Luís Castro relata os dias da detenção no Iraque

“Quatro ou cinco soldados caíram-me em cima”, contou o jornalista da RTP, Luís Castro, no Telejornal, num relato que transcrevemos neste sítio e no qual o repórter descreve a forma como foi humilhado e agredido no Iraque por militares norte-americanos, que o mantiveram incomunicável durante quase 72 horas e também o repórter de imagem da estação pública Vítor Silva.

Luís Castro afirmou que “nunca fui sujeito a tal humilhação como nestes últimos três dias”. Falando na televisão pública, no dia em que foi libertado, 28 de Março, descreveu os maus-tratos a que foi sujeito, durante os três dias em que esteve detido no teatro de guerra.

Publicamos neste sítio o relato integral de Luís Castro, transcrito com autorização do site http://www.rtp.pt:

“QUATRO OU CINCO SOLDADOS CAÍRAM-ME EM CIMA”

“Já fui preso várias vezes em África; já tive que fugir em vários países; já fui expulso de outros; mas confesso que nunca fui sujeito a tal humilhação como neste últimos três dias.

Connosco, no jipe da RTP, viajavam dois outros jornalistas franceses que convidámos para fazer esta viagem (Luís Castro e Vítor Silva queriam chegar a Najaf).

Quando chegámos à linha da frente, eles (os jornalistas franceses) não dispunham de máscaras de gás. Foi-lhes então dito que não poderiam seguir.

Tinha duas alternativas: ou deixava esses mesmos jornalistas no meio do deserto, a pé; ou então tentaria transportá-los para trás, para uma posição onde eles pudessem encontrar máscaras de gás ou apanhar uma coluna militar que seguisse para o Kuwait. Foi isso que fizemos. A primeira opção seria impensável.

Encontrámos dois jornalistas da NBC que no dia seguinte iriam regressar ao Kuwait porque estavam na mesma condição desses jornalistas franceses. Ficou combinado que os quatro encontrar-se-iam numa posição definida.

Dirigimo-nos ao ponto de encontro. Perguntámos se eles lá estavam e identificámo-nos com as nossas credenciais. A partir desse momento começou o caos.

Depois de eles (militares norte-americanos) estarem já convencidos de que éramos jornalistas – eu ouvi dizerem: “com eles está tudo bem”- mandaram-nos sair do carro e revistaram todo o material no nosso jipe. Mandaram-nos deitar no chão e com os pés afastaram as mãos das cabeças. Disseram para não nos mexermos porque estávamos na linha de fogo. Apontaram as armas.

Depois dessa situação mandaram-nos sentar virados para um muro. Aí ficámos. Pedimos para que não nos humilhassem mais porque não valia a pena, éramos jornalistas, não tínhamos cara de iraquianos. Disseram que talvez fôssemos espiões e que os telefones satélite servissem para comunicar com as forças inimigas.

Posto isto, puseram-nos no jipe. Retiraram todo o material electrónico – câmaras, CD´s, cassetes, tudo. Ali ficámos duas ou três horas, depois de nos terem dito que íamos ficar dois ou três dias até que os serviços de inteligência do exército nos viessem buscar.

Passadas essas duas ou três horas, tentei dialogar com eles. Disse que, no mínimo, precisávamos fazer uma chamada para as nossas famílias. Disseram que eram soldados e que também já não falavam com a família há muito tempo.

Insisti. Pedi que se tivessem mulheres e filhos se lembrassem daquilo que poderiam estar a passar naquele momento e que tivessem um pingo de humanidade.

Quatro ou cinco soldados caíram-me em cima; puseram-me no chão; um pôs-me o pé no pescoço, outro juntou-me os pés às mãos, outro deu-me um pontapé nas costelas; algemaram-me, arrastaram-me e levaram-me para dentro.

Uma hora depois consegui dialogar de novo. Expliquei-lhes que não tínhamos cara de inimigos e que não percebíamos toda aquela situação. Disseram para estarmos calados. Voltaram a pôr-me no carro. Ali ficámos 24 horas sem uma única palavra. Um dia depois vêm ter connosco (outros militares) e disseram pura e simplesmente isto: ´Sem ressentimentos, Deus vos abençoe. Tentem compreender que aqueles homens da polícia militar são treinados como cães. Só sabem atacar.` Ofereceram café. Pediram desculpas. Mesmo assim o nosso material teve que ficar retido, uma vez que a CIA queria verificar o que tínhamos – podia ser lesivo para a imagem dos Estados Unidos. Puseram-nos mais tarde num helicóptero e levaram-nos para o Kuwait. Ali ficámos uma noite, numa cadeira, à espera que os tais elementos da CIA nos viessem interrogar.

Perante isto tivemos oportunidade de falar com elementos da 101ª brigada de tropas aerotransportadas que estavam nessa posição. Indignaram-se. Sentiram que era humilhante demais a situação que estávamos a passar. Eles próprios tomaram a iniciativa de rasgar com as facas os caixotes onde estava o nosso material. Deram-nos os telefones e disseram para ligarmos à vontade. Quando eu e o Vítor falámos com as nossas famílias, choravam porque pensavam que estávamos mortos.

Depois disso, esses mesmos homens fizeram questão de nos trazer até à cidade do Kuwait. Um desses oficiais despediu-se, com lágrimas nos olhos, dizendo que os elementos que tinham feito aquilo eram a vergonha dos EUA, eram a vergonha do exército americano. E que se algum poder tivesse nas suas mãos, eles nunca mais iriam vestir aquelas fardas.

O exército norte-americano ainda tem o nosso jipe. Temos a garantia de que se não chegar em condições às nossas mãos, o próprio exército irá pagar à empresa que nos alugou o veículo. Que não nos preocupássemos.

Que a partir de agora estaríamos em boas mãos. E se tivéssemos algumas dificuldades que os contactássemos de novo.”

Partilhe