Na morte de Raul Rêgo

A figura de Raul Rêgo e a sua personalidade como jornalista e político, republicano e maçon, defensor das liberdades e como tal distinguido internacionalmente com a «Pena de Ouro da Liberdade», deu ensejo a que o Sindicato dos Jornalistas relembrasse, na sua morte, os traços dominantes do seu caracter e alguns episódios marcantes da sua vida.

Ao tomar conhecimento da morte de Raul Rêgo, o Sindicato dos Jornalistas (de que foi o associado n.º 118) manifesta publicamente o seu pesar à viúva e à filha deste grande jornalista e democrata que honrou, de forma invulgarmente exemplar, o exercício da cidadania plena na dupla qualidade de jornalista e político.

Tendo iniciado a actividade de jornalista no «Jornal do Comércio», em 1942, Raul Rêgo acumulou funções redactoriais, de 1959 a 1971, no «Diário de Lisboa» e, posteriormente, no vespertino «República», onde ocupou o cargo de subdirector, passando a director em 1972, por morte de Carvalhão Duarte. Entretanto, foi também redactor da agência Reuter. Posteriormente ao encerramento do «República», dirigiu os jornais «A Luta» e «Portugal Hoje», fortemente conotados com o Partido Socialista.

No exercício do jornalismo, foram marcantes algumas das suas atitudes. Uma delas, testemunhada pelos seus camaradas do «República», verificou-se ao alvorecer do dia 25 de Abril de 1974. Cerca das 09h30, com o movimento revolucionário em marcha e ainda sem se saber para que lado penderia o resultado das operações militares, Raul Rego enviou para a tipografia a frase que seria publicada em rodapé a toda a largura da primeira edição, que às 11h30 sairia para a rua: «Este jornal não foi visado por qualquer comissão de censura». Só quem tem memória desses tempos poderá avaliar a coragem necessária para assumir esta responsabilidade numa fase de incerteza.

Posteriormente, as clivagens políticas que deram origem ao chamado «Verão Quente», com a ocupação do «República», fizeram com que Raul Rêgo assumisse papel preponderante em defesa das liberdades democráticas, o que lhe valeu o reconhecimento internacional, ao ser distinguido, em 1976, com a «Pena de Ouro da Liberdade», atribuída em Bolonha no decorrer do 29.º Congresso da FIEJ-Federação Internacional dos Editores de Jornais e Publicações.

A par do jornalismo, Raul Rêgo teve ainda uma fecunda actividade como escritor e historiador, sendo muito extensa a sua bibliografia. Entre as suas obras marcantes figura a que intitulou «Para um Diálogo com o sr. Cardeal Patriarca», em que se insurgia contra o silêncio cúmplice do cardeal Cerejeira perante as indignidades do regime ditatorial. O livro foi apreeendido e Raul Rêgo esteve preso pela PIDE, a qual voltou a submetê-lo a interrogatórios mercê da publicação, em 1971, do livro «O Processo de Damião de Góis», em que denunciava as atrocidades da Inquisição por forma a estabelecer uma relação com os procedimentos inquisitoriais da polícia política.

Republicano e mação, Raul Rêgo foi um dos fundadores do Partido Socialista e, logo após o 25 de Abril, desempenhou funções governativas no I Governo Constitucional, como secretário de Estado para a Comunicação Social, cargo em que teve uma das suas actuações mais polémicas, ao mandar suspender um directo televisivo, a fim de atenuar os efeitos de uma representação teatral que considerou provocatória para a Igreja.

Ainda no campo político, foi eleito deputado em várias legislaturas, e nessa qualidade ficou na memória de muitos o exemplo de militância que constituiu a sua comparência na Assembleia da República, em cadeira de rodas, para exercer o direito de voto no debate sobre a despenalização do aborto.

Transmontano de origem, caracterizado por uma vontade férrea e uma integridade a toda a prova, Raul Rêgo é bem a prova de como o jornalismo e a política podem ser actividades conciliáveis em defesa dos grandes princípios e dos grandes ideais. Numa altura em que esta coabitação está a ser posta em causa por alguns, a vida de Raul Rêgo é um exemplo a meditar.

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