«Que é que se critica, afinal?»

Candidato independente às eleições legislativas pelo PS, Vicente Jorge Silva, não obstante discordar da candidatura de Alfredo Maia pela CDU enquanto presidente do SJ, manifestou-se igualmente crítico das opiniões expressas no Púbico por António Granado e José Vítor Malheiros, fazendo-o num artigo publicado em 8 dee Fevereiro de 2002 com o título «Jornalistas e actividade política».

A participação de jornalistas nas listas de candidatos a deputados às próximas eleições legislativas tem suscitado textos críticos de elementos da direcção e redacção do Público. O pretexto próximo e objecto explícito da controvérsia parece ser a candidatura do actual presidente do Sindicato dos Jornalistas na lista da CDU do Porto. Julgo, porém, talvez erradamente, que a natureza dessas intervenções críticas corre o risco de ultrapassar os casos onde poderão existir indiscutíveis conflitos de interesses entre o exercício profissional do jornalismo e a actividade política. Ora, aquilo que se omite ou não se esclarece devidamente, deixa pairar, muitas vezes, uma nuvem de ambiguidade sobre os propósitos efectivos de quem escreve. Que é que se critica, afinal? Apenas os casos de conflitos de interesses e incompatibilidades de funções? Ou o próprio direito abstracto de qualquer jornalista decidir um dia – como foi o meu caso – suspender a sua actividade profissional e assumir, enquanto cidadão, responsabilidades políticas efectivas? Onde começa a defesa intransigente do código deontológico e acabam os processos de intenção e as tentações fundamentalistas? A verdade é que não encontrei nos dois textos em causa, assinados por António Granado e José Vítor Malheiros, a preocupação de distinguir situações que não são confundíveis nem comparáveis, preocupação essa que deveria ser inspirada por aquele princípio jornalístico básico de isenção, transparência, equidade e rigor que está consagrado no Livro de Estilo do Público.

António Granado decreta peremptoriamente que um jornalista «não deve fazer política». Que será que isto quer dizer? Que os editoriais políticos do Público não significam «fazer política»? Que um jornal deve ter posições apolíticas, amorfas e politicamente neutras? Quando, por exemplo, o actual director do Público, José Manuel Fernandes, saúda Ernâni Lopes, considerando-o bem vindo ao «clube» dos que procuram recuperar a ideia do «bloco central», não está a fazer política? Então que é que está a fazer?

Compreendem-se melhor os escrúpulos de José Vítor Malheiros, ao escrever que um jornalista «não deve ser candidato às eleições porque a posição de um jornalista é dificilmente compatível com as obrigações de um candidato ou de um deputado». Passemos pelo «dificilmente», uma vez que dificuldade não significa impossibilidade, e reconheça-se a justeza essencial da observação. Só que Malheiros não explicita as condições efectivas do impedimento no exercício dos dois papeis, o que o conduz a confundir coisas que são ou podem ser diferentes e o leva a subscrever um propósito idêntico ao de Granado.

Quanto a mim, entendo, sempre entendi, que um jornalista profissional no activo, ou seja, qualquer membro da direcção ou da redacção de um jornal de informação geral, sério e de qualidade, não deve intervir partidariamente ou tomar posições públicas expressas a favor de uma determinada força política, independentemente do inalienável direito que lhe assiste de, no seu foro íntimo, ter preferências pessoais de natureza política ou até de estar inscrito numa determinada organização partidária ou ser sócio de um clube desportivo. Por maioria de razão, considero que a presidência de um órgão tão sensível e de representação da classe como é o Sindicato dos Jornalistas não deve ser exercida por quem se apresenta como militante e candidato a deputado de uma determinada força política.

Embora sem querer colocar-me no papel do «bom da fita», parece-me essencial esclarecer que a minha situação como candidato a deputado independente nas listas do PS é totalmente diversa. Não me encontro vinculado profissionalmente à redacção de nenhum jornal e não exerço funções jornalísticas activas no campo da responsabilidade editorial ou enquanto redactor ou repórter. Sou actualmente colunista de um jornal diário, onde também colaborei num projecto de remodelação gráfica, e de um «site» na Internet. Mesmo assim, tive a preocupação de anunciar aos leitores daquele jornal a minha futura alteração de estatuto e expus as questões morais que me acompanharam ao decidir candidatar-me a deputado (ver Diário Económico de 1/2/02). Além disso, suspendi temporariamente a minha colaboração, pus um ponto final na coluna que vinha escrevendo e irei iniciar outra numa nova fórmula, para que assim fiquem ainda mais nítidas as fronteiras entre o meu estatuto passado e futuro. Finalmente, requeri a suspensão da minha carteira profissional por entender que, a partir de agora, e enquanto exercer as funções de deputado, se for eleito, não me considero apto a exercer as funções de jornalista.

Creio que tudo isto chega para desfazer confusões. Mas gostaria ainda de acrescentar uma palavra final. Para mim a política não é uma profissão mas um serviço que me proponho cumprir com prazer, com empenho e com a vontade genuína de dar o meu pequeno contributo pessoal para a renovação da vida política portuguesa e da esquerda democrática, aquela área com a qual, como cidadão, sempre me senti identificado. Quero fazê-lo com o mesmo escrúpulo, o mesmo rigor, a mesma paixão, a mesma independência de espírito e a mesma transparência de atitudes com que julgo ter exercido, ao longo de quase quarenta anos, a profissão de toda a minha vida. Estou convicto que os leitores do Público, jornal que ajudei a fundar e de que fui o primeiro director, ainda não se esqueceram disso.

Texto reproduzido com a autorização do autor

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