Medidas em cima da hora e curtas para os media

O Governo aprovou, à 23.ª hora, quatro medidas para o setor dos media, duas das quais constam do Plano de Ação para a Comunicação Social (PACS), apresentado em outubro, e que o Sindicato dos Jornalistas (SJ) considera curto para as necessidades. Não podemos deixar de lamentar, no entanto, que não tenha avançado mais cedo, nomeadamente nas medidas que poderiam causar algum impacto e ajudar a mitigar as dificuldades dos media em Portugal. A crise política que precipitou o fim do Governo não pode servir de desculpa, uma vez que a data apontada para a concretização de várias medidas era o início do ano.
O apoio, em 50%, à aquisição de jornais e revistas e na subscrição de assinaturas, que abrangeria órgãos regionais e nacionais, não chegou a sair do papel. Se devidamente enquadrada, poderia ser uma medida com impacto positivo e imediato, tanto na sustentabilidade dos media como na sociedade, podendo contribuir para alargar públicos e “promover uma cidadania mais informada e participativa”, conforme pretende o Governo com o PACS.
Ao soar do gongo, avançou a oferta de assinaturas de jornais, generalistas e económicos, para jovens entre os 15 e os 18 anos, deixando de fora os diários desportivos. Criar públicos, incutir o hábito de comprar um jornal ou procurar o site de um Órgão de Comunicação Social (OCS) fidedigno e verificado não pode ser exclusivo dos generalistas e dos económicos. Aliás, são inúmeras as pessoas que aprenderam a ler nos jornais desportivos, sendo inquestionável a contribuição que estes deram à atração de leitores para a comunicação social em Portugal, cabendo perfeitamente no enquadramento para “consumo responsável e informado de conteúdos” que o Governo pretende, pelo que o SJ não entende a exclusão de uma parte significativa do jornalismo português desta medida.
O SJ sempre defendeu a definição de uma quota máxima de assinaturas por órgão de comunicação social para impedir desequilíbrios e contribuir para o aumento, ou pelo menos a preservação, da pluralidade mediática, uma vez que a ajuda chegaria a todos. Com o modelo proposto pelo Executivo, há o risco de canibalização das assinaturas por parte de grupos com mais capacidade financeira ou meios de publicidade e marketing. No final, esta medida pode vir a enfraquecer ainda mais o ecossistema mediático, fortalecendo os mais fortes e contribuindo para enfraquecer os menos fortes.
Foi também aprovado o Plano Nacional de Literacia Mediática. Esta é uma batalha na qual o SJ está fortemente empenhado, formalmente, desde 2019, desde que foi criada, no seu seio, a Associação de Literacia para os Media e Jornalismo. Ao longo destes anos, esta associação umbilicalmente ligada ao SJ, capacitou mais de 150 jornalistas, aptos a dar formação em literacia mediática, dentro do objetivo de disponibilizar, a professores e outros públicos, metodologias, recursos e ferramentas que possam ser usadas em atividades de literacia para os media com alunos, comunidades escolar e educativa ou outras.
A terceira medida aprovada, o alargamento da cobertura do porte pago de 40% para 80% dos custos da distribuição de jornais regionais, embora positiva, fica aquém do necessário. E muito longe do proposto pelo SJ, que defendia o alargamento da medida, com um desconto, no mínimo, de 50%, para OCS de âmbito nacional, que ainda imprimem jornais e revistas, considerando que o consumo de informação em suporte material tem, ainda hoje, um papel importante na coesão territorial.
O Plano Nacional para a Segurança dos Jornalistas, embora conste do PACS, não foi muito discutido nas reuniões entre o Governo e o SJ. O SJ está disponível a discutir em detalhe e a apoiar medidas e iniciativas que contribuam para uma maior proteção contra ameaças e coação no digital e contra ameaças físicas e psicológicas, como consta da medida proposta no PACS, e lembra que fez já um estudo que pode ajudar o Governo a ”melhorar o conhecimento do problema e dos desafios” da classe, que tem um número alarmante de jornalistas em exaustão elevada ou severa. Nos encontros com o Governo, o SJ propôs uma grande campanha publicitária no sentido de “melhorar o reconhecimento do papel e da profissão de jornalista”, como pretende o Governo, e salientou que a segurança dos jornalistas começa no emprego, nas garantias de segurança laboral e de exercício livre e pleno da profissão, que, entendemos, num contexto de crise acelerada e agravada não está garantido. Daí a importância de medidas fortes, rápidas e eficazes que ataquem o grave défice financeiro da comunicação social em Portugal. O que não se conseguiria com as 30 medidas do plano de ação apresentado em outubro, muito menos com as quatro aprovadas no último fôlego do XXIV Governo constitucional.
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