Programa de acção 2001/2002

O Conselho Deontológico eleito para o biénio 2001/2002, além de se declarar numa linha de continuidade do anterior, igualmente presidido pelo jornalista Oscar Mascarenhas, apresentou um programa de acção em torno de uma ideia-força: a dicotomia Sindicato/Deontologia só enfraquece, a dialética Sindicato/Deontologia só fortalece.

1. A linha sindical que se apresenta sob o lema «Jornalistas: Direito à Dignidade» entende que compete ao Sindicato dos Jornalistas algo mais do que apenas a defesa dos interesses profissionais – do ponto de vista formativo, laboral, económico e assistencial – dos jornalistas. As questões éticas não podem ser resolvidas unicamente pela consciência de cada profissional e o combate pela melhoria do exercício da profissão do ponto de vista ético não constitui dispersão de energias do Sindicato dos Jornalistas negativa para a defesa dos interesses profissionais e materiais dos jornalistas. Pelo contrário.

Desde que existe como órgão democrático dos jornalistas, o Sindicato dos Jornalistas, no seu todo, compreendeu que tinha no rigor deontológico a fonte principal da sua energia para a defesa dos interesses da classe, qualquer que fosse a natureza desses interesses. Com uma classe que, na fase inicial de vida democrática do Sindicato, não chegava aos mil elementos, foi fácil perceber que a acção reivindicativa não podia assentar na movimentação de massas (inexistentes) ou em grandes acções colectivas. Em todas as exigências que apresentou, em todas as reivindicações que fez, o Sindicato dos Jornalistas ganhou força e obteve vitórias sempre que pôde apresentar, como contrapartida, a garantia de que os jornalistas, por intermédio do seu órgão de classe, são capazes de cumprir a sua parte, como profissionais dignos e responsáveis.

E isto porquê? Porque, em diversas ocasiões, o Sindicato soube furtar-se ao sindicalismo da cumplicidade, recusando silenciar internamente a prevaricação e a indignidade. Pelo contrário: o Sindicato dos Jornalistas firmou-se, junto da opinião pública, do poder político e económico e das restantes classes trabalhadoras como uma força que tem a coragem de demarcar-se publicamente de seus próprios associados quando estes notoriamente ponham em causa a imagem globalmente positiva construída pelos jornalistas dignos e o seu Sindicato.

Quantas instituições ou órgãos de classe podem orgulhar-se, em Portugal, nas últimas duas décadas, de um comportamento assim?

Para nós é claro que a força reivindicativa do Sindicato dos Jornalistas lhe advém na razão directa da capacidade de atenção à ética que demonstrar sobre a própria classe. Mas também é claro que a atenção à ética não pode andar dissociada da capacidade de reivindicação e de luta pela melhoria das condições concretas em que os jornalistas exercem a sua profissão. Tapar os olhos ao estado de degradação e mau trato em que se encontram as condições profissionais e de vida da esmagadora maioria dos jornalistas portugueses, para fazer um órgão de classe concentrar-se unicamente na auto-repreensão deontológica seria destiná-lo à prática de exercícios florentinos gratuitos ou de masoquismo colectivo.

O processo é simples e invariável: em Portugal, um órgão dos jornalistas que nasce com o objectivo de lutar pelas condições materiais, rapidamente descobre que tem de incluir a deontologia nos seus planos de acção; um órgão dos jornalistas que nasça com o estrito fim de promover o debate deontológico e a autocrítica na classe, imediatamente percebe que, se não se bater por condições concretas de vida dos jornalistas, fica coxo.

Por isso, a nosso ver, a dicotomia Sindicato/Deontologia só enfraquece, a dialéctica Sindicato/Deontologia só fortalece. A ambos.

 2. É hoje indubitável que a intervenção do Conselho Deontológico em defesa de um jornalismo responsável acrescentou credibilidade e prestígio ao Sindicato dos Jornalistas e à profissão, na opinião pública,  perante outras organizações sociais e profissionais e junto das instâncias de decisão legislativa.

Mas porque assim é e porque é visível o prestígio e a credibilidade da instância ética dos jornalistas, o Conselho Deontológico viu-se alvo de um novo tipo de ataque: duas acções judiciais desencadeadas por jornalistas publicamente criticados. Nos dois casos tratou-se de jornalistas que, em circunstâncias diferentes, quebraram ilegítima e injustificadamente o seu dever de segredo de fonte confidencial. Numa atitude de fuga para a frente, estes jornalistas procuraram a via judicial na esperança de encontrar uma vírgula da lei que coloque o Conselho Deontológico na defensiva.

Isso não acontecerá. Pelo contrário, deve impulsionar o Conselho Deontológico a avançar na linha traçada. E assim se propõe fazer a presente linha sindical, continuadora da que cessa funções.

E para que a estratégia de não pactuar com as faltas aos deveres deontológicos se consolide, propõe-se esta lista dar ainda mais publicidade e visibilidade aos documentos que elabora – comunicados, recomendações, pareceres e as queixas, de que se possam extrair importantes reflexões para um exercício criterioso da profissão. De uma coisa podem todos estar certos: nada  nem ninguém fará deste Conselho Deontológico uma instância cúmplice ou silenciosa.

Até agora, já eram colocados, quer no boletim PassaPalavra, quer na página da net do Sindicato dos Jornalistas, os documentos mais importantes do Conselho Deontológico. Mas a experiência revelou que isso não chega: há que fazer interiorizar o debate deontológico e, para isso, esta linha sindical propõe-se tomar algumas iniciativas, a saber:

– para além da divulgação dos documentos no boletim PassaPalavra e na página da net, abrir-se-á uma chatroom para debate de questões específicas do jornalismo, na sua vertente ética, com temas que tanto podem ser propostos pelo Conselho Deontológico como pelos próprios participantes;

– porque tem sido visível a vontade de muitos jornalistas participarem na organização da reflexão ética, serão estimulados os Núcleos de Debate Deontológico (NDD) espalhados pelo país e pelas escolas, enquadrados por jornalistas profissionais, sindicalizados ou não;

– mobilizar as estruturas do jornalistas para o debate e escrutínio ético; nesse sentido, não só se dirigirão apelos aos Conselhos de Redacção como se procurará reanimar a estrutura do Conselho de Delegados Sindicais; os delegados sindicais podem e vão desempenhar um papel activo em matéria de deontologia nas redacções.

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