Judith Miller presa nos EUA por defender sigilo profissional

A jornalista norte-americana Judith Miller, do “New York Times”, foi presa a 6 de Julho, condenada por desrespeito ao tribunal, por recusar revelar as suas fontes de informação no caso que levou à identificação da agente da CIA Valerie Plame. Quanto a Matthew Cooper, da revista “Time”, igualmente ameaçado de prisão, optou por cooperar com a justiça após receber autorização da sua fonte.

O juiz Thomas F. Hogan decidiu que a repórter ficará presa na ala feminina de um estabelecimento prisional da área metropolitana de Washington até ao fim do mandato do grande júri, a 28 de Outubro, ou até revelar as suas fontes, algo que Miller já garantiu que não fará.

A jornalista foi presa às 20h10 locais (15h10 em Portugal), de acordo com o relógio que, no sítio do Comité de Repórteres para a Liberdade de Imprensa (RCFP), conta on-line o tempo de Judith Miller na prisão.

Fonte autorizou Matthew Cooper a testemunhar

Na audiência final com o juiz, tanto Judith Miller como Matthew Cooper se recusaram a aceitar autorizações gerais que os libertavam de promessas de confidencialidade, como a que circulou entre funcionários do ramo executivo da administração Bush e que, segundo o procurador Patrick J. Fitzgerald, poderá ter sido assinada pela fonte da jornalista do “New York Times”.

“As autorizações não foram voluntárias, pois foram exigidas aos funcionários por um superior, tendo como condição a manutenção do emprego”, justificou Judith Miller, enquanto Matthew Cooper chegou mesmo a dizer que “as autorizações emitidas pelo governo não valem o papel em que estão escritas”.

No entanto, e apesar da sua recusa em aceitar as autorizações gerais, Matthew Cooper disse ao tribunal que iria cooperar, uma vez que obtivera horas antes da audiência o “consentimento pessoal” da sua fonte para falar sobre a conversa que tinham mantido.

Recorde-se que o testemunho do jornalista da “Time” foi exigido pelo procurador federal Patrick J. Fitzgerald que, a 5 de Julho, considerou insuficientes os e-mails e notas de Matthew Cooper entregues pela revista ao tribunal.

Honrar promessas de confidencialidade

Este volte-face no processo fez com que Judith Miller – que investigou mas nunca publicou nada sobre o caso Valerie Plame – acabasse por ser a única jornalista a ser presa por defender o direito ao sigilo profissional no âmbito desta investigação.

“Não estou acima da lei, mas tenho um dever jornalístico para com as minhas fontes. Se elas não puderem confiar nos jornalistas para garantir a sua confidencialidade, não pode haver uma imprensa livre”, disse a repórter durante a audiência final, garantindo que “se os militares conseguem fazer o seu trabalho no Iraque”, ela conseguirá “enfrentar a prisão para defender a liberdade de imprensa”.

Esta postura é elogiada pelo seu advogado, Floyd Abrams, para quem Judith Miller é “uma mulher que aderiu às tradições mais elevadas da sua profissão e que deve ser respeitada por isso”, sendo provável que o seu nome fique na história do jornalismo.

Outro dos advogados da jornalista, Robert Bennett, diz que, pelo que conhece da sua cliente, não será a prisão a fazê-la quebrar a promessa de sigilo.

Opinião diferente tem no entanto o juiz Thomas F. Hogan, que encara o encarceramento de Judith Miller como “uma possibilidade realista” de a levar a testemunhar ou de persuadir a fonte a dar-lhe uma autorização semelhante à que recebeu Matthew Cooper.

Reacções internas à prisão de Judith Miller

Quem também espera que a pena aplicada consiga coagir a jornalista é o procurador federal Patrick J. Fitzgerald, para quem a recusa de Miller em testemunhar “congela toda a investigação do grande júri”.

No campo oposto, o dono do “New York Times”, Arthur Sulzberger Jr., afirmou que “há alturas em que o bem comum exige actos de consciência” como o honrar da promessa de confidencialidade a uma fonte. Segundo ele, “a livre circulação de informação é vital para uma cidadania informada”.

Já o editor-executivo do “New York Times”, William Keller, diz que a prisão de Judith Miller é uma “conclusão arrepiante num caso muitíssimo confuso”. Um caso que, segundo Jane Kirtley, professora de direito e ética dos média na Universidade do Minnesota, “está a intimidar as fontes e os jornalistas”.

A nível interno é de destacar ainda a posição do editorial do “Washington Post”, onde se afirma que “a menos que Patrick Fitzgerald esteja a preparar um caso de grande importância pública para o qual o testemunho de Judith Miller seja indispensável, a sua prisão parecerá um grave abuso de liberdade prossecutória e um assalto gratuito à liberdade de imprensa”.

Também o Clube de Imprensa de Washington tomou posição, considerando que se trata de uma “triste perversão da justiça enviar Judith Miller para a prisão por proteger uma fonte confidencial num caso em que não foi cometido qualquer crime e em que a senhora Miller não escreveu qualquer artigo”.

Reacções e repercussões internacionais

O encarceramento de Judith Miller mereceu igualmente reacções a nível externo, tendo a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) exigido a libertação imediata da jornalista, uma vez que esta sentença “diz a todas as fontes potenciais que se arriscam a ser expostas, mesmo quando falem com jornalistas e corram riscos pessoais em nome do interesse público”.

“Se nos Estados Unidos os jornalistas podem ser enviados para a cadeia por fazerem o seu trabalho de forma ética, então não há repórter que esteja a salvo”, afirmou o secretário-geral da organização, Aidan White.

Recorde-se que, em comunicado emitido a 5 de Julho, a FIJ apelara à solidariedade para com ambos os jornalistas, explicando que todos os que quisessem demonstrar o seu apoio a Judith Miller poderiam deixar-lhe uma mensagem através do sítio da jornalista, enquanto o apoio a Matthew Cooper deveria ser endereçado para o e-mail letters@time.com.

Por seu turno, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) considerou a data de 6 de Julho como “um dia sombrio para a liberdade de imprensa nos Estados Unidos e em todo o mundo”, que abre “um precedente perigoso” e representa “uma violação grave da lei internacional”.

A RSF recordou que, como membro da Organização de Estados Americanos, os EUA deveriam cumprir o disposto no artigo 8º da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da Comissão Inter-Americana para os Direitos Humanos, onde se estipula que todo o jornalista tem “o direito a manter confidenciais as suas fontes de informação, apontamentos e arquivos pessoais e profissionais”.

Também o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) se revelou muito preocupado com a mensagem que esta condenação envia ao resto do mundo e lembrou que “regimes repressivos que prendem jornalistas regularmente já usaram este caso para justificar as suas acções”, dando como exemplo os Camarões e a Venezuela.

Em Dezembro de 2004, o governo venezuelano invocou este caso norte-americano para justificar a aprovação de uma lei que limitava a cobertura noticiosa em nome da preservação da ordem social.

No mês seguinte foi a vez das autoridades dos Camarões justificarem a prisão de um jornalista por difamação alegando que “tribunais de vários países decidiram diversas vezes que a protecção da liberdade de expressão não dá aos jornalistas o privilégio de se recusarem a divulgar as suas fontes em todas as circunstâncias”.

Judith Miller é a segunda jornalista a ser presa nos Estados Unidos, nos últimos sete meses, por defender o sigilo profissional. O primeiro caso foi o de Jim Taricani, da WJAR-TV, condenado a quatro meses de prisão domiciliária entre 9 de Dezembro de 2004 e 9 de Abril de 2005.

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