinha, ela é aquilo que quisermos que seja.

Aquela de quem o primeiro Director-Geral da mais prestigiada de todas as televisões, a BBC, disse ter por missão “a difusão do conhecimento” e “a capacidade de dar respostas satisfatórias a perguntas inteligentes e legítimas”, ou a que premeia concorrentes por não saberem quem foi Shakespeare.

A que ensina meninos a ler com a “Sesamee Street” ou a que lhes diz que a ignorância compensa, dando avultados prémios a quem ler não interessa.

A que ajudou a pôr fim à guerra do Vietname, ou a que nos vende como entretenimento o bombardear de populações indefesas no Iraque ou na Sérvia.

A que nos mostra a conquista do espaço, as maravilhas do mundo animal, os avanços da medicina, ou a que prefere pôr-nos a ver pessoas fechadas numa casa, como animais em cativeiro.

Cada um de nós, como espectador, pode escolher. Tal como cada um de nós, como cidadão, pode votar em quem lhe garanta maior respeito pela sua escolha.

E cada um de nós pode sempre, em cada momento, escolher entre Millán Astray e Unamuno. Entre a força e a inteligência, entre a morte e a vida.

Mesmo quando a força se faz de números e de grandes audiências.

Galileo era um só, contra muitos – mas a Terra roda, de facto, em volta do Sol.

Não vale a pena é condenar os excessos a que a concorrência conduz a programação televisiva e defender, ao mesmo tempo, que o mercado regula tudo.

Como não vale a pena lamentar a falta de valores, ao mesmo tempo que se promove a sua ausência ou, pior, a sua negação.

Seria útil, sim, debater seriamente a televisão, definir-lhe regras sérias de funcionamento, pensar a sociedade que, também com ela, estamos a construir.

Antes que a sociedade do vazio se feche definitivamente sobre nós.

(*) A autora referia-se à crise verificada em finais do ano 2000, antecedendo o Congresso do PCP realizado no início de 2001.

Texto reproduzido com a autorização da autora

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