O que nos ensina a internet e a televisão

A consciência de que aquilo que é apreciado pelos jovens é desvalorizado na escola, que a Internet tem sido mais utilizada como entretenimento do que como meio pedagógico e que, para compreender as mudanças sociais, é útil analisar os «reality shows», foram algumas das questões abordadas no decorrer dos Cursos da Arrábida sobre «Públicos, tevevisão».

Dos inúmeros estudos empíricos apresentados na Arrábida, destacamos os de Jacques Piétte, professor de comunicação da Université Sherbrooke do Québec, que estudou a utilização que os jovens fazem da Internet; e os de Sabine Chalvon, investigadora da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, que fez uma investigação em torno de dois programas televisivos através dos quais procurou estudar os públicos que tinham uma relação directa com os actores dessas séries.

Da sua investigação junto de jovens que utilizam a Internet, Jacques Piétte verificou que há um uso cada vez maior da rede, sendo essa prática encarada como um instrumento de divertimento, apesar de os entrevistados reconhecerem que essa utilização pode tornar-se mais séria. Em casa contam com a compreensão dos pais que vêem nesse tempo uma oportunidade de aprendizagem, embora seja curioso o facto de os progenitores se servirem da Internet para castigarem os filhos quando estes não apresentam resultados escolares satisfatórios, impedindo-os de acederem à rede durante algum tempo.

Os resultados apresentados não deixam de provocar também algumas inquietações. Jacques Piétte deu conta, através do seu trabalho, que aquilo que é apreciado pelos jovens é desvalorizado na escola. Verifica-se, por outro lado, que os mais novos manifestam grande vontade de ver reforçada a utilização da Internet nas aulas, havendo, no entanto, a consciência generalizada de que não se trata de um meio para substituir a escola.

Sabine Chalvon concentrou-se em duas séries televisivas para estudar aquilo que designou como «públicos implicados», ou seja, públicos que encontram nas emissões um forte apelo de participação que pode evidenciar-se, por exemplo, na possibilidade de integrar o que se vê no percurso biográfico daqueles que vêem.

O seu estudo concentrou-se nas séries «“L’Instit» (que não passou em Portugal) e «Urgences» (que passou no nosso país com o nome «Serviço de Urgência»). Através da análise deste último programa, Sabine Chalvon apercebeu-se de que a imagem social dos profissionais da saúde se alterou junto dos pacientes que assistiram à série. Esse público manifestava um maior conhecimento da realidade hospitalar e uma maior compreensão face à actuação dos médicos. Estes, por seu lado, também se reconheciam naquilo que era ficcionado, havendo até estudantes de Medicina que confessaram que a série lhes proporcionava a oportunidade de fazerem revisões para os seus exames.

Os resultados expostos levam-nos a pensar na importância de continuar este caminho de investigação que desembocará indubitavelmente numa compreensão mais clara das mudanças sociais.

Um género de programa que deverá merecer a atenção dos investigadores serão certamente os «reality-shows» tipo «Big Brother». Pelo menos é este o ponto de vista de Eliseo Veron, professor da Universidade San Andrés-Grupo Clarín- Columbia de Buenos Aires, para quem este tipo de formato vem revolucionar a distinção entre ficção e realidade, por um lado, e espaço público e espaço privado, por outro. Na sua perspectiva, a televisão, encena, pela primeira vez na sua história, o processo de mediatização de que ela é o actor principal, passando o dispositivo da televisão de grande público a incorporar na estrutura do produto a única componente que lhe faltava: a do «interpretante-receptor». Tudo isto merece, na opinião de Veron, ser rapidamente introduzido na agenda das investigações académicas.

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