O estranho caso do país que não lê

Portugal está em penúltimo lugar entre os países da UE, no que respeita à leitura de jornais diários, sendo o último classificado no consumo de papel de jornal. É, assim, um país que não lê, ou lê muito pouco, com os distritos de Lisboa e Porto a consumirem três em cada cinco exemplares dos jornais diários. O jornalista José Silva Pinto tentou perceber em que medida isso acontece — e porquê.

Notícias vindas a público (1) têm dado conta das dificuldades enfrentadas pela maioria dos portugueses para ler um simples artigo de jornal, ou mesmo o rótulo de qualquer embalagem, seja de um medicamento, seja de um produto alimentício, a tal ponto que só uma em cada cinco pessoas conseguirá efectivamente perceber o que lê. Em termos simples, poderia dizer-se que, tendo diminuído o analfabetismo, nem por isso o problema desapareceu, pois, embora oficialmente mais alfabetizados do que no passado, quatro em cada cinco portugueses não entendem o que lêem.

Em 1995, quando foi concluído o Estudo Nacional de Literacia (ENL) (2), realizado pelo Instituto de Ciências Sociais e coordenado por Ana Benavente, os seus resultados eram tão aterradores que o Governo da época pretendeu adiar a sua divulgação para momento mais oportuno. Tanto quanto se sabe agora, a situação não melhorou, se é que não piorou. Moral da história: não vale a pena tapar o sol com a peneira.

ILITERACIA: UMA FERIDA À MOSTRA

Se o analfabetismo é ainda uma chaga aberta no tecido social português, a iliteracia é um fenómeno porventura ainda mais preocupante, na medida em que afecta todos aqueles que, tendo aprendido a ler, mostram na prática que de pouco lhes serviu a aprendizagem. É o caso dos que até são capazes de ler um texto, mas não entendem o que ele quer dizer.

Se o capital escolar do indivíduo condiciona a sua vida social, cultural e económica, estando correlacionado com o seu nível de desempenho potencial numa sociedade cada vez mais complexa e competitiva, torna-se evidente que o nível educacional da população é crucial para o desenvolvimento do país. Nessas condições, não pode constituir surpresa lermos nos jornais que o nosso atraso em relação à Europa já é de 50, ou mesmo 100 anos…

A avaliar pelos dados estatísticos relativos à circulação e à audiência dos mais importantes títulos da imprensa portuguesa, uma conclusão se impõe, para além das evidentes assimetrias verificadas, com Lisboa e o Porto a guardarem a parte de leão em todos os domínios. Ler jornais é um privilégio de apenas alguns, em Portugal: a esmagadora maioria dos portugueses está, assim, muito longe de ter acesso a um “direito humano primordial”.

Reflexo evidente dessa pouca apetência para a leitura manifestada por tantos portugueses é, sem dúvida, a baixíssima taxa de leitura de jornais e revistas verificada em Portugal, a qual, de resto, não é uma pecha exclusiva de quem não frequenta, ou frequentou, a escola. Esta é uma verdade que quase não carece de demonstração. Uma prova disso estava à vista, em Junho de 2000, à entrada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde uma parte substancial dos jornais ali colocados à disposição dos alunos pelo Jornal de Notícias praticamente não encontrava interessados — mesmo gratuitamente!

Com o mais baixo nível da União Europeia (apenas 4 163 euros per capita, sensivelmente abaixo dos 5 217 da Grécia…)(3), mal conseguimos evitar igualmente a posição de “lanterna vermelha” no que diz respeito ao consumo de jornais por mil habitantes, a pouca distância dos gregos, mas a anos-luz dos finlandeses, ou dos austríacos, para apenas referir países da U. E. (Ver gráfico 1, só na edição impressa)

Cabe-nos o segundo pior lugar da Eurolândia, com apenas 72 exemplares de jornais diários por mil habitantes, contra apenas 64 da Grécia, é verdade, mas muito longe da média dos Quinze, que é de 239 cópias por mil habitantes(4). Esses são dados que ressaltam como uma nódoa na edição de 1999 do anuário World Press Trends, da World Association of Newspapers.

O gráfico 2 (só visível na edição impressa) é, a esse respeito, esclarecedor, fornecendo pistas para o que poderá ser um ensaio de explicação cultural e geográfica, além de económica: como se torna claro, as mais baixas taxas de consumo de periódicos são detectadas nos outros países do Sul — ou seja, a Itália (104) e a Espanha (106) —, enquanto as mais altas são averbadas nos países do Norte — a saber, a Finlândia (455) e a Suécia (430).

Neste “campeonato”, seguem-se, por ordem decrescente, a Áustria (402), o Reino Unido (317), a Alemanha (303), a Dinamarca (300), a Holanda (290), o Luxemburgo (288), a Bélgica (158), a Irlanda (154) e a França (145), além dos países meridionais, entre os quais Portugal. A nível mundial, o país que mais jornais lê é a Noruega (588 por mil habitantes), seguido do Japão (577).

POUCO INTERESSE PELA LEITURA

O desinteresse dos portugueses pela leitura pode ser empiricamente comprovado em qualquer local onde cidadãos nacionais se encontrem misturados com pessoas de outras nacionalidades. Numa praia frequentada por estrangeiros, por exemplo, torna-se fácil verificar o contraste entre o número de estrangeiros com um livro nas mãos e o de portugueses com idêntica atitude. E idêntico contraste poderá ser observado se a comparação for feita entre os passageiros de um transporte público, em Portugal ou noutro qualquer país europeu, por exemplo.

Outro indicador do nosso baixo nível de desenvolvimento é fornecido pelo consumo de papel de jornal, em que Portugal figura no útimo lugar do ranking europeu. Sem qualquer capacidade de produção desse tipo de papel, Portugal consome quaquer coisa como 70 mil toneladas anuais, o que mal chega a uma quarta parte do que uma fábrica precisa de vender para ser minimamente rentável. Actualmente, considera-se que cerca de 300 mil toneladas anuais é o mínimo que uma fábrica de papel tem de produzir, sob pena de não conseguir subsistir.

De acordo com o Anuário da Unesco de 1998 (ver gráfico 3, na edição impressa), Portugal consumiu, em 1994, pouco mais de 6 287 quilos de papel por mil habitantes, contra 6 551 da Grécia, 10 865 da Itália, 11 752 da Espanha e 13 975 da França. Mas o rácio é-nos muito mais desfavorável se a comparação for feita com a Irlanda (19 467), com a Bélgica (21 635), ou com a Alemanha (27 277), isto para não falar dos seis países europeus mais consumidores. Assim é que um português consome menos cinco vezes menos papel de jornal do que um holandês (33,9 kg), seis vezes menos do que um britânico (38,9 kg) ou um finlandês (41, 3 kg) e sete vezes menos do que um dinamarquês (45,7 kg) . Por seu turno, cada sueco (48 5 kg) consome, em média, oito vezes mais papel do que um português, que, nesse domínio, gasta menos nove vezes do que um austríaco (58,8 kg).

Independentemente de outras ilações que possam ser retiradas do baixíssimo número de exemplares de jornais por mil habitantes, uma ideia geralmente comungada pelo senso comum cai pela base: a de que há jornais a mais, em Portugal. Na verdade, o défice que temos é de… leitores! E isso é tanto mais evidente quanto há indícios de que, mesmo entre quem se assume como comprador e leitor de livros, o tempo médio semanal dedicado à leitura de jornais ou revistas é de apenas 1 hora e 40 minutos!(5) Se tivermos em conta que, de acordo com a mesma fonte, os leitores das classes A e B dedicam à leitura da imprensa uma média de três horas semanais e que a média admitida pelos leitores mais jovens é de quatro horas, pode ficar-se com uma ideia de qual o tempo dedicado à leitura de jornais e revistas pelos indivíduos das restantes classes, bem como pelos menos jovens.

MACROCEFALIA, OU MELHOR: BICEFALIA

Com cerca de 22 por cento da população portuguesa, o distrito de Lisboa garante, por si só, mais de 40 por cento da circulação dos principais jornais e revistas que se publicam em Portugal, no que constitui mais uma evidente manifestação da macrocefalia do país, pela primeira vez assinalada, em termos científicos, pelo geógrafo Bryan Berry, na década de 1960.

Essa característica, no que diz respeito à circulação de jornais, surge bem à vista nos gráficos relativos aos maiores diários e semanários, além de outras publicações. Construídos com base nos números de circulação, nos 18 distritos do continente, os gráficos mostram como, excepto no caso do Jornal de Notícias, o distrito de Lisboa compra 3,5 vezes mais exemplares dos jornais nacionais do que o distrito do Porto. E o terceiro distrito mais comprador (Setúbal) fica-se por um terço.

Se, porém, tivermos em conta que os distritos de Lisboa e do Porto, reunindo 39 por cento da população portuguesa, somam entre si 56,8 por cento da circulação total da maioria dos jornais e revistas que se publicam entre nós(6), será, talvez caso para se falar antes de bicefalia, na linha do que, por exemplo, assinala a geógrafa Suzanne Daveau. “Ainda que a bicefalia de Portugal seja antiga, este fenómeno apenas muito recentemente adquiriu o enorme peso que tem hoje, com dois quintos da população concentrada nas áreas de Lisboa e do Porto”, escreve, no seu Portugal Geográfico, sublinhando que se trata de “um dos fenómenos geográficos mais importantes da evolução recente do país”.(7)

Particularmente nítido é o caso dos diários: se nos ativermos aos sete quotidianos de maior tiragem (Jornal de Notícias, Correio da Manhã, Diário de Notícias, Público, Diário Económico, 24 Horas e A Capital), o peso do distrito da capital torna-se ainda mais nítido, já que 50,51 por cento da circulação desses periódicos fica no distrito de Lisboa, isto apesar de um deles — o JN do Porto — apenas aí regista 7,87 por cento da sua circulação, assim afectando fortemente aquela média. Mais precisamente, se do cálculo for retirado o valor correspondente ao Jornal de Notícias, Lisboa e arredores aumentam a sua fatia para 57,6 por cento!

Um estudo detalhado das vendas dos principais diários portugueses permite ensaiar a conclusão de que nenhum deles é, efectivamente nacional, antes se comportando como grandes jornais regionais, tal como, de resto, também acontece noutros países europeus, onde os quotidianos mais vendidos não são editados nas respectivas capitais. Um caso particularmente conhecido é o do jornal Ouest-France, de Nice, que ostenta a maior circulação dos periódicos franceses.

Como ficou dito, o Jornal de Notícias, um título emblemático do Norte do país, vende apenas 7,87 por cento no distrito da capital, mas, em contrapartida averba cerca de 58 por cento no distrito do Porto. Inversamente, o único vespertino — A Capital — praticamente nada vende no Porto, bem como na esmagadora maioria dos distritos do continente, distribuindo 77,3 por cento em Lisboa e arredores.

Restringindo-nos, por agora, aos jornais diários, observem-se os Quadros 2 e 3: nele se verifica como alguns títulos limitam as suas vendas a umas poucas centenas de cópias em distritos inteiros: não deixa de ser impressionante como o Correio da Manhã, por exemplo, “viaja” centenas de quilómetros, a partir de Lisboa, para apenas registar uma circulação média de 157 exemplares no distrito de Viana do Castelo, ou 160 cópias em Viseu. Não menos chocantente é que um distrito como o de Bragança apenas consuma, todo ele,114 exemplares do Diário de Notícias ou 388 do Público. O caso do 24 Horas é ainda mais impressionante, a “correr” até ao distrito de Bragança, para em todo ele vender uns menos do que simbólicos 64 exemplares. É caso para dizer que levar esses jornais a tão distantes paragens tem, seguramente, um custo muito mais elevado do que as receitas que a sua venda proporciona. Mas esse é um preço a pagar por qualquer publicação que aspire ao estatuto de jornal ou revista de âmbito nacional, ou aproximado.

LISBOA E PORTO LÊEM

57% DOS JORNAIS DIÁRIOS…

Essas conclusões resultam com particular evidência de uma análise dos dados apurados pela APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem) junto das empresas editoras de 136 títulos, entre os quais os de maior projecção em Portugal. Neste momento, no que se refere às publicações mais significativas, apenas o jornal desportivo A Bola e o jornal Semanário não pertencem à APCT — o primeiro por assumida opção contra a divulgação dos seus números de tiragem e de venda e o segundo por se encontrar suspenso da associação, desde 1996, na sequência da prestação de falsas declarações, traduzidas no empolamento dos seus efectivos resultados de vendas .

Calculada a média dos diversos títulos considerados, verifica-se que os distritos de Lisboa e do Porto “lêem” em conjunto cerca de 57 por cento dos jornais distribuídos no continente, ou seja, uma proporção muito mais forte do que a que as populações dos dois distritos somadas representam no continente (39,07 por cento). Esta discrepância não deve ter outra explicação que não seja a diferença de poder de compra das populações dos dois mais importantes distritos portugueses relativamente ao resto do país.

Os dados disponíveis apontam para a existência de um só jornal hegemónico no Norte — o Jornal de Notícias — e três outros que repartem entre si a maioria do mercado do território a Sul do Mondego — o Correio da Manhã, o Diário de Notícias e o Publico. Outros quatro diários — 24 Horas, Diário Económico, O Comércio do Porto e A Capital — ocupam lugares secundários, ao redor das duas maiores cidades portuguesas.

Grande jornal do Norte do país, o Jornal de Notícias averbou, em 1999, uma circulação média total de 108 221 exemplares, na sua esmagadora maioria distribuída entre o Minho e o Mondego, em especial nos distritos do Porto (58 por cento, ou quase 73 mil exemplares), de Aveiro (9,15 por cento, ou 9 900 cópias) e de Braga (8,92 por cento, ou 9 650 jornais). Lisboa já só compra cerca de 7,87 por cento da tiragem do JN — o que soma cerca de 8 500 exemplares — e Coimbra fica-se pelos

1,67 por cento (1 807 jornais).

É, pois, o jornal diário português de maior tiragem e audiência, ainda que os dados referentes à primeira metade do ano de 2000 dêem conta de uma diminuição da sua circulação média, relativamente ao período homólogo de 1999, de quase nove mil exemplares. De qualquer modo assinala-se que a circulação total do JN manteve uma regularidade notável ao longo dos primeiros seis meses de 2000, ligeiramente acima da meta mágica dos cem mil exemplares.

Por seu turno, o Correio da Manhã, jornal de cunho acentuadamente popular, com uma circulação média total de 78 832 exemplares, regista 48,4 por cento da sua circulação no distrito de Lisboa (38 154 exemplares) e é, entre todos os diários, aquele que, de longe, consegue maior penetração no Algarve (distrito de Faro: 7 094 cópias, ou nove por cento das vendas). Inversamente, quase não se vende no distrito do Porto (apenas 710 exemplares, ou 0,9 por cento).

Outras boas performances são conseguidas pelo CM nos distritos de Setúbal (13,1 por cento, 10 326 jornais), Santarém (5,3 por cento, 4 178 exemplares) e Leiria (4,8 por cento, 3783 exemplares). Noutros distritos não atinge scores semelhantes, mas, mesmo assim, consegue vender significativamente mais do que os restantes matutinos, com excepção do Público e do Jornal de Notícias, no que respeita ao distrito de Coimbra: no distrito correspondente à antiga “cidade dos estudantes”, o CM vende 1 340 exemplares (1,7 por cento), contra 1926 do Público (3,56 por cento da respectiva distribuição) e 1807 do JN (1,67 por cento).

Quanto ao Diário de Notícias, geralmente considerado como um dos dois diários de referência portugueses, juntamente com o Público, registou, em 1999, uma circulação média de 57 439 exemplares diários, dos quais o distrito de Lisboa absorvia 67,4 por cento, ou seja, 38 713 cópias. Os valores correspondentes ao primeiro semestre de 2000, porém, reflectem uma subida substancial da circulação média do DN, para 79 127 exemplares, com uma alteração substancial da repartição percentual dos exemplares vendidos em cada distrito. Assim, no caso de Lisboa, a fatia correspondente reduz-se para 58,18 por cento (46 036 exemplares), enquanto a parte correspondente ao Porto aumenta para 8,74 por cento, contra os 4,6 por cento averbados no conjunto do ano de 1999, o que significa uma circulação média de 6 915 exemplares em 2000, contra apenas 2 786 no ano anterior.

No tocante ao jornal Público, os valores registados pela APCT para a circulação real do jornal no primeiro semestre de 2000 traduzem uma distribuição mais equilibrada do que as dos seus concorrentes, pois vende no distrito de Lisboa 43,34 por cento da sua circulação média diária de 53 563 exemplares, enquanto o distrito do Porto consome 24,14 por cento, alcançando igualmente valores de circulação relativamente assinaláveis no distrito de Coimbra (com 1 900 exemplares vendidos, é o diário que mais penetra nesta região).

Comportamento completamente diferente é o do diário 24 Horas: jornal popular, com notícias muito curtas, como que a procurar captar um tipo de leitor pouco interessado em grandes leituras. Em 1999, raramente registou vendas mensais médias superiores a 22 mil exemplares. A repartição dos valores correspondentes à circulação, no primeiro semestre de 2000, evidencia uma característica diferente deste jornal: ao invés dos outros títulos de Lisboa, o segundo distrito em que está mais implantado não é o do Porto, mas sim o de Setúbal.

Último resistente da família dos vespertinos, que ainda nos primeiros anos após o 25 de Abril de 1974 chegou a contar com mais três membros em simultâneo — Diário de Lisboa, Diário Popular e República —, A Capital é, na realidade, é um falso vespertino, já que é posto à venda ainda de manhã cedo. Durante o ano de 1999, registou uma circulação total média de 21 561 exemplares, contra 23 872 no ano anterior. A tendência negativa acentuou-se no primeiro semestre de 2000, com a circulação média a descer para 17 091 exemplares. No que concerne às vendas, contudo, há muito que os resultados obtidos em pouco ultrapassam os 16 000 exemplares, dos quais a esmagadora maioria (78,74 por cento) não vai além dos limites do distrito de Lisboa. Para além deste, apenas mais cinco distritos o lêem, com particular relevo para o de Setúbal (10,3 por cento). Coimbra, Faro, Leiria e Santarém distribuem entre si o restante da circulação, com valores médios que não vão muito além dos dois por cento. Ao distrito de Lisboa correspondem 82 por cento da circulação, o que corresponde a 14 mil exemplares.

DOIS ÊXITOS E MEIO SEMANAIS

Já no que se refere aos principais semanários de informação geral, verifica-se que conseguem taxas de circulação em todos os distritos relativamente maiores do que os diários. Vejamos os casos dos mais importantes (Expresso, Visão e O Independente): é caso para se dizer que estamos perante dois êxitos e… meio.

O Expresso é, reconhecidamente, o maior jornal português. Com uma tiragem entre 150 mil e 170 mil exemplares, registou em 1999 uma circulação média de 141 029 cópias. Destas, 42,4 por cento, ou 61 629 exemplares, correspondem ao distrito de Lisboa. Nos primeiros seis meses de 2000, esses valores baixaram ligeiramente, com a média total a situar-se nos 135 702 exemplares.

De acordo com o relatório da APCT correspondente ao primeiro semestre de 2000, ao distrito do Porto cabem 12,61 por cento, ou seja, 17 727 cópias, o que faz do Expresso o jornal mais vendido nessa região, com a natural excepção do já citado Jornal de Notícias. Mas o semanário lisboeta consegue as maiores vendas absolutas nos distritos de Setúbal (12 000 exemplares, ou 8,79 por cento da sua circulação), Viseu (2 334 cópias, ou 1,72 por cento), Leiria (4 369 exemplares, ou 3,22 por cento), Coimbra (6 310 jornais, ou 4,65 por cento) e Castelo Branco (1 655 exemplares, ou 1,22 por cento).

A seguir ao Expresso, no campo dos semanários, perfila-se destacadamente a revista Visão, que é o maior newsmagazine do país — a Focus, sua única concorrente, tem uma circulação quatro vezes menor No primeiro semestre de 2000, alcançou uma circulação média total superior a 106 mil exemplares, contra os 70 968 registados no período homólogo de 1999, o que faz dela a publicação portuguesa que mais cresceu nos últimos anos, ultrapassando as expectativas mais optimistas.

A terceira posição, entre os semanários, é ocupada pelo jornal O Independente. Actualmente muito longe da circulação que chegou a atingir na década de 1980 (com uma média de 92 317 exemplares no ano de 1995), registou, nos primeiros seis meses de 2000, uma venda média de 36 600 exemplares, contra 39 260 no período homólogo de 1999 e 42 777 no ano anterior. A quebra de vendas é, pois, iniludível.

Newsmagazine lançado em Novembro de 1999, pelo grupo Impala, de Jacques Rodrigues, com a colaboração de um numeroso grupo de jornalistas dissidentes da Visão, a Focus averbou uma circulação total média de 31 159 exemplares no primeiro semestre de 2000, o que, excluindo cerca de 3 000 ofertas, significa vendas em banca da ordem dos 20 000 exemplares, a que acrescem cerca de 6 600 assinaturas. No mês de Junho, porém, as vendas registadas pela APCT dão conta de uma redução para 18 303 exemplares.

Por seu turno, concebido como um semanário de características sui generis, do género pouco papel por pouco dinheiro, o Tal & Qual continua a oferecer poucas páginas, mas o preço de capa (170$00) é que já não é assim tão baixo como isso, tendo em conta o volume de informação oferecido. Com uma tiragem que há muito não sai, sistematicamente, dos 70 mil exemplares, a sua circulação média em 1999 foi de 40 388 jornais, incluindo 250 assinaturas e 1 045 ofertas, longe, portanto, das 70/80 mil cópias que chegou a atingir, em tempos mais áureos. No primeiro trimestre de 2000, porém, o panorama não melhorou, antes pelo contrário: a circulação média total baixou para 38 361 exemplares, contra 43 214 no período homólogo do ano anterior.

Semanário: eis um título para cuja manutenção no mercado não é fácil encontrar uma explicação lógica, tantas são as dívidas acumuladas pela respectiva empresa proprietária — fala-se em cinco milhões de contos… Pouco se sabe, aliás, de quais são as suas fontes de rendimento, designadamente quantos exemplares vende: o Semanário encontra-se desde há anos suspenso da APCT, pelo que não é possível fazer uma avaliação devidamente auditada da sua circulação. Essa suspensão ocorreu em 1996, justamente devido à verificação da falsidade reiterada das declarações feitas pela respectiva administração quanto às tiragens e vendas do jornal.

O PÁIS DOS DIÁRIOS DESPORTIVOS

Será difícil encontrar um país tão pequeno como Portugal com três jornais diários desportivos. Mesmo em Espanha, com uma população quatro vezes superior, apenas se encontram dois, e em França, nesse segmento, só existe o jornal L’Équipe. Escalpelizemos, pois, o comportamento dos três diários desportivos portugueses.

O jornal Record disputa taco-a-taco com A Bola o galardão de maior diário desportivo português. No primeiro semestre de 2000, registou uma circulação média de 100 057 exemplares, dos quais 38 250 no distrito de Lisboa. Já a circulação no distrito do Porto (10,47 por cento do total) é relativamente menor do que a registada por outros títulos. Ficará essa circunstância a dever-se, eventualmente, à existência de outro jornal diário desportivo editado no Porto — O Jogo, alegadamente muito ligado ao Futebol Clube do Porto — o qual, por seu turno, regista mais de metade da sua circulação total no seu próprio distrito, apenas averbando 9,6 por cento em Lisboa.

Outrora conhecido como a “bíblia do futebol”, em Portugal, o jornal A Bola está fora da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragens, pelo que a sua circulação não é, efectivamente, conhecida, embora se admita que seja muito semelhante à do seu rival Record.

A grande distância dos seus dois concorrentes lisboetas, O Jogo registou, no primeiro semestre de 2000, uma circulação média total de 37 242 exemplares, dos quais 51,76 por cento distribuídos no distrito do Porto. No primeiro trimestre de 2000, as vendas baixaram cerca de dois mil exemplares, em média: a circulação média nesse período foi de 36 403 exemplares, contra 32 850 cópias no trimestre correspondente de 1999.

UMA DÉCADA DE REVISTAS FEMININAS DE QUALIDADE

Relativamente recentes no mercado português — trata-se de um segmento com pouco mais de uma década de existência —, as revistas femininas mensais com uma qualidade acima da média caracterizam-se pela inserção de grandes quantidades de páginas de publicidade, o que é, geralmente, indício de circulações e níveis de audiência dignas de registo. As suas vendas sobem, ou descem, consoante recorrem, ou não, a brindes promocionais. Daí que as suas vendas apresentem, frequentemente, oscilações significativas de mês para mês.

De acordo com o relatório da APCT, que temos vindo a citar, a revista Activa teve, no primeiro semestre de 2000, uma circulação média de 74 470 exemplares, contra 88 389 no período homólogo do ano anterior, o que significa uma queda de vendas muito significativa.

Quanto à Máxima, de acordo com os dados da APCT, teve, no primeiro semestre de 2000, uma circulação controlada de 55 222 exemplares, contra 54 239 no mesmo período do no ano anterior. Mais de 56 por cento da respectiva circulação verifica-se nos dstritos de Lisboa (41,08 por cento) e do Porto (15,36 por cento).

Lançada praticamente em simultâneo com a Máxima e a Marie Claire (entretanto desaparecida), a Elle vendeu, no primeiro semestre de 2000, um pouco menos do que a Máxima, mas a sua audiência é significativamente inferior, representando apenas 122 mil indivíduos, com uma maioria mais pronunciada de leitoras (89,1 por cento).

De acordo com os números registados pela APCT, a sua circulação média somou, na primeira metade de 2000, um total de 53 902 exemplares, contra 57 090 no período homólogo do ano anterior. O distrito de Lisboa foi responsável por 37,15 por cento dos exemplares vendidos, enquanto o Porto adquiriu 20,25 por cento.

Com uma circulação média de 47 781 exemplares, nos primeiros seis meses de 2000, a Cosmopolitan destaca-se pela abordagem ousada de temas relacionados com sexo e tem um corpo de leitores essencialmente feminino (80,8 por cento) e mais jovem do que as suas congéneres: 47,4 por cento das suas leitoras têm entre 15 e 24 anos, a que acrescem 26,6 por cento da faixa etária 25-34 anos. Não obstante averbar uma circulação inferior à da Elle, suplanta esta revista em termos de audiência (152 mil leitores). Cerca de 41 por cento da sua circulação cabem aos distritos de Lisboa e Porto somados, o que não anda longe dos 45,7 por cento que o estudo da Marktest lhe atribui para o conjunto Grande Lisboa-Grande Porto.

REVISTAS DE ECONOMIA

EM QUEDA ACENTUADA

Constituindo uma categoria de publicações muito recente na imprensa portuguesa, as revistas de economia surgiram, na sua maioria, como produtos franchisados de títulos homólogos brasileiros ou americanos, muito embora, naturalmente, com uma forte componente nacional. Todas registam, entretanto, acentuadas quebras de vendas.

Assim a revista Exame tem uma circulação total de 26 732 exemplares, de acordo com os números registados no boletim da APCT relativo ao primeiro semestre de 2000, o que significa uma perda de 23,4 por cento relativamente ao período homólogo do ano anterior. A essa quebra de vendas poderá não ser estranha a sua transformação de mensário em quinzenário, sendo que a venda em banca foi a que maior redução sofreu, com os meses de Março e Maio a registarem vendas na casa dos 7 000 exemplares, contra os 15 462 de Janeiro de 1999. Entretanto, também as vendas por assinatura baixaram, mas não tanto, já que o número de assinantes em Junho de 2000 (16 618 exemplares) significa uma quebra de apenas 9,2 por cento relativamente ao do mesmo mês de 1999 (18 315). Em termos de distribuição regional, não foge à regra geral: 53 por cento dos suas vendas fazem-se nos distritos de Lisboa e do Porto, o que significa uma venda conjunta de 14 167 exemplares, sendo 44,15 por cento (11 802 cópias) no primeiro desses distritos e 18,85 por cento (5 038 exemplares) no segundo.

Para além destes dois distritos, a revista consegue uma boa penetração nos de Setúbal (8,5 por cento, ou 2 272 revistas) e Coimbra (3,95 por cento, ou 1 055 exemplares).

Com uma circulação um pouco superior à da Exame, a Executive Digest tem nos mais diversos aspectos um comportamento semelhante. As suas vendas sofreram, igualmente, uma diminuição entre 1999 e 2000, mas de menor monta, pois perdeu “apenas” 10 por cento de um ano para o outro. Também neste caso se verifica uma diminuição da popularidade das assinaturas: 17965 em Junho de 2000, contra 19 789 no início do ano.

Quanto à Fortunas & Negócios, tem uma circulação média inferior à da sua concorrente Exame: apenas 16 944 exemplares, dos quais 49,8 por cento no distrito de Lisboa e 15,83 por cento no distrito do Porto. Perdeu 18,5 por cento a circulação, entre 1999 e 2000, com uma erosão particularmente significativa das vendas em banca: eram 10 134 no início de 1999 e apenas 5 818 um ano e meio depois. Quanto às assinaturas, diminuíram também, embora menos pronunciadamente: tinha 7 164 em Junho de 2000, contra 9 374 em Janeiro do ano anterior.

Ainda que os temas económicos sejam, maioritariamente, tratados em revistas, há também três casos de publicações em papel de jornal: o Diário Económico e o Semanário Económico, ambos pertencentes ao grupo Media Capital, o Jornal de Negócios, da sociedade Mediafin, e a Vida Económica.

Com uma circulação média de 13 243 exemplares, no primeiro semestre de 2000, dos quais mais de 81 por cento couberam aos distritos de Lisboa e do Porto, com grande predomínio do primeiro, com 69,65 por cento, o Diário Económico viu as suas vendas aumentarem, relativamente ao ano anterior. Em termos geográficos, para além de Faro, com 3,23 por cento, nenhum outro distrito conseguiu aproximar-se dessa marca: nem mesmo os densamente povoados distritos de Aveiro e de Setúbal, onde as vendas se ficam pelos 2,82 por cento.

Com uma circulação média de 18 334 exemplares, no primeiro semestre de 2000, o Semanário Económico vende mais de 63 por cento dos seus exemplares nos distritos de Lisboa e do Porto, mas, para além desses dois casos, ao contrário do que acontece com o Diário Económico consegue colocar mais de cinco por cento num distrito da província. É o caso de Setúbal, com 5,21 por cento (955 jornais). Em quarto lugar, figura o distrito de Aveiro, com 4,6 por cento (843 exemplares).

REVISTAS POPULARES E DE TV

Abordemos, agora, o segmento das revistas femininas populares e de televisão, entre as quais sobressaem os títulos Maria e Telenovelas.

Recordista de tiragens e vendas em Portugal, a revista Maria teve, na primeira metade de 2000, uma circulação média de 318 421 exemplares, dos quais 20,45 por cento couberam ao distrito de Lisboa, o que representa cerca de 61 100 cópias, ou seja, o que a maioria dos títulos não consegue sequer em termos de tiragem para todo o país. Quase outro tanto (53 700 revistas, ou 16,89 por cento) correspondiam ao distrito do Porto. Os distritos de Setúbal (24 645 exemplares), Aveiro (22 480) e Braga (21 780) contavam-se, também, entre aqueles onde a revista mais se vende.

Embora formalmente dedicada a temas relacionados com a programação televisiva, em particular no que diz respeito às telenovelas, a revista Telenovelas foi lançada com o propósito deliberado de penetrar no mercado da Maria. Dela adoptou algumas receitas, designadamente a abordagem de questões relacionadas com o sexo.

Se assumirmos que a Telenovelas não é, exactamente, uma revista de televisão, tal como o não serão os minimagazines Roda dos Milhões e Tele-jogos, exclusivamente ligados a concursos da SIC e da RTP-1, respectivamente, teremos que o segmento é preenchido por três magazines: TV Guia, TvMais e TV 7 Dias, que em conjunto venderam, no primeiro semestre de 2000, cerca de 283 mil exemplares

A TV Guia é o mais antigo magazine de televisão disponível no mercado. Pertencente à Radiotelevisão Portuguesa, continua a ser aquele que maior circulação regista, ainda que se mantenha em contínua queda desde há alguns anos. Na primeira metade de 2000, teve uma circulação média total de 113 154 exemplares, contra 132 480 no mesmo período de 1999 e 146 072 no ano anterior. Cerca de 40 por cento dessa circulação correspondeu a vendas no distrito de Lisboa, cabendo ao distrito do Porto 12,83 por cento. Setúbal não chegou aos 10 por cento e, dos restantes distritos do continente, apenas Faro comprou mais de seis por cento (6,19 por cento, mais exactamente). Os números não enganam: em menos de dois anos, a sua quebra de vendas atingiu mais de 22 por cento.

ATVMais registou, no primeiro semestre de 1999, uma circulação média total de 95 029 exemplares, contra 76 901 no ano anterior. Cerca de 38,3 por cento das vendas correspondem ao distrito de Lisboa, cabendo ao Porto a segunda fatia mais gorda da circulação: 13,6 por cento. A subida assinalada ficou a dever-se, em particular, aos 157 809 e 112 445 exemplares vendidos, respectivamente, em Fevereiro e Março, altura em que se procedeu à primeira distribuição do Dot, um dispositivo lançado pela SIC para fidelizar as suas audiências, contra a tentação do zapping, ou seja, a tendência para buscar outras estações quando as emissões televisivas são menos interessantes, ou aquando da passagem dos blocos publicitários.

LUGAR À PARTE PARA O JL

Com uma longevidade excepcional para uma publicação bimensal de carácter cultural (foi fundado em 1980 e durante uma década e meia chegou mesmo a ser um jornal semanal), o JL – Jornal de Letras tem uma circulação média da ordem dos 11 400 exemplares, dos quais cerca de cinco mil vendidos em banca e outros tantos distribuídos por assinatura, grande parte dos quais mediante acordos com instituições culturais oficiais, designadamente o Ministério da Educação e o Instituto Camões, ou particulares, como a Fundação Calouste Gulbenkian.

Com este panorama, o mínimo que se pode concluir é que, de facto, não há razão para nos espantarmos pelo facto de se ler tão pouco, em Portugal. Elevadas doses de iliteracia, aliadas aos baixos rendimentos da maioria da população, alimentam um desprezo generalizado pela leitura de jornais, revistas ou livros. Cada vez mais longe dos padrões médios da União Europeia, em todos os indicadores de desenvolvimento, não surpreende que também neste domínio Portugal ocupe o lugar mais baixo no conjunto dos Quinze.

Será assim tão estranho o caso deste país que não lê?

NOTAS

(1) Diário de Notícias, 4 de Maio de 2000; Público, 10 de Maio de 2000

(2) BENAVENTE, Ana (org.), ROSA, Alexandre, COSTA, António Firmino da, e ÁVILA, Patrícia, «A Literacia em Portugal – Resultados de uma Pesquisa Extensiva e Monográfica», Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996

(3) Ver gráfico «Nível de vida dos 15» (só na edição impressa)

(4) Ver gráfico «Circulação de jornais diários» (só na edição impressa)

(5) «Omnibus Quantum» de Março de 2000, efectuado por encomenda da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL)

(6) Ver gráfico “Dois retratos da bicefalia em Portugal continental” (só visível na edição impressa)

(7) DAVEAU, Suzanne, «Portugal Geográfico», Edições João Sá da Costa, Lisboa, 1998, p.208

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