Mulheres jornalistas mais jovens e sem poder

O Jornalismo começou por ser uma profissão masculina, mas está a assistir, em Portugal, a uma intensa juvenilização e feminização. As mulheres inscritas no Sindicato dos Jornalistas (SJ) representam quase 40% do total e são mais numerosas na faixa etária

Mas o facto de a presença das mulheres nas redacções ser já muito expressiva não significa uma real igualdade de oportunidades no acesso a funções de direcção e chefia, acentuou a dirigente do SJ Anabela Fino, no I Encontro de Mulheres Jornalistas de Sindicatos Europeus, que decorreu, no dia 26 de Novembro, em Barcelona, Catalunha.

Anabela Fino, que representa o SJ na Comissão de Género da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ)), falava numa conferência sobre a situação das mulheres jornalistas, na qual intervieram também a francesa Martine Rossard (Sindicato Nacional dos Jornalistas), a romena Liana Ganea (Conselho Executivo da Agência romena de Monitorização de Média) e a espanhola Lola Fernández (secretária-geral do Sindicato de Jornalistas da Andaluzia).

Intervenção de Anabela Fino

A Constituição da República Portuguesa afirma que compete ao Estado “Promover a igualdade entre homens e mulheres” e estipula no seu Artigo 13.º (Princípio da igualdade):

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica , condição social ou orientação sexual.

A nossa legislação consagra igualmente o direito ao trabalho e à igualdade de oportunidades.

A prática mostra no entanto que em Portugal ainda estamos muito longe de cumprir estes princípios.

Um estudo recente do reputado economista português e mestre em Comunicação, Eugénio Rosa, revela que a discriminação das mulheres é não só um facto como aumenta com o nível de escolaridade que possuem, tanto no que respeita à remuneração como no acesso ao emprego.

Tendo como indicador o número de licenciados, verifica-se que as mulheres já são claramente maioritárias em 12 das 16 áreas do saber.

Em 2001, na população empregada, as mulheres representavam 78% dos licenciados em Letras e Ciências Religiosas; 84% em Ciências da Educação; 62% em Belas Artes; 54,4% em Direito; 61,7% nas Ciências Sociais; 53,8% na Administração de empresas e Técnicos Comerciais; 53,8% no Jornalismo e Informação; 66,2% nas Ciências Exactas e Ciências Físicas; 73,3% nas Matemáticas e Estatísticas; 60,5% nas Ciências Médicas e Saúde; e 53% na Industria Transformadora.

Os ramos em que as mulheres eram ainda minoritárias nesse ano, relativamente ao total de licenciados empregados, eram: Arquitectura e Construção (26,9%), Agricultura, Silvicultura e Pesca (40,3%), Ciências de Engenharia (19,1%), Ciências Informáticas (31,9%) e Ciências Veterinárias (41,6% dos licenciados).

Mas o peso das mulheres em todas as áreas do saber continua a aumentar rapidamente: actualmente, em cada 100 licenciados que saem anualmente das universidades portuguesas, 65 são mulheres.

De acordo com dados oficiais do Ministério do Trabalho e da Segurança Social relativos ao ano de 2002, verifica-se que, por um lado, o nível médio de escolaridade das mulheres empregadas é superior ao dos homens e, por outro lado, que essa diferença se acentua à medida que aumenta o nível de escolaridade.

Assim, verifica-se que, tendo por base, por um lado, toda a população feminina empregada e, por outro lado, toda a população masculina, a escolaridade média (ponderada) dos homens empregados em Portugal é de 7,7 anos enquanto a das mulheres é de 8,5 anos.

Os dados disponíveis confirmam também que a desigualdade de remunerações aumenta com o nível de escolaridade: quanto mais elevada é a escolaridade maiores são as desigualdades entre homens e mulheres.

Para o nível de escolaridade mais baixo – «Inferior ao Ensino Básico» – o ganho médio das mulheres, que inclui tudo o que ela recebe, corresponde a 80,8% do ganho médio mensal dos homens, enquanto em relação ao nível de escolaridade mais elevado – «Licenciatura» – o ganho médio das mulheres corresponde apenas a 66,7% do ganho médio dos homens.

Os dados oficiais mostram igualmente que em relação a níveis de qualificação se verifica uma inversão do que se observa relativamente a níveis de escolaridade, ou seja,

quanto maior é o nível de qualificação menor é o peso das mulheres. Por ex., as mulheres representam 51,1% do total (Homens+Mulheres) dos «Praticantes e Aprendizes», enquanto a percentagem de mulheres no grupo «Quadros Superiores» é apenas de 32,3%.

A análise dos ganhos médios mensais dos homens e das mulheres em Portugal por níveis de qualificação mostra também que quanto mais elevado é o grupo de qualificação maiores são as desigualdades entre homens e mulheres a nível de ganhos médios mensais em euros.

O ganho médio mensal das mulheres do grupo «Praticantes e Aprendizes» (o nível mais baixo) corresponde a 94,1% do ganho médio mensal dos homens, enquanto o ganho médio mensal das mulheres do grupo «Quadros Superiores» (o nível de qualificação mais elevado) corresponde apenas a 70% do ganho médio mensal dos homens.

Tendo em conta que o nível de escolaridade e de qualificação das mulheres continua a aumentar rapidamente, e que por isso uma percentagem crescente de mulheres ocupa cada vez mais os grupos mais elevados de escolaridade e de qualificação, teremos de concluir que, a manter-se a actual situação, então as desigualdades em Portugal a nível de remunerações entre homens e mulheres estão a aumentar em vez de diminuir.

Outro dado curioso que os dados oficiais revelam é que o maior nível de escolaridade gera mais desemprego feminino.

Analisando os dados respeitantes aos desempregados inscritos nos Centros de Emprego do Instituto do Emprego e Formação Profissional relativos a 2005, verifica-se que,

exceptuando o grupo com «Nenhum nível de escolaridade», em todos os restantes níveis de escolaridade – do ensino básico ao superior – a percentagem de mulheres desempregadas é maior do que a dos homens desempregados quanto mais elevado é o nível de escolaridade das mulheres.

Por ex., o número de mulheres desempregadas com o ensino básico inscritas nos Centros de Emprego é superior em 12,3% ao número de homens inscritos com o mesmo nível de escolaridade, enquanto o número de mulheres desempregadas com o ensino superior é já 92% mais elevado do que número de homens com o mesmo nível de escolaridade inscritos nos Centros de Emprego.

Neste contexto, podemos dizer que a situação das mulheres jornalistas é bastante «democrática», ou seja, os graves problemas que afectam a classe – desemprego, precariedade, falsos recibos verdes, desrespeito pelos direitos, entre tantos outros – são irmamente repartidos por homens e mulheres.

É claro que há discriminação, desde logo no respeitante aos cargos de chefia. Se exceptuarmos as publicações tidas como tipicamente femininas, contam-se pelos dedos da mão o número de mulheres que exercem cargos de direcção e chefia nos média. E no entanto há cada vez mais mulheres nos média.

Maria João Silveirinha, professora do Instituto de Estudos Jornalísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, comentava, num artigo publicado na revista Media & Jornalismo (Outono-Inverno 2004) que o facto de o número de mulheres nos média ter aumentado 20 por cento nas duas últimas décadas, representando cerca de 39 por cento dos jornalistas com carteira profissional, era “um sinal muito positivo numa luta pela democracia genuína na sociedade em geral e nas instituições dos média em particular”. O problemas, acrescentava, é que isso não se traduzia na partilha dos “mesmos direitos e as mesmas responsabilidades”, sobretudo nos lugares de chefia.

O jornalismo em Portugal vive um processo de “feminização” e de “rejuvenescimento”:

– São cada vez mais (aumentaram 12 vezes entre 1975 e 2001);

– Há cada vez mais mulheres jornalistas: são quase 40 por cento; em 2004 já eram mais do que os homens no escalão etário abaixo dos 30 anos;

– Há cada vez mais jovens na profissão: são cerca de um terço os que têm menos de 30 anos, e ultrapassam já os 75 por cento aqueles que têm menos de 45 anos.

– Há cada vez mais jornalistas com mais formação académica e mesmo formação específica nos domínios de Ciências da Comunicação.

Importa referir que este processo de rejuvenescimento não se tem processado de forma “natural”, digamos assim. Com efeito, sucessivas reestruturações e modernizações dos principais órgãos de comunicação social têm tido como principal característica o afastamento dito “amigável” dos jornalistas seniores. Recordo que as conclusões do projecto de investigação europeu “A Digitalização no Sector da Comunicação: Um Desafio Europeu”, conhecido como “Media DigIT”, apresentadas a 20 de Setembro justamente aqui, em Barcelona, revelaram que cerca de 350 jornalistas portugueses foram levados a rescindir os contratos de trabalho durante processos de reestruturação realizados entre 2000 e 2005, tendo sido mais atingidas por despedimentos as redacções onde a alteração tecnológica foi mais profunda.

Os jornalistas mais afectados pelas reestruturações tinham mais de 50 anos de idade e mais de 20 de profissão, enquanto os menos afectados tinham idades abaixo dos 30 anos e menos de seis de actividade. Estes últimos, naturalmente, são os que têm salários mais baixos.

Esta realidade reflecte-se, naturalmente, nos sócios do Sindicato dos Jornalistas (SJ).

Em termos globais, os nossos associados com menos de 30 anos representam 11,79%; mas se considerarmos o grupo etário entre os 31 e 40 anos, a percentagem sobe para 39,57%, o que significa que o número de associados com idades até aos 40 anos representam 51,36%, ou seja, são já mais de metade do total.

Este processo acelerado de juvenilização dos jornalistas sócios do Sindicato é ainda mais acentuado no respeitante às mulheres:

– No grupo etário abaixo dos 30 anos é de 18,35%, contra 7,58% de homens

– No grupo entre os 30 e os 40 anos é de 49,62%, contra 33,12% de homens

– Portanto, 68% das mulheres inscritas no nosso Sindicato têm idades até aos 40 anos, contra 40,7% no caso dos homens

Podemos pois dizer que, a muito breve prazo, o jornalismo – que começou por ser uma profissão exclusivamente masculina – será maioritariamente uma profissão de mulheres.

A questão que se coloca é a de saber se esta alteração da correlação de género se traduzirá ou não num efectivo reconhecimento do direito à igualdade de oportunidades e de tratamento das mulheres jornalistas, designadamente no que se refere à sua ascensão aos cargos de direcção e chefia, já que é a esse nível – pelo menos no respeitante a Portugal – que se registam as maiores discriminações.

Estou em crer que não será pelo número que lá chegamos. De facto, a organização dos média reflecte a organização da sociedade em que estamos inseridos, e em Portugal, como na generalidade dos países da Europa, essa sociedade continua a ser profundamente patriarcal.

Há pois que continuar a lutar pela mudança de mentalidades se queremos acabar com as discriminações e desigualdades.

No que toca às diferenças salariais e progressão na carreira, importa dizer que a realidade do jornalismo português está, grosso modo, dividida em dois campos:

– Os casos em que existe um instrumento de regulamentação colectiva, seja um Contrato Colectivo de Trabalho ou um Acordo de Empresa,

e

– Os casos em que tais instrumentos não existem.

Na primeira situação, em que o Sindicato dos Jornalistas conseguiu negociar com as organizações patronais as condições de acesso, progressão na carreira e tabelas salariais, entre outros aspectos, estão devidamente estabelecidas, pelo que regra geral não se registam situações de discriminação e desigualdades entre homens e mulheres. A discriminação e desigualdade, neste casos, só se torna visível no topo da carreira, ou seja, nos cargos a que se ascende por decisão da empresa. Aí, as mulheres primam pela ausência.

Já na segunda situação o caso é completamente diferente, pois os jornalistas dependem apenas da sua própria capacidade negocial para firmar acordos individuais de trabalho, os quais se pautam por critérios tão subjectivos como “o valor do mercado” ou a relação entre a oferta e a procura. E neste aspecto, o panorama é negro: todos os anos saem das universidades milhares de jovens jornalistas dispostos a tudo por um lugar ao sol, incluindo trabalhar sem receber – à espera de ver reconhecido o seu valor – ou auferindo salários que chegam muitas vezes a ser inferiores ao salário mínimo nacional.

Sendo mulheres a maioria destes jovens, são elas quem mais sofre com a situação.

O Sindicato dos Jornalistas, consciente desta realidade, não desenvolve uma actividade específica para as mulheres jornalistas, embora esteja atento a qualquer manifestação que atente contra os seus direitos. O Sindicato investe, isso sim, na luta pela contratação colectiva, pela eleição de delegados sindicais e pela consciencialização dos jornalistas – homens e mulheres – dos seus direitos e deveres, a par da intensa intervenção que temos ao nível do acompanhamento, debate e apresentação de propostas no âmbito do processo legislativo respeitante à classe.

É aí que concentramos o essencial da nossa acção, na convicção de que ao defendermos os direitos de todos jornalistas e ao assumirmos a necessidade de todos cumprirem com os seus deveres estamos a contribuir de forma decisiva para o pleno reconhecimento da igualdade de homens e mulheres que escolheram uma profissão que desejamos responsável, digna e decisiva na formação das mentalidades, o que implica obviamente o combate a todas as formas de discriminação e desigualdade.

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