O dia inicial, inteiro e limpo*

O sítio do SJ na Internet foi apresentado em 6 de Março de 2002 numa sessão de lançamento realizada na Casa da Imprensa. Nessa oportunidade, o respectivo editor, Acácio Barradas, vice-presidente da Direcção do Sindicato com o pelouro da Informação, utilizou a natividade como metáfora para exprimir o carácter festivo do acontecimento, fazendo uma viagem pelo mapa que configura este novo instrumento de comunicação entre jornalistas e a sociedade em geral.

“Como se fora um filho que tivesse nascido e começasse a gatinhar, o sítio do Sindicato dos Jornalistas na Internet aparece aos olhos do mundo com os atributos de uma criança que não é igual para toda a gente. Os pais encaram-na com desvelado amor e trocam sorrisos embevecidos de quem só lhe encontra virtudes e vê inusitada beleza nas suas formas, depositando uma esperança cega no seu futuro. Os padrinhos e os familiares mais próximos partilham algo dessa emoção, mas de forma um tanto mitigada, pois apesar de tudo sempre vão encontrando alguns pequenos defeitos no bebé, ora na curva amolgada da moleirinha, ora num dedinho encavalitado do pé, ora no baixo-relevo de uma orelhita . Enfim, coisas de somenos, mas apesar de tudo invisíveis aos olhos dos pais babosos. Os familiares mais distantes, esses já conseguem lobrigar certa mazela num ombro, a desproporção das pernas em relação aos braços e torcem o nariz à cor indecisa dos olhos, onde aliás conseguem descobrir inquietantes sinais de estrabismo. Depois, quando o bébé sai à rua, os vizinhos dão conta de que ele, afinal, não é mais que uma massa informe. E quando por fim é observado por desconhecidos, estes, com a impertinente lucidez dos que não são reféns do amor ou da amizade, nem sequer da simples cortesia, disparam sem cerimónia: um monstro!

“Sabemos que é assim e sabemos que dificilmente poderia deixar de ser assim. Apesar de tudo, nós, os pais da criança, aqui estamos a festejar o acontecimento. E mandamos convites para a festa, na esperança de encontrar quem compreenda, ou pelo menos quem partilhe o nosso entusiasmo, a nossa alegria por ter chegado finalmente o momento de dar à luz algo que, ao longo de meses de laboriosa gestação, se foi desenvolvendo e aperfeiçoando no âmago da nossa vontade criadora, até ganhar formas e vida própria, com exigências de cuidados e de atenções que esticaram horários, geraram insónias e puseram em franja os nervos de quantos aguentaram a ansiedade que nos tomou.

“Enfim, o sítio aí está, no berço do Sindicato, exposto aos olhos de toda a gente. Cortado que foi o cordão umbilical, deixou de ser só nosso, os que o concebemos no plano editorial e técnico, passando a pertencer à comunidade a que se destina: em primeiro lugar aos associados do Sindicato dos Jornalistas, a quem é primacialmente dedicado e sem os quais ele não teria existência nem sentido; seguidamente, a toda a classe jornalística e, numa esfera mais ampla, a todos aqueles que de algum modo se interessam pelos problemas do jornalismo e da comunicação social, seja na qualidade de estudantes ou leitores, seja na condição de agentes sociais, políticos ou económicos.

“Porquê tanta ambição? Porque quisemos ir tão longe quanto possível, extravasando as fronteiras do nosso círculo associativo, de forma a projectar o Sindicato para o exterior e abrindo-o tanto quanto possível à sociedade em geral. Por isso é que o sítio não se circunscreve aos temas puramente sindicalistas e laborais, assumindo sob muitos aspectos a natureza de um verdadeiro serviço público.

“Nesse sentido, abrimos a outros organismos e instituições a possibilidade de se alojarem no sítio do Sindicato dos Jornalistas, assim ampliando a força da sua comunicação. Estão neste caso, por exemplo, a Caixa de Previdência dos Jornalistas, a Casa da Imprensa e o Clube de Jornalistas, que até ao momento não dispunham de qualquer instalação na Internet. Outras instituições, como a Alta Autoridade para a Comunicação Social e a Comissão da Carteira Profissional têm idêntico acolhimento, assim como o Cenjor. Este Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas merece, aliás, destaque especial na área da Formação e Emprego, em que nos propomos facultar, a par da defesa do aperfeiçoamento pedagógico dos cursos de jornalismo e comunicação social e da regularização do acesso à profissão, uma Bolsa de Emprego susceptível de gerar um intercâmbio positivo entre jornalistas em busca de trabalho e empresas potencialmente interessadas na sua contratação.

“Assinale-se também, pela sua utilidade, o facto de neste sítio se concentrar toda a legislação com interesse para o sector da comunicação social, seja sob a forma de leis, códigos, estatutos, regulamentos e convenções, representando o mais completo e actualizado acervo legislativo que, neste domínio, é possível consultar entre nós. Outro acervo importante é o que facultamos no directório «Ética e Deontologia», em que se dá acesso aos códigos deontológicos em vigor nos órgãos de comunicação social do mundo inteiro, além de se proporcionar o conhecimento global de toda a documentação doutrinária produzida nos últimos anos pelo Conselho Deontológico do Sindicato, sob a forma de relatórios, recomendações, pareceres e comunicados.

“Quisemos ainda enriquecer este sítio com a inclusão de textos de jornalistas ou sobre jornalismo que podem constituir matéria de alerta ou de reflexão, além de darmos guarida ao registo de livros e publicações relativos aos média, bem como à divulgação dos prémios de jornalismo mais prestigiados.

Outras matérias previstas, mas cuja execução só será viável em fase ulterior, até por implicarem encargos que reclamam revisão orçamental, são por exemplo a criação de uma ferramenta que permita integrar no sítio páginas individuais de jornalistas (neste caso em exclusivo para os associados do Sindicato), ou a instalação de um directório dotado de um Prontuário Ortográfico actualizado e de um Consultório de Língua Portuguesa. Também não foi ainda possível, por atraso na recepção dos conteúdos gentilmente facultados pelo Observatório da Comunicação, instalar desde já um Guia dos Média, que permita a pesquisa instantânea dos órgãos de comunicação social existentes em qualquer ponto do território pátrio. Menos complexa, mas ainda assim não imediatamente praticável, será a operação de facultar a consulta dos Livros de Estilo ou a ligação às colunas de Provedores de Leitores, tanto no âmbito nacional como internacional. É este um conjunto de tarefas que se reservam para o futuro próximo, à medida que o bebé cresça e aprenda a sustentar o peso sob as duas pernas, ganhando confiança em si próprio.

“E quanto à actividade sindical propriamente dita, que encontramos no sítio – nada? É uma pergunta que tem toda a razão de ser, pois este sítio, como já vimos, não apareceu na roda dos enjeitados. Além de pais, tem numerosa família entre os jornalistas, com destaque para os sócios do respectivo Sindicato. E mesmo que estes não sejam possessivos, todas as atenções lhes são devidas. Daí que em muitos directórios cuja informação é generalizada, o usufruto dos serviços ou regalias lhes seja estritamente reservado, como é o caso dos serviços do Gabinete Jurídico ou para revalidação de títulos profissionais, bem como as regalias, algumas bem valiosas, que lhe são proporcionadas no âmbito dos chamados «Ócios do ofício».

“Ainda no plano da actividade sindical, o sítio fornece um quadro esclarecedor das ramificações da influência do Sindicato extra-fronteiras, de que é exemplo frisante o facto de pela primeira vez integrarmos o comité director da FEJ (Federação Europeia de Jornalistas). E, no plano interno, dá ensejo a que se tome verdadeira consciência da actividade desenvolvida pela Direcção em exercício desde Outubro do ano 2000, com intervenções juntos dos poderes públicos e dos representantes das entidades patronais em prol da regulamentação dos direitos de autor, contra a precariedade do emprego, pela dignificação do acesso à profissão, pela renovação e actualização da contratação colectiva, em suma pela melhoria das condições de trabalho dos jornalistas como base essencial da sua independência e liberdade. Muitas destas acções, a que os média nem sempre deram o justo relevo, surgem agora em bloco para conhecimento de quantos estiverem interessados em saber o que o Sindicato verdadeiramente é e como na realidade actua sempre que considera necessário intervir. Muito do trabalho realizado tem caracter de bastidores, mas algumas iniciativas que o sítio documenta tiveram algum aparato, como por exemplo os debates públicos em Lisboa e no Porto sobre o «Big Brother», o 1.º Encontro Nacional de Jornalistas Freelance, o 1.º Encontro Nacional de Jornalistas «On-Line» e a apresentação e debate público de uma Declaração sobre o Serviço Público de Televisão, cujo texto (cada vez mais actual, atendo à polémica que vai por aí) talvez justifique uma (re)leitura.

“E já que falamos de polémica (palavra sempre grata aos jornalistas da «velha escola»), diga-se desde já que o sítio do Sindicato não foge a ela. Pelo contrário, até a estimula. Assim, logo no patamar de entrada, o antigo jornal do Sindicato «Passapalavra», agora só em versão «on-line», introduz os visitantes num quadro informativo e opinativo de que ressalta um directório justamente intitulado «Polémica». E o que vamos lá encontrar? Nada mais nada menos que duas polémicas intensas que envolvem o próprio Sindicato. Uma delas, a mais antiga, foi suscitada por um comunicado da Direcção em que esta se insurgiu contra as condições de exploração dos estudantes de jornalismo em estágio curricular, por parte de muitas empresas de comunicação social. A outra, mais recente, travou-se na sequência da integração de vários jornalistas nas listas de candidatos às eleições legislativas, com especial relevância para o caso do presidente do Sindicato, que é candidato por uma coligação no círculo do Porto, embora em lugar não elegível. Porque consideramos que da discussão pode nascer a luz, reproduzimos integralmente (com a devida autorização dos respectivos autores) os textos de opinião das duas polémicas, considerando que também assim prestamos um serviço público.

“Mas como nem só do presente vive o Sindicato, o seu longo historial é objecto de um directório apropriadamente intitulado «Memória». Aí se rememoram os factos marcantes desde a fundação em 1934, e aí também se apresenta uma completa relação de todos os corpos gerentes, desde a primeira Direcção (presidida por António Ferro) até à actual (a que preside Alfredo Maia). Também aí se recordam os três congressos que o Sindicato realizou e a figura inesquecível de «Dona» Wanda, a funcionária-modelo que acompanhou várias gerações de jornalistas e que este ano festejou connosco os seus 80 anos de vida.

“Perdoem-me esta cansativa (e mesmo assim insuficiente) primeira viagem realizada com o recém-nascido ao colo. Sendo um dos pais, deixei-me arrastar pela emoção e não soube moderar o entusiasmo. Resta-me esperar que a profecia não seja tão cruel como a antevi e que os parentes próximos e afastados, os vizinhos e os desconhecidos, ao olharem agora para o nasciturno, não lhe descubram muitos defeitos e sobretudo que ninguém, por muito distanciado que seja, encontre razões para proferir a mais indesejável sentença: um monstro!”.

(*) – Com agradecimentos a Sophia de Mello Breyner pela sugestão de título, recolhido de um dos seus poemas

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