Parecer do CD por solicitação da jornalista Fernanda Câncio

Fernanda Câncio pediu para que o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas se pronunciasse sobre o conteúdo de três notícias em que, a propósito de opiniões suas expressas no canal TVI24 e na sua coluna semanal do Diário de Notícias, a jornalista foi identificada através da expressão «namorada de».

Duas dessas notícias foram publicadas na imprensa (Correio da Manhã, de 5 de Abril, e Expresso, de 10 de Abril) e a outra foi emitida pela estação de televisão SIC («Jornal da Noite», de 5 de Abril).

O pedido de parecer de Fernanda Câncio incide sobre os pontos 1, 2, 3, 6 e 9 do Código Deontológico. Atendendo às respostas da SIC, Correio da Manhã e Expresso, o Conselho Deontológico considerou que deveria também analisar o ponto 10 do código Deontológico.

Mediante a análise efectuada o Conselho Deontológico decidiu:

1. Condenar a forma reiterada como certos meios de comunicação social devassam a privacidade de cidadãos, sem qualquer critério que não seja o de promover o voyeurismo e as vendas comerciais.

2. Relembrar que a devassa da privacidade dos cidadãos por alguns meios de comunicação não é, por si, susceptível de transformar acontecimentos privados em públicos, nem a sua divulgação e conhecimento legitima que eles possam ser retomados por outros media.

3. Considerar que é uma violência exigir-se que a esfera privada dos cidadãos seja reduzida a actos íntimos e secretos, pelo que se exige dos jornalistas a necessária ponderação da qualidade dos acontecimentos (oficial, público, em público, privado, etc.) em que estão envolvidos os cidadãos susceptíveis de serem objecto de notícia, bem como do interesse público inerente à sua divulgação.

4. Recomendar aos jornalistas e aos cidadãos a necessária ponderação acerca dos assuntos sobre os quais decidem intervir publicamente, sendo certo que não têm o direito de se escudarem nos seus direitos individuais para impedir a pertinência do escrutínio e dos debates suscitados pelo seu dever cívico de participação na vida pública.

5. Sublinhar que, independentemente desse escrutínio, é um direito elementar de qualquer cidadão ser tratado publicamente de forma correcta e com elevação, sem recurso a fórmulas enviesadas, desfocadas, susceptíveis, por isso, de serem consideradas desqualificadoras.

6. Considerar globalmente infundada a queixa apresentada por Fernanda Câncio relativamente aos pontos 1, 2 e 6 do Código Deontológico.

7. Classificar de tecnicamente incorrecta e deontologicamente reprovável o enfoque e identificação da jornalista como sendo «namorada de» nos títulos e destaques das notícias, em análise, elaboradas pela SIC, Correio da Manhã e Expresso.

8. Atender ao argumento da legitimidade de interesse público da cobertura jornalística das opiniões de Fernanda Câncio, na TVI24 e nas colunas semanais do Diário de Notícias, tendo por base eventuais conflitos de interesse reprovados pelo Código Deontológico.

9. Recomendar aos jornalistas particulares cuidados no tratamento das questões de interesse público que envolvam direitos à privacidade.

10. Sublinhar a transparência como um dos princípios éticos da discussão pública, aconselhando os intervenientes nesses debates a fazer a sua declaração de interesse, nos termos estritamente necessários e considerados mais correctos.

Lisboa, 9 de Julho de 2009

O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Aprovado por maioria, com o voto contra de Otília Leitão que fez a seguinte declaração de voto:

“Votei contra porque:

1 – As três notícias em causa cumprem integralmente (incluindo os respectivos títulos) cada um dos cinco artigos referidos do Código Deontológico do Sindicato dos Jornalistas;

2 – Não pode ser considerado invasão da privacidade a referência a um facto público e notório;

3 – Seria contrário ao mesmo Código qualquer tentativa de limitar a liberdade de expressão dos jornalistas, nomeadamente de referirem que Fernanda Câncio é namorada de Sócrates.”

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