Jornalistas impedidos de cobrir tragédia de Beslan

Vários jornalistas foram impedidos pelas autoridades russas de cobrir a tragédia dos reféns na escola de Beslan, na Ossétia do Norte, o que motivou o protesto de diversas organizações de defesa da liberdade de imprensa.

“Esta tragédia tocou os corações de milhões de pessoas na região e os jornalistas deveriam poder fazer o seu trabalho livremente”, afirmou a 7 de Setembro o secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), Aidan White.

No total, as organizações detectaram três incidentes diferentes de jornalistas que tentaram chegar a Beslan mas foram detidos pelas autoridades, a que se junta o caso de Anna Politkovskaya, envenenada em circunstâncias suspeitas quando se encontrava em trânsito para o local, e a saída de Raf Shakirov do cargo de editor do “Izvestia”.

“Isto demonstra uma política de encobrimento sistemático das autoridades russas”, afirmou Aidan White, acrescentando que “prejudicar o trabalho dos jornalistas não inspirará a confiança do público”.

Opinião semelhante tem o Instituto Internacional de Imprensa (IPI), que diz que as autoridades russas parecem querer controlar a forma como se noticia a crise de reféns em Beslan, esquecendo-se de que “a censura não ajudará a garantir a não repetição deste terrível acontecimento”.

O envenenamento de Politkovskaya

A 1 de Setembro, a repórter russa Anna Politkovskaya foi impedida por duas vezes de entrar a bordo de um avião com destino a Rostov-on-Don, de onde planeava seguir para Beslan, para tentar negociar com os sequestradores, algo que já tinha feito em Outubro de 2002, aquando da tomada de reféns no teatro Dubrovka, em Moscovo.

Porém, quando estava já num voo para Rostov-on-Don, Anna Politkovskaya sentiu-se mal após ter bebido um chá no avião, tendo sido levada de urgência para o hospital assim que o avião aterrou.

Os médicos disseram que a jornalista do “Novaya Gazeta” tinha sido envenenada, o que de acordo com a repórter e os seus colegas só pode ter acontecido no avião, dado que não tinha comido nada antes da viagem.

Preferindo aguardar pelos resultados dos testes médicos antes de fazer qualquer declaração acerca do envenenamento da jornalista, o editor da “Novaya Gazeta, Dmitri Muratov, disse apenas que “é evidente que todos os jornalistas com qualquer autoridade no assunto checheno foram afastados do desenrolar dos acontecimentos em Beslan”, numa clara alusão ao que também aconteceu com Andrei Babitsky.

O hooliganismo de Andrei Babitsky

No primeiro dia deste mês, Andrei Babitsky, correspondente do serviço russo da Radio Free Europe/Radio Liberty, foi impedido pelas autoridades russas de sair do aeroporto de Vnukovo, em Moscovo, em direcção a Beslan, na Ossétia do Norte.

Segundo a imprensa russa, o primeiro artifício usado para impedir a viagem do jornalista foi uma detenção por suspeita de transporte de explosivos, a qual se revelou infundada.

Momentos depois o repórter foi abordado por dois homens que, alegadamente, foram contratados para iniciar uma briga com Andrei Babitsky, que em virtude disso viria a ser condenado a cinco dias de prisão por hooliganismo.

O jornalista foi libertado a 4 de Setembro, depois de um recurso interposto pelo advogado, mas foi obrigado a pagar uma multa de mil rublos e continua a ser alvo da acusação de distúrbios.

O incidente diplomático com a Geórgia

Outra das detenções das autoridades russas provocou um incidente diplomático com a vizinha república da Geórgia, uma vez que envolveu dois jornalistas da emissora georgiana Rustavi 2.

A 4 de Setembro, Nan Lezhava e Levan Tetvadze foram detidos, viram a sua câmara, cassetes de vídeo, documentos e telemóveis confiscados pelas autoridades e acabaram acusados de cruzar a fronteira russa ilegalmente, por não possuírem o visto necessário.

No entanto, ao abrigo de um acordo entre a Rússia e a Geórgia, os jornalistas da Rustavi 2 podiam entrar na Rússia sem visto, uma vez que residem na região fronteiriça de Kazbegi, cujos habitantes não precisam de nenhuma autorização especial para entrar na Ossétia do Norte.

Em declarações ao Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), o presidente da Associação Independente de Jornalistas Georgianos, Zviad Pochkhua, disse que a equipa da Rustavi 2 continuava detida em Vladikavkaz, capital da Ossétia do Norte.

A detenção do chefe da delegação em Moscovo da Al-Arabiya

Quando regressava de Beslan para Moscovo, a 7 de Setembro, Amro Abdel Hamid, chefe de delegação do canal por satélite árabe Al-Arabiya, foi detido pelas autoridades russas no aeroporto de Mineralniye Vody.

Segundo a cadeia televisiva, o jornalista egípcio, mas com passaporte russo, foi preso por ter sido encontrada uma bala entre os seus pertences. Amro Abdel Hamid afirma que esta terá sido colocada sem o seu conhecimento.

A “demissão” de Raf Shakirov

Também a 7 de Setembro, o editor do diário “Izvestia” Raf Shakirov saiu do cargo por divergência editorial com a Profmedia, empresa editora do jornal, a qual considerou que a cobertura da tragédia de Beslan tinha sido demasiado “emocional”.

O diário apresentou fotografias de página inteira de reféns mortos, foi um dos primeiros órgãos a colocar o número de reféns acima dos mil, quando Moscovo garantia que estes não passavam de 300, e foi muito crítico com a gestão que Vladimir Putin fez da crise e com a cobertura dada ao assunto pela televisão estatal russa.

Raf Shakirov alega ter sido forçado a demitir-se pelos donos da empresa, entre os quais está Vladimir Potanin, empresário com ligações próximas ao Kremlin.

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