Mensagem para Barcelona sobre Direitos de Autor

Na impossibilidade de comparecer na 1.ªJornada sobre Direitos de Autor e Meios de Comunicação, que se realizou em Barcelona em 4 de Dezembro de 2001, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia, enviou uma comunicação na qual fez o historial da luta do nosso Sindicato em defesa dos direitos de autor dos jornalistas.

Os problemas da propriedade intelectual nos meios de comunicação social agravam-se na proporção directa da concentração destes e são, hoje, partilhados pelos jornalistas de todo o Mundo. Com a experiência portuguesa a avançar, conduzida e dinamizada pelo Sindicato dos Jornalistas (SJ), outras organizações desejam conhecê-la de perto e preparam condições para esforços conjuntos na luta pela regulamentação efectiva dos direitos de autor dos profissionais de informação.

Foi com esses objectivos que a Agrupación de Periodistas das Comisiones Obreras (CC.OO) organizou, em 4 de Dezembro de 2001, em Barcelona, a 1.ª Jornada sobre Direitos de Autor e Meios de Comunicação, convidando o SJ a apresentar a sua experiência neste combate. Impossibilitado, à última hora, de comparecer no encontro, o presidente da Direcção, Alfredo Maia, enviou aos participantes a seguinte mensagem:

Queridas amigas e amigos:

Emergências sindicais graves (em Portugal, há neste momento dezenas de jornalistas com os postos de trabalho ameaçados!) e problemas de saúde impedem absolutamente a minha deslocação a Barcelona, a fim de participar na jornada que em boa hora organizais.

As relações fraternas que vimos mantendo com a organização de jornalistas das CC.OO. e com outras organizações de jornalistas no contexto da cooperação ibérica obrigam-me, no entanto, a procurar ultrapassar esta fronteira inesperada que, de repente, se interpôs entre nós.

Começo por saudar a iniciativa que hoje se realiza em Barcelona, convocada pelas CC.OO, na esperança de que em breve os sindicatos e outras organizações ibéricas possam realizar uma grande jornada para a defesa efectiva dos direitos de autor dos jornalistas.

Este tema assume uma particular actualidade, quando a assistimos à ampliação de grupos de média, numa tentativa de ganhar pelo menos uma escala ibérica e de chegar rapidamente e em força as outras comunidades que falam as línguas que a ancestral diáspora ou a expansão imperial levaram, desde há séculos, para outras paragens.

Como sabeis, o Sindicato dos Jornalistas portugueses desencadeou, há vários anos, uma campanha para a defesa dos direitos de autor dos profissionais de informação.

Os seus objectivos são:

– Afirmar a soberania dos jornalistas, enquanto criadores intelectuais, sobre as suas obras;

– Afirmar que são criações jornalísticas os textos, imagens, sons e desenhos criados por jornalistas portadores de título profissional válido;

– Afirmar que qualquer criação jornalística não confere ao seu autor apenas direitos morais e patrimoniais, mas também responsabilidades éticas e deontológicas;

– Afirmar que a soberania sobre a criação representa não apenas o direito indeclinável de decidir sobre o destino desta, mas também o de impedir a utilização em meios de cuja orientação editorial o autor discorde;

– Contrariar a apropriação abusiva, por parte das empresas, das criações jornalísticas e a sua utilização multiplica em meios de informação distintos daqueles para que foram produzidas;

– Contrariar o desprestígio crescente do trabalho jornalístico com a redução deste a mera mercadoria que se compra e que se vende como um conteúdo de autor sem rosto, sem cultura, sentimento, sem inquietações ou sem perplexidades;

– Contrariar o lucro fácil e rápido com a geração de mais-valias massivas e extraordinários ganhos de produtividade sem que estes sejam redistribuídos por quem os produz.

Ao colocar na ordem do dia estes objectivos, o Sindicato dos Jornalistas tornou muito claro que:

– Qualquer reutilização do trabalho dos profissionais de informação carece sempre de autorização prévia e caso a caso e que deve dar lugar a uma retribuição adicional;

– A apropriação de criações jornalísticas é um prejuízo sério para a imagem e a qualidade do meio para o qual a criação jornalística foi originalmente produzida;

– A possibilidade de reutilização multiplicada de criações jornalísticas, associada às concentrações de meios de comunicação, ameaça a liberdade de expressão, o pluralismo e a democracia, assim como coloca em crise a diversidade cultural e a identidade dos povos;

– Os jornalistas não aceitam ser reduzidos a meros produtores de conteúdos massivos, destituídos de razão, de capacidade para interpretar as preocupações da sociedade e ter em conta a sua composição múltipla.

Em inúmeras oportunidades (entrevistas a meios de informação, debates, comunicados de imprensa, etc.) o Sindicato dos Jornalistas foi colocando o tema sob a atenção dos meios de informação e na própria agenda política, ao mesmo tempo que ia trabalhando, nas redacções, com o objectivo de construir, entre os profissionais, a urgência da necessidade de agir.

Foi assim possível que, na revisão do Estatuto do Jornalista, o nosso Sindicato trabalhasse activa e intensamente junto do Governo e da Assembleia da República, conseguindo consagrar nesta Lei a protecção genérica dos direitos de autor dos jornalistas.

A Lei, que foi aprovada por unanimidade dos deputados do parlamento nacional, constituiu um passo histórico neste processo, mas nem por isso o Sindicato deixou de manter o tema na sua agenda e na agenda política, uma vez que faltava ainda regulamentar os direitos genericamente protegidos.

Em 3 de Maio de 2000, por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o Sindicato, ao mesmo tempo que proclamava a convicção de que não há criação livre nem liberdade de imprensa sem que os jornalistas tenham a liberdade de dispor sobre o destino das suas criações, enviava ao Parlamento as bases para um projecto de lei de regulamentação dos mesmos direitos.

Ao ser eleita, em Outubro do mesmo ano, a Direcção do nosso Sindicato elegeu como objectivos prioritários:

– Recuperação de direitos dos jornalistas;

– Regulamentação efectiva dos direitos de autor dos jornalistas.

O trabalho para alcançar estes objectivos tem sido incessante, apesar de a suposta crise do sector não dar igualmente tréguas ao trabalho sindical.

Desde essa altura, no que diz respeito aos direitos de autor, temos vindo a produzir um intenso trabalho de sensibilização dos jornalistas, da opinião pública e dos sectores políticos.

Comunicados de imprensa, entrevistas e outras formas de manter vivo o tema na própria imprensa, que lhe dedicou inúmeros trabalhos, assim como audiências e reuniões com os membros do Governo com a tutela da informação, todos os grupos parlamentares e o próprio Presidente da República acabaram por produzir novos passos neste processo:

– Os grupos parlamentares do Partido Comunista Português e do Partido Socialista apresentaram, na Assembleia da República, projectos de lei com vista à regulamentação dos direitos de autor;

– Devido à acção intensa do nosso Sindicato junto da opinião pública e dos grupos parlamentares, ambos os projectos foram aprovados na generalidade no início de Outubro passado, tendo passado à discussão na especialidade;

– Os deputados aceitaram o nosso apelo para que a futura lei seja, tanto quanto possível, um encontro das soluções e propostas de ambos os projectos e uma solução legislativa consensual a votar por todos os partidos;

– Ambos os projectos estão a ser discutidos na Comissão de Assuntos Constitucionais – Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, tendo o nosso Sindicato participado numa audição parlamentar sobre estes;

– Ontem mesmo, momentos antes de escrever-vos esta comunicação, tive uma conversa com o presidente da mesma Comissão, que me deu a notícia de que os trabalhos desta, interrompidos, nas últimas semanas, por causa da discussão do Orçamento do Estado e, agora, devido à realização das eleições para as autarquias locais, estarão em reuniões finais em Janeiro.

Como podereis verificar, através das cópias integrais, os projectos de lei apresentados pelo PCP e pelo PS são distintos. O primeiro acolhe integralmente a proposta do nosso Sindicato, acrescentando-lhe alguns aspectos, sendo seguramente o que melhor protege os direitos dos jornalistas. O segundo é demasiado benevolente para com as empresas, mas consagra algumas preocupações do nosso Sindicato.

O nosso trabalho não cessou aqui, nem mesmo no que diz respeito à acção junto dos legisladores. Nos próximos dias, dirigiremos aos deputados uma nova mensagem, insistindo em alguns pontos que cremos indispensável consagrar:

– A regulamentação dos direitos de autor deve ser feita em lei autónoma e não em sede de Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, como defendem alguns sectores, sob a influência da Sociedade Portuguesa de Autores;

– Além de carecer sempre de autorização do seu autor, qualquer reutilização do trabalho jornalístico fora do meio para que foi originalmente criado deve dar lugar a uma retribuição adicional;

– Além da capacidade de autorizar a reutilização de trabalho, o autor deve ter a capacidade de impedir a utilização em órgão de informação de cuja orientação discorde;

– A protecção dos direitos de autor deve abranger textos, imagens, sons e desenhos assinados ou não assinados.

Esperando ter contribuído para a causa comum da defesa dos direitos dos jornalistas e dos cidadãos, a todos saúdo novamente com amizade, pedindo perdão pela ausência.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2001

Alfredo Maia

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