Maria Antónia Palla: “Há falta de sonho e de tempo nos jornalistas”

Lutadora antifascista, pioneira no jornalismo e na defesa dos direitos das mulheres, ocupou lugares dirigentes no Sindicato dos Jornalistas e presidiu à extinta Caixa dos Jornalistas.

Por ocasião do 25 de Abril, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) entrevista Maria Antónia Palla, das primeiras mulheres que integraram a redação do Diário Popular, através de concurso, em 1968.

Lutadora contra o fascismo, primeira mulher inscrita no SJ, chegando à sua Direção após o 25 de Abril, com Maria Antónia de Sousa e Maria Antónia Fiadeiro, sendo a primeira mulher eleita para vice-presidente, depois de ter liderado o Conselho Deontológico.

Além disso, elegeram-na para o Conselho de Imprensa e foi a primeira mulher a dirigir a Caixa de Previdência dos Jornalistas.

Pioneira na luta pelo direito ao aborto, voz de liderança na defesa do feminismo e dos direitos das mulheres, Maria Antónia Palla criou e dirigiu a Liga dos Direitos das Mulheres.

Aos 84 anos, permanece envolvida, com dinâmica, nas lutas cívicas. Embora já não esteja no jornalismo ativo, acompanha tudo o que se passa, até porque o seu filho António está à frente do Governo.

Depois de uma vida cheia dedicada ao jornalismo, como vê, numa perspetiva de observadora, o ofício na atualidade?

Bom, isso é uma pergunta um bocado difícil de responder, porque estou de fora e há sempre elementos que nos escapam nessa condição. Foi a única profissão que tive, comecei como colaboradora do Diário Popular em 66 e, mais tarde, integrei o primeiro grupo de três mulheres com trabalho efetivo e não diferenciado dos homens, algo que devemos ao doutor Francisco Pinto Balsemão porque abriu um concurso. Naquela altura, o nosso problema fundamental eram a censura e a falta de liberdade que havia no país. Não havia liberdade de expressão ou reunião, o Sindicato aguentava-se, mas não podia ter a expressão que depois teve. Houve nessa altura uma vaga de gente nova muito imaginativa e criativa. Os donos dos jornais que, muitas vezes, coincidiam como diretores, incentivavam muito isso. Por outro lado, havia uma satisfação em trocar impressões uns com os outros sobre o que fazíamos, era uma camaradagem muito sã. Tive ótimos companheiros de trabalho, por exemplo, no Diário Popular e também n’O Século Ilustrado, onde entrei como redatora, fui chefe de reportagem, subchefe e chefe de redação num ambiente de liberdade que nunca mais encontrei. Gostei sempre mais de estar em revistas, como a Vida Mundial, do que nos jornais, porque nestes tem-se demasiado trabalho para aquilo ir para o lixo no próprio dia. E não podia ser mais feliz do que fui n’O Século Ilustrado, onde tive muitas oportunidades.

Na RTP já não foi assim?
A RTP não é uma empresa, pelo menos na minha conceção. É uma coisa que dá trabalho a muitas pessoas, desejo que sejam muito felizes, mas passam-se ali coisas horríveis como pessoas que ficam sem trabalho distribuído durante anos. Há muitas prateleiras, aquilo muda conforme mudam os governos, há uma ligação direta ao poder e uma distância muito grande entre trabalhadores e administrações.

Volto à pergunta inicial: como analisa o jornalismo de hoje?
O que sinto, em relação a este tempo que vivemos, é que os jornais mudaram muito desde que deixaram de ser propriedade de uma determinada pessoa ou família e passaram para grupos económicos sem qualquer ligação ao jornalismo. As condições dadas aos jornalistas são outras, mas há uma falta de sonho da parte deles e tornou-se difícil fazer coisas que tenham a ver com ideias. Eu nunca tive pressão alguma mas, agora, as pessoas queixam-se. Não há censura, mas as pessoas sentem-se pressionadas e agem de um certo modo porque, sendo a sua situação tão precária, tendem a fazer coisas de que o patrão gosta e chegam a auto-censurar-se. Não dão muito tempo para que se façam as coisas, há também falta de tempo para os jornalistas e admiro quem faz bem com tão pouco tempo.

Faz sentido que haja despedimentos coletivos em grupos com lucro?
Em princípio somos contra despedimentos. Passei por isso n’O Século, fomos 800 para a rua e foi muito duro. Desapareceram muitos jornais e a imprensa entrou em crise, pressionada por questões económicas e pela Internet que tem força a mais. A informática trazia atrás de si a redução de postos de trabalho. Além disso, as publicações passaram a estar fora das cidades, perdeu-se a proximidade das pessoas, fundamental para a vida que deve ter uma publicação. E os jornalistas, que saem cada vez menos das redações, vão ao Google – tudo o que não está lá não existe e isso é dramático!

É feminista e sempre se bateu pelos direitos das mulheres. Elas conseguiram os lugares justos nestes mais de 40 anos após o 25 de abril?
Houve algumas conquistas. Logo no governo de Palma Carlos foi aberta a carreira diplomática às mulheres. Antes do 25 de abril, por causa da guerra colonial e da emigração, as mulheres foram obrigadas a tomar uma posição dentro e fora de casa, passando a ter competência e autoridade. A obrigação de ir trabalhar abriu horizontes. Após o 25 de abril, as mulheres ganharam a palavra e foram as primeiras nas reivindicações. A situação alterou-se muito e nas iniciativas próprias das mulheres piorou-se. Por exemplo, as mulheres lançaram o movimento para a legalização do aborto e não foi fácil, porque os partidos não queriam aceitar. Foi uma luta fantástica que abalou e mudou a sociedade portuguesa. Mas também lutaram pelo aumento dos salários, apesar de maltratadas. Assumiram a iniciativa, mas isso perdeu-se. Nem pela esquerda, nem pela direita foi aceite esse surto libertador das mulheres. Mas ganhou-se noutros aspetos. Só que há muitos problemas específicos das mulheres que nunca são prioritários para os partidos e são necessárias iniciativas para mudar isso.

E em relação ao sindicalismo? Qual é o papel na sociedade atual e como se encontram as mulheres neste campo?
É muito partidarizado e isso afastou muita gente, por exemplo, do Sindicato dos Jornalistas. Quando saí para me empenhar na campanha pelo aborto, uma mudança civilizacional, as coisas mudaram. Tínhamos pessoas de vários partidos e não éramos transmissores de orientações de outros. Procuravam-se pessoas com reconhecimento na profissão e no plano social. Colaborámos muito na elaboração do Estatuto do Jornalista ou no regulamento da carteira profissional e muitas mulheres vieram para o Sindicato.

No meio de uma crise tão grande como a dos últimos anos, não faria sentido que houvesse um regresso dos profissionais ao Sindicato?
Admito que sim, mas a fase de partidarização levou a que as pessoas não pensassem mais no Sindicato. Para nós, o Sindicato foi sempre um instrumento de luta, mas, com esse afastamento, perdeu força e penso que não se ouve como no nosso tempo. Por outro lado, a situação também se alterou, há muito trabalho precário e as pessoas têm medo de reivindicar. E a tentativa de criação de uma Ordem foi mal organizada e mal recebida.

Há 43 anos, a Revolução pôs fim à ditadura. Considera que o 25 de abril se cumpriu no essencial?
Para mim cumpriu-se, na medida em que há liberdade e a vida das pessoas melhorou de forma extraordinária. Mas também está nas pessoas quererem ou não usar essa liberdade e há quem queira sempre subsídios para tudo. No fundo, o associativismo em Portugal ainda é muito incipiente.

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