Não vem um ministro? Então não se dá a notícia!

Manuel António Pina (*) publicou, na revista «Visão» n.º 446, de 20/26 de Setembro de 2001, uma crónica intitulada «The End», em que satiriza determinada situação que testemunhou e em que uma jovem jornalista, sob a (des)orientação do respectivo chefe, não dá notícia de determinado acontecimento da Porto 2001, apenas porque…não havia um ministro!… Para ler e a meditar.

A acção passa-se no Porto, em 2001. São interpretes um realizador e a cidade dele, um filme e a antestreia dele e uma jornalista e o chefe dela. E, como uma produção de Cecil B. De Mille, grande número de figurantes, a maior parte da singular espécie do género humano que usa designar-se por «figuras públicas».

O cenário é o Rivoli e a «story line» é, mais ou menos, esta: «Uma jovem jornalistas descobre, vagamente surpresa, que, afinal, não vem nenhum ministro.»

Panorâmica sobre a Praça de D. João I à noite, esventrada pelas obras. Plano geral: gente chegando ao Rivoli. Plano médio: um homem batendo com os pés no chão para soltar o pó dos sapatos. «Travelling»: «hall» fervilhante, pequenos grupos aqui e ali, conversas, cumprimentos, abraços. Plano de conjunto: à porta, as funcionárias da Porto 2001 cortam convites. Plano de pormenor de um convite: «Porto da minha infância/Rivoli Teatro Municipal/10 de Setembro de 2001.»

Grande plano de Manoel de Oliveira que entra (sem convite) com a mulher e o neto. Contrapicado de Paulo Branco rindo para fora de campo. Sucessões de planos médios e de conjunto: Nuno Cardoso, Manuela de Melo, Teresa Lago, Paulo Cunha e Silva, arquitectos, actores, críticos, tudo q.b…

Panorâmica do Grande Auditório que lentamente se enche. Funcionários conduzem os espectadores aos seus lugares. Um homem coloca um microfone no palco. «Fade out».

«Fade in». Plano geral do Grande Auditório já completo e compostamente cheio. Na plateia, Manoel de Oliveira conversa em voz baixa com a mulher. Plano de conjunto de Jorge Campos subindo ao palco com alguns papéis debaixo do braço. Plano médio de Jorge Campos ajeitando o microfone e lendo um texto de Bénard da Costa. «Fade out».

«Fade in». Plano de conjunto: no palco, Manoel de Oliveira recebe das mãos de Teresa Lago o troféu «Odisseia das imagens» e, seguidamente, fala aos espectadores. Plano geral da plateia aplaudindo. Apagaram-se as luzes. Plano de conjunto do ecrã, onde passam as primeiras imagens de «Porto da minha infância»: o maestro Peter Rundel, de costas, dirige a Nachtmusik 1, de Emmanuel Nunes. Corte rápido para o exterior do Grande Auditório (pois o filme, neste filme, é, como se verá, o menos importante).

Plano médio: à porta de entrada, uma jovem jornalista da Lusa pergunta ao pessoal da Porto 2001 pelo «ministro».

Funcionária da Porto 2001: – Qual ministro?

Jovem jornalista: – Um qualquer…

Funcionária: – Não vem nenhum ministro…

Jovem jornalista (surpreendida): – Não vem nenhum ministro?! (Hesitação:) Então… volto para a Redacção…

Funcionária: – Não vê o filme? O filme de Manoel de Oliveira não é notícia?

Jovem jornalista (puxando do telemóvel): – Vou perguntar ao meu chefe…

Grande plano da jovem jornalista ao telemóvel. A jovem jornalista fala com o chefe, desliga o telemóvel e volta-se de novo para a funcionária.

Jovem jornalista: – O meu chefe diz que não…

Plano geral da jovem jornalista metendo as tralhas na pasta e abandonando o Rivoli.

Funcionária (para a colega do lado, pensativa): – Se calhar era melhor termos convidado algum ministro… Assim ninguém dá a notícia…

E não deu. Pois também não apareceram o Figo nem o Mantorras. Nem ninguém esfaqueou ninguém.

«The End».

(*) Texto reproduzido com autorização do autor.

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