Figura cimeira do jornalismo português, ao qual a Casa da Imprensa ficou a dever notável impulso, Artur Portela foi alvo, em 30 de Outubro de 2001, de cerimónia evocativa no centenário do seu nascimento. Ao acto, realizado na Sala Artur Portela, onde figura o seu busto, presidiu o Secretário de Estado do Trabalho e Formação, António Dornelas. A abrir as três intervenções de fundo, usou da palavra o jornalista Fernando Pires, presidente da instituição.
Artur Portela viveu 58 anos, e mais de metade da sua curta vida consagrou-a à Caixa de Previdência dos Profissionais da Imprensa de Lisboa.
O seu nome surge pela primeira vez na Direcção em Agosto de 1924, último ano da Associação dos Trabalhadores da Imprensa, que tinha um Cofre de Beneficência, sua estrutura principal. A Associação deu lugar ao Sindicato, em Dezembro, e o Cofre, por impulso inicial de Artur Portela e Jaime Brasil, e depois de Júlio de Almeida, autonomizou-se, como Caixa de Previdência do Sindicato, oficializada em 1925, para dez anos mais tarde ficar simplesmente Caixa de Previdência dos Profissionais da Imprensa de Lisboa.
Em Maio de 1925, Artur Portela fica ligado, com Acúrsio Pereira, Jaime Brasil, Julião Quintinha, Pinto Monteiro e Martins dos Santos à compra do prédio da Rua do Loreto, onde, em Janeiro de 1926, transferidos da Rua das Gáveas, passaram a funcionar o Sindicato e a Caixa, dessa coabitação resultando o nome de Casa da Imprensa, apenas oficialmente reconhecido em 1982.
Foi uma Direcção a que presidia, eleita em assembleia geral extraordinária em Outubro de 1935, e de que faziam parte Alfredo Lamas, Manuel Nunes, Pinto Monteiro e Cristiano Lima, que tomou em mãos o projecto de construir uma sede social, o que fora causa de controvérsia e da demissão colectiva da direcção anterior, presidida por Norberto de Araújo.
Com o prédio da Rua do Loreto, fora adquirido um outro, na Rua da Horta Seca, tudo custando 230 contos, para o que se obteve um empréstimo da Caixa Geral de Depósitos. O prédio da Horta Seca incluía um terreno, ocupado pela carvoaria de um galego, José Vilas Pão, disponível para negociar a sua cedência. A Direcção de 1932, presidida por Júlio Cayola, admitira construir um salão de festas, para angariar receitas suplementares. Existia um projecto do arquitecto Carlos Ramos, que fora submetido à Câmara e recomendara alterações. Este projecto, apreciado em 1936 pela Direcção de Artur Portela, em reunião com o Conselho Fiscal, foi considerado inexequível.
Uma esclarecedora intervenção de Artur Inês, na assembleia de Fevereiro de 1938, revela que Artur Portela tomou depois a iniciativa de falar com o construtor civil Amadeu Gaudêncio, que solicitou ao genro, o arquitecto João Simões, um novo projecto, feito graciosamente, como, aliás, o do arquitecto Carlos Ramos, do qual chegaram a ser impressos bilhetes postais com a fachada do edifício e a legenda “Casa da Imprensa-Lisboa”.
A polémica à volta da sede, da sua oportunidade, e dos dois projectos em causa, motivou outra demissão colectiva, a da direcção de Rogério Perez, nesse ano de 1938. Correram os anos, sucessivas direcções, eram muitas as dificuldades financeiras a impossibilitar a concretização da obra, mas, numa coisa se adiantou: o projecto da sede seria o do arquitecto João Simões.
Finalmente, em 1953, Artur Portela, presidindo a uma Direcção com Afonso Serra, Carlos de Ornelas, Saphera da Costa e Fausto Vilar, e com o apoio do Presidente da Assembleia Geral, José Boavida Portugal, assume esse “acto de coragem, um golpe de audácia” (cito Afonso Serra, no livro sobre a História da Casa da Imprensa, que escreveu a solicitação da Direcção de Rodrigo Pinto, e que temos o dever moral de publicar em 2005, ano do centenário.)
A inauguração da sede esteve prevista para Maio de 54, agora, Boavida Portugal presidindo à Direcção, com Afonso Serra, José Malheiro, Saphera da Costa e Pinto Monteiro, e Artur Portela presidindo à Assembleia Geral, mas só veio a ocorrer em 8 de Dezembro desse ano, porque se considerou a materialização da obra um “milagre”. Como tal, e como se fez, devia assinalar-se o acontecimento no dia da Padroeira de Portugal.
Não conheci, pessoalmente, Artur Portela. Conhecia-lhe o nome, quando iniciei a profissão, por o ouvir aos mais antigos colegas do “Diário de Notícias”, como Belo Redondo, Pinto Monteiro, Cristiano Lima, Fausto Vilar, João Coito, que, sei agora, além dos laços profissionais, tinham com Artur Portela uma relação de trabalho, e de preocupações, na Casa da Imprensa. E conhecia-lhe o nome, também, das crónicas e reportagens no “Diário de Lisboa”.
Da acção de Artur Portela nesta Casa, só comecei a tomar conhecimento depois que me confiaram as funções que exerço. Mas conhecia muito pouco, face ao que o desbravar da história, na leitura das actas das reuniões das direcções e das assembleias gerais, me deu a saber.
Não serei eu, pois, quem fará o elogio Artur Portela; farei, pelas palavras dos outros, ditas e escritas, o elogio de um dirigente cujo nome e cuja figura, justamente, se perpetuam nesta sala.
Em Dezembro de 1949, porque Artur Portela não podia fazer parte dos órgãos eleitos para o ano seguinte, por força das disposições estatutárias, a assembleia geral aprovou por aclamação uma moção do presidente da Direcção, Alfredo Gândara, e de que Artur Portela era secretário, em que se dizia:
“Considerando que o antigo presidente desta Casa, sr. Artur Portela, tem prestado os mais altos serviços à agremiação e aos seus associados; que a persistência da Caixa se deve, em grande parte, àquele ilustre jornalista, assim como o ter ela podido até aqui manter íntegros, sem qualquer limitação, os seus serviços médicos e farmacêuticos, quando tantas outras colectividades congéneres, de rendimentos certos, se viram forçadas a restringir os seus serviços de assistência; atendendo a que aquele nosso distintíssimo consócio não pode este ano dar o seu esforço insubstituível para o governo da nossa Caixa, a assembleia-geral vê com desgosto o seu afastamento temporário da Direcção, apresenta-lhe as mais calorosas saudações e afirma-lhe o seu reconhecimento pelo muito que tem feito”.
Um exemplo, registado nas actas: em 1947, passo a citar, “a Caixa esteve na contingência de suspender os medicamentos, se não fosse o presidente da Direcção, Artur Portela, com a sua influência pessoal e amizade, ter conseguido do ministro do Interior, major Botelho Moniz, um subsídido de 30 contos, o que, felizmente, veio não só assegurar a concessão dos medicamentos durante esse ano como ainda deixar verba para o próximo”.
Hoje, ainda não é fácil superar os desequilíbrios orçamentais. Mas, apesar de tudo, a situação actual não pode comparar-se com a daquela época.
Numa reunião magna de Março de 49, Herculano Nunes, que presidia à Assembleia Geral, fazendo o balanço da década, revelava que a Caixa gastara em assistência médica e medicamentosa 519.335$80 e recebera de quotizações ??????. Menos de um terço. E, fazendo a justiça de reconhecer que isso fora possível pelos diligentes e tenazes esforços das direcções para obter receitas extraordinárias em donativos e produtos de festas realizadas, sublinhou:
“Creio que nenhum dos sócios que têm passado pela Direcção se melindrará se eu disser que o artífice mais devotado desta obra vem sendo Artur Portela, que estima a Caixa como se ela fosse um prolongamento do seu lar. Todos os sócios lhe devem, por isso, admiração, estima e reconhecimento”.
Mas apurei, na pesquisa a que procedi, e que a disponibilidade de tempo não me permitiu fosse exaustiva, entre o muito que não é para esta oportunidade, e situações que providenciarei para que sejam reparadas, estes outros exemplos de uma verdadeira devoção à causa do mutualismo e da solidariedade:
Em 1958, Artur Portela conseguiu, dos empresários do Tivoli, Augusto Lima Mayer, e do S. Luís, João Ortigão Ramos, que a receita das estreias dos filmes “Adeus às Armas” e “A Ponte do Rio Kwai” revertesse para a Casa da Imprensa.
Muito e muito antes, ainda a Caixa na Rua do Loreto, Artur Portela obteve das Companhias Reunidas de Gás e Electricidade uma tarifa doméstica especial.
A primeira prestação do elevador deste edifício, foi paga com a verba de 42.789$00 recebida, antecipadamente, da Direcção dos Serviços de Urbanização, por intervenção de Artur Portela.
A comparticipação do Estado, pelo Ministério das Obras Públicas, ao tempo sob a tutela do engº José Frederico Ulrich, foi conseguida graças, principalmente, às diligências de Artur Portela.
Faço aqui, ressalvando uma decisão que não comento mas lamento, um parêntesis, para de novo citar Afonso Serra, na História da Casa da Imprensa: “Foi sobretudo ao halo que iluminou o pensamento e o coração do titular das Obras Públicas, que a classe jornalística ficou devedora da maior parcela do êxito do empreendimento. E como prova de reconhecimento, mandou-se gravar no mármore, que nenhum dos maus ventos políticos ou de malquerenças desfizeram”. Infelizmente, houve força mais forte que a força dos ventos. E que varreu também a lápida em que se gravavam os nomes dos dirigentes de 1953 e 1954 que tiveram esse acto de coragem, esse golpe de audácia.
Muitos outros consócios que ao longo dos anos passaram pelas direcções, prestaram à Casa da Imprensa serviços inestimáveis. Também, como Artur Portela, foram a gabinetes ministeriais, e de presidentes de câmaras, a empresários de espectáculos, a dirigentes de bancos e empresas, e onde mais foi preciso, empenhados em encontrar soluções e contribuições para manter a actividade da Casa da Imprensa no campo da assistência médica e medicamentosa e no apoio social.
Estão presentes, e saúdo-os, alguns distintos colegas que são credores de agradecimento e de reconhecimento. Permito-me, sem menos aprêço pelos demais, destacar Afonso Serra, também com uma longuíssima vivência dos problemas da Casa da Imprensa no exercício de cargos directivos e que colaborou, já o dissemos, de muito perto com Artur Portela, designadamente na contrução da sede.
Mas, sem esquecer um largo punhado de dirigentes, mencionados nas actas em que recolhi informação, julgo poder afirmar que ninguém, de forma tão continuada, e tão persistente, e tão entusiástica e entusiasmante, o fez como Artur Portela.
Que foi um dos maiores cabouqueiros desta venerável e quase secular instituição que é a Casa da Imprensa; que a serviu de múltiplas formas durante trinta anos; que presidiu a muitas Direcções, mas nelas, quando não nesse cargo, também foi vogal, e secretário, e membro de comissões de iniciativas; que presidiu à Assembleia Geral; que teve sempre a orientá-lo os princípios do mutualismo e o sentido da solidariedade para com os seus colegas jornalistas e uma tocante preocupação pela situação das que ficavam suas viúvas.
Quando, em 16 de Março de 1959, quatro dias após a sua morte, com o sentimento de profundo pesar, a Direcção presidida por Boavida Portugal, e de que faziam parte José Salsa, Afonso Serra, Ângelo Pereira e Manuel Lyra, registava em acta que Artur Portela “trabalhou como ninguém para o progresso desta instituição”, estava a reconhecer, com a autoridade de quem esteve mais próximo e mais directamente relacionado com esse aventuroso período, um facto inquestionável.
E no final desse mês, a Direcção transmitia à assembleia geral, de que era presidente Rogério Perez, com a sua mágoa por uma perda irremediável, a manifestação da última homenagem que podia prestar a Artur Portela: a concessão, a título vitalício, à viúva, senhora D. Maria Luisa Guerra Portela, de uma pensão mensal de 750 escudos, pagáveis em sua casa, dizia a proposta, “com os extremos de atenção que temos o dever de prestar-lhe”, precisando tratar-se de “um acto de gerência de que tomamos inteira responsabilidade e que “para o novo encargo fixo angariaremos a receita necessária”; e dar ao salão nobre da Casa da Imprensa o nome de Artur Portela, perpetuado num busto, o que aqui se encontra, executado pelo mestre Leopoldo de Almeida.
A Casa da Imprensa honrou-se de outras ocasiões em que prestou homenagem à memória do ilustre Jornalista e do seu notável Dirigente.
Em 1960, instituíu o Prémio de Reportagem Artur Portela, nesse ano atribuido ao jornalista Urbano Carrasco, por um júri constituído por Manuel Luís Rodrigues, que presidia à Direcção, Norberto Lopes, monsenhor Moreira das Neves, Jaime Brasil, Redondo Júnior e David Mourão Ferreira.
Foi certamente doloroso para a Direcção de Manuel Luís Rodrigues suspender a atribuição do Prémio, por motivos formais e de ordem financeira. Em 1973, presidia Rodrigo Pinto, por sugestão do nosso consócio Artur Portela, que instituíu e assumiu em nome da família o valor de 5.000$00, decidiu-se retomar o Prémio. Designou-se o júri, formado por Manuel Luís Rodrigues, Urbano Tavares Rodrigues, Fernando Assis Pacheco, Raul Rego e Luís de Barros, mas não foram apresentados trabalhos e o período conturbado que se seguiu não terá consentido prosseguir.
Até que em 1985, por ocasião das comemorações dos 80 anos da Casa da Imprensa, presidia à Direcção Mário Branco, foi reposta a homenagem à memória de Artur Portela, com um Prémio destinado a “distinguir um nome vivo do jornalismo português que, ao longo dos anos, se tenha destacado pelas suas qualidades humanas e profissionais”.
Este prémio, simbolizado numa estatueta, foi atribuido, sucessivamente, a José Ribeiro dos Santos, Norberto Lopes, José de Lemos e Mário Mesquita.
Também Boavida Portugal, entretanto afastado de uma dedicada actividade associativa, criou nos anos 80 o Círculo Artur Portela, para atribuir prémios de Reportagem, Crónica e Crítica. Foi no âmbito desta iniciativa, do antigo Presidente da Direcção e da Assembleia Geral da Casa da Imprensa, que o nosso consócio Baptista Bastos recebeu um Prémio Artur Portela.
Sinto que a memória do mais ilustre dos jornalistas e dirigentes desta obra exemplar que é a Casa da Imprensa não tenha sido lembrada com maior constância.
Artur Portela, pela obra que realizou, pelo esforço e dedicação oferecidos a esta Casa e aos jornalistas que nela se associam, pelo seu carácter, pela sua inteligência, mereceu e merece plenamente todas estas honras.
Com o maior respeito, e gratidão, o evoca a Casa da Imprensa, neste ano do centenário do seu nascimento.
Com reverência me volto para o seu busto, e, olhando-o, peço que me acompanhem numa salva de palmas.