Os jornalistas e a «publicidade institucional»

Perante a consulta de um jornalista que fora convidado por uma entidade do Estado a ceder gratuitamente a sua voz para «spots» institucionais, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas definiu as circunstâncias em que tal cedência será ou não compatível , em termos deontológicos e legais, com o exercício da profissão.

Assunto: Participação de jornalistas em actos de propaganda e/ou publicidade institucional

Pedido de parecer: J., jornalista profissional da rádio, recebeu um convite de uma entidade «do Estado» para a «cedência de voz em spots institucionais, não remunerados». J. indicou que os spots para que recebera convite eram «ainda não determinados», mas que se caracterizariam por aquilo a que se usa designar por «publicidade institucional de utilidade pública». Em todo o caso, por lhe subsistirem dúvidas, J. solicitou parecer ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.

Análise:

1. É ponto assente que a voz, num jornalista da rádio, e o rosto, num jornalista da televisão, são a sua assinatura (a voz de um jornalista da televisão, quando passada na rádio, tem fortes probabilidades de constituir igualmente a sua assinatura).

2. A assinatura é a vinculação de um jornalista ao que diz, mostra ou escreve.

3. Se essa vinculação se verificar relativamente a uma comunicação «adjectiva», opinativa, ela representa a concordância desse jornalista com o que é comunicado. Por isso, um jornalista é livre de vincular-se ou não a uma comunicação opinativa, garantindo-lhe, aliás, a Constituição e a lei a protecção da sua independência.

4. Quando um jornalista, de algum modo, assina uma comunicação, investe a credibilidade que granjeou com a sua qualificação e o seu passado profissional.

5. No exercício dos seus direitos de cidadania, um jornalista é livre de investir a sua credibilidade em apoio a causas e ideias que perfilha e em cuja difusão se sente, por consciência, impelido a participar.

6. O jornalista deve estar consciente de que cada investimento da sua credibilidade é, forçosamente, um desgaste: cada intervenção opinativa aproxima e afasta, ao mesmo tempo, fracções diferenciadas da opinião pública.

7. O único juiz desse investimento de credibilidade na propaganda de causas ou ideias é o próprio jornalista: ninguém pode, portanto, limitar-lhe o direito a intervir publicamente em defesa de causas ou ideias, como cidadão.

8. Questão bem diversa é a intervenção do jornalista num acto de publicidade, deontológica e legalmente interdita e incompatível com o exercício da profissão.

9. A distinção essencial entre propaganda e publicidade está em que aquela parte de causas ou ideias a que se adere e a segunda radica no interesse material que a difusão da mensagem satisfaz.

10. A este propósito, o Conselho de Imprensa definiu que «não é forçosamente publicitária toda e/ou qualquer informação jornalística que referencia nomes ou características de produtos ou empresas, desde que:

– da sua publicação não advenham, para o jornalista, benefícios materiais directos ou indirectos, anteriores ou posteriores; e

– os nomes ou características sejam preferencialmente noticiados de uma maneira substantiva, segundo as técnicas e usos normais de noticiário do órgão de informação; se, porém, o jornalista optar pela informação adjectiva, mesmo que não assinada, os termos em que o faça não sejam confundidos com os padrões ou técnicas normais do processo publicitário, nem incorram em inveracidade, omissão, exagero ou ambiguidade que induzam potenciais consumidores ao erro».

11. Como classificar, então, a publicidade institucional, para aferir se ela é compatível ou incompatível, em termos deontológicos e legais, com o exercício da profissão? Será uma ou outra coisa, consoante as circunstâncias, a saber:

a). Será claramente publicidade se houver, como refere o ponto 10. deste parecer, algum benefício material, directo ou indirecto, anterior ou posterior, para o jornalista;

b). Será claramente propaganda quando, ao não envolvimento de interesses materiais, corresponder a vontade do jornalista em subscrever a mensagem concreta que se deseja difundir.

12. Acontece que, segundo o pedido de parecer de J., os spots eram, à data do convite, «ainda não determinados».

13. Assim sendo, é difícil, se não impossível, interpretar o convite como uma proposta de propaganda, já que não é previamente auscultada a opinião do jornalista sobre o conteúdo da causa ou ideia a difundir. Pelo contrário, um convite genérico para spots ditos institucionais merece ser interpretado como a expressão da vontade de alguém se apropriar da credibilidade de um jornalista, usando a sua voz (a sua assinatura, afinal), para a difusão de uma mensagem.

14. Não se vê, portanto, como pode um jornalista disponibilizar com cheque tão em branco o investimento da sua credibilidade.

Assim, entende o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas dever emitir o seguinte

Parecer

Os jornalistas não incorrem em incompatibilidade deontológica ou legal quando aceitem emprestar a sua assinatura, a sua voz ou a sua imagem a mensagens de propaganda de causas ou ideias que, em consciência, entendam subscrever desde que esteja garantida a completa ausência de benefícios materiais por essa aceitação.

Partilhe