O Corvo e Faktual: dois projetos de jornalismo independente

Samuel Alemão e Paulo Guerrinha, mentores de cada um dos projetos, explicam as origens, os objetivos e as principais dificuldades em tempos conturbados nos media.

Numa fase em que o Jornalismo atravessa uma crise cujas proporções estão bem à vista através dos despedimentos de trabalhadores disfarçados de “redução de custos” e do desaparecimento de órgãos de comunicação social, há quem não se deixe abater e procure alternativas. Samuel Alemão e Paulo Guerrinha, mentores respetivos d’O Corvo e do Faktual, projetos jornalísticos independentes, são apenas dois exemplos e contam ao site do Sindicato dos Jornalistas como os iniciaram, o que pretendem e quais os principais problemas.

“O Corvo surgiu a 1 de março de 2013, depois de alguns meses de reflexão e preparação. Na altura, estando a trabalhar em regime independente, havia quase uma década, e insatisfeito com o rumo da minha carreira profissional – sobretudo no que aos assuntos tratados dizia respeito -, decidi desafiar dois antigos colegas (Francisco Neves, ex-editor, e Fernanda Ribeiro, redatora) da secção Local Lisboa do PÚBLICO a lançarmos o projeto”, indica Alemão.

“Este projeto nasceu no final de 2016 mas já estava pensado há mais de quatro anos. A data para colocar o Faktual.pt online foi escolhida para coincidir com o 4º Congresso dos Jornalistas. Conheço os problemas que a profissão enfrenta e sabia de antemão que eles seriam o ponto principal em debate. E o Faktual pretende ser uma alternativa para se fazer jornalismo isento e independente”, explica Paulo Guerrinha.

No caso d’O Corvo, Samuel especifica: “A escolha do enfoque editorial estava, e continua a estar, relacionada com o sentimento de uma urgência de cobertura jornalística da atualidade da maior cidade do país, da qual sou natural e na qual sempre vive. Em profunda crise, os jornais foram desinvestindo da informação local. Altamente vinculados ao sentir urbano, pressentimos que faltava cumprir algo neste campo. Na altura, percebemos logo as dificuldades em que nos estávamos a meter, sobretudo pelo bastante adverso clima económico-financeiro – no auge da intervenção da troika -, mas também pela inegável e crescente crise no sector. Ainda assim, o entusiasmo levou-nos a dar o passo fundacional.”

Em relação a objetivos, Guerrinha salienta: “O principal objectivo do Faktual é unir a profissão. Falta união e é essa falha que leva a que os projetos continuem moribundos e abram espaço para o aparecimento de outros que se dedicam a conteúdos mas não a jornalismo. O que pretendo é unir profissionais, que estão desempregados, pelas mais variadas razões, uma grande parte das vezes porque não se revêem nas definições editoriais; que se afastaram por não conseguirem fazer jornalismo de análise e investigação; que se cansaram de não ter horários e que, no fundo, sentem que o jornalismo merece mais.” Em síntese, “este é um projeto colaborativo, sem investimentos de milhões e sem compromissos com investidores. O que tem desvantagens óbvias mas uma grande vantagem – a independência está nas mãos do grupo de jornalistas que escreve e na avaliação do público leitor.” Além disso, “o objetivo do Faktual é conseguir angariar dinheiro para distribuir pelos jornalistas que escrevem num formato que ainda está em aberto, pois gostaria de ter o contributo de todos os que queiram apostar neste projeto em prol de um jornalismo isento, independente e assente em ‘faktos'”.

Quando o tema são as metas, Alemão esclarece: “O objetivo, desde a primeira hora, é o de manter a comunidade informada sobre o que de mais relevante sucede no seu seio, com especial enfoque nas questões mais essenciais relativas à qualidade de vida numa grande urbe, como são a habitação, a mobilidade, o ambiente e a vida social. No entanto, por motivos vários, com frequência, e após fugaz introspeção, dou por mim a temer que o que tinha em mente no início ainda não se cumpriu. Ou seja, fazer um jornalismo não tão institucional e mais atrevido, com maior vibração urbana, de rua, que seja um reflexo da vivência urbana, das suas dificuldades, angústias e desafios.”

Entretanto, claro, não deixam de enfrentar obstáculos, porque ninguém vive de facilidades. “As dificuldades são as decorrentes de uma abordagem amadora no que à estrutura diz respeito, com tudo o que advém de não se conseguir – até agora e por enquanto – tornar o projeto viável em termos financeiros. Estamos, por fim, a trabalhar como uma empresa, há cerca de mês e meio, após a entrada no projeto de um pequeno investidor. A ambição passa por, ganho o desafio da credibilização, torná-lo viável financeiramente”, resume Alemão.

Guerrinha também é eloquente nas suas afirmações: “Esta independência leva a uma grande desvantagem que é a falta de capital inicial para conseguir fazer contratações e pagar salários fixos com dignidade. Mas, perante o paradigma que existe atualmente, com o formato comercial dependente de um mercado publicitário cada vez menor e com a penetração do Google e do Facebook (que desviam uma grande fatia desse investimento), dificilmente os projetos atuais irão sobreviver. Estes projetos colaborativos estão em marcha nos EUA, na América do Sul e haverá mais países onde os jornalistas ainda acreditam na profissão e na sua necessidade para a democracia.” E deixa um alerta: “O Faktual pretende ocupar esse espaço em Portugal mas precisa que os jornalistas se unam. Este não é um projeto unipessoal, mas sim um contributo de um jornalista que acredita na profissão. Mas ela só sobrevive com união e algum empreendedorismo por parte dos jornalistas.”

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