Jornalistas do DN preocupados com credibilidade do diário

Os problemas internos no “Diário de Notícias” agravaram-se no dia 26, sendo já públicos os desentendimentos entre a redacção, a direcção e a administração sobre o modo como o jornal tem vindo a funcionar e as causas da sua desacreditação junto dos leitores.

Em plenário realizado a 26 de Outubro, a redacção do DN aprovou uma moção em que exige às actuais administração e direcção “a necessária e urgente clarificação da actual situação do DN”, de forma a ficarem garantidas “as condições de isenção, credibilidade e de jornalismo de qualidade que devem caracterizar um jornal de referência”.

A moção dá conta da preocupação dos jornalistas face ao impacto negativo das notícias sobre o DN junto dos leitores e rejeita “quaisquer tentativas de instrumentalização governamental, empresarial e partidária que possam comprometer a especificidade do produto jornalístico”.

Denunciando a subalternização que assuntos polémicos tiveram no diário – caso da partida de Durão Barroso para Bruxelas, da demissão do director nacional da Polícia Judiciária, da vinda a Portugal do “barco do aborto” e das contradições públicas do actual primeiro-ministro – o texto rejeita a possibilidade do DN ser “alvo de jogos políticos, económicos e outros, directos ou indirectos, que nada têm a ver com a finalidade de propósitos consagrada no seu Estatuto Editorial”.

A moção apresentada pelo Conselho de Redacção mostra-se também preocupado com a descida do DN em vendas e audiência, assinalando que a situação é “fruto de sucessivas decisões editoriais e de gestão erradas” que têm conduzido à “perda de qualidade editorial do DN, patente na elaboração de muitas primeiras páginas”, e revela-se inquieto por um dos primeiros actos de gestão da nova administração ter sido a abertura de um processo de rescisões.

O plenário realizou-se após uma reunião do Conselho de Redacção com os administradores Luís Delgado e Mário Bettencourt Resendes, solicitada na sequência da divulgação, no dia 25, de um comunicado da jornalista Clara Ferreira Alves em que esta afirma ter recusado o convite para directora do DN. Nesta reunião, Luís Delgado garantiu que a administração se encontra a trabalhar na procura da melhor solução para suceder ao actual director, Fernando Lima, mas não avançou nomes para a direcção do jornal.

Entretanto, na última página da edição de dia 27, a direcção do DN publica uma nota em que reafirma que o jornal informa os seus leitores “no respeito por princípios de rigor e de ética”.

É o seguinte o texto, na íntegra, do comunicado do Conselho de Redacção do Diário de Notícias:

Comunicado

1. Os membros eleitos do Conselho de Redacção, confrontados com a inacreditável sucessão de acontecimentos que têm posto o Diário de Notícias na primeira linha da actualidade informativa, pelos piores motivos, manifestam por este meio a sua extrema preocupação pela situação do jornal, que tende a desacreditar-se irreversivelmente perante a opinião pública por razões alheias à vontade, à intervenção e à actuação dos seus jornalistas.

2. A Direcção do DN tem sido reiteradas vezes «demitida» na praça pública, sem uma palavra de esclarecimento, através dos canais internos, da recém-nomeada administração do jornal nem qualquer esboço de reacção visível da equipa directiva que entrou em funções há menos de um ano. Uma situação totalmente inaceitável pela profunda instabilidade que causa na Redacção, além dos reflexos negativos no exterior.

3. É indesmentível o clima de contínua desmotivação da Redacção perante a evidente degradação da capacidade interventiva da Direcção na elaboração diária do jornal, com naturais reflexos em toda a cadeia hierárquica. Esta situação levou já a que, no dia 2 de Outubro, não houvesse sequer um elemento da estrutura de comando do DN, em Lisboa, a supervisionar em tempo útil a edição do jornal — facto inédito e lamentável.

4. É evidente a perda de qualidade editorial do DN, patente na elaboração de muitas primeiras páginas. Registe-se, a título de exemplo, que a manchete de 21 de Setembro — dia que, segundo o Governo, devia ter assinalado o arranque do novo ano lectivo — era «Exército russo abre caça aos terroristas na Chechénia», enquanto os restantes jornais, as rádios e as televisões davam naturalmente o maior realce ao caos gerado nas escolas portuguesas.

5. É inaceitável a subalternização que temas polémicos, como a partida de Durão Barroso para Bruxelas, a demissão do director nacional da Polícia Judiciária, a vinda a Portugal do «barco do aborto» e as sucessivas contradições públicas em que caiu o actual primeiro-ministro tiveram nas páginas de maior destaque do Diário de Notícias.

6. É incompreensível que notícias relevantes inseridas no interior do DN, várias das quais em primeira mão, não tenham merecido qualquer chamada à capa do jornal. Alguns exemplos: «Portugal pode proibir entrada do barco do aborto» (edição de 24 de Agosto), que viria a ser manchete em todos os órgãos de informação nos dias seguintes; «Santana Lopes admite discutir a Lei do Aborto» (edição de 2 de Setembro, manchete do Público desse mesmo dia); «António Guterres próximo do Palácio de Belém» (edição de 3 de Outubro, manchete do Expresso no sábado seguinte).

7. É motivo de grande preocupação a contínua descida do Diário de Notícias em vendas e audiência, como testemunham os dados relativos ao último semestre. O CR, interpretando a vontade de todos os jornalistas do DN, não se conforma nem se resigna com esta situação, fruto de sucessivas decisões editoriais e de gestão erradas, que há mais de dois anos vêm sendo denunciadas nos comunicados deste Conselho.

8. É irrefutável a incapacidade que o DN vem revelando de atrair novas gerações de leitores, ao contrário de outros títulos da imprensa portuguesa. Lamenta-se que todas as sugestões transmitidas pelo CR à Direcção com o objectivo de contrariar esta tendência — nomeadamente através da renovação do obsoleto painel de colaboradores, dos métodos de trabalho anquilosados e da própria linguagem do jornal — não tenham, até ao momento, sido acolhidas pela Direcção.

9. É sintomático que a Direcção do Diário de Notícias tenha afirmado em, nota de última página publicada na edição de 22 de Outubro, «respeitar as razões» que levaram Vasco Pulido Valente — sem dúvida o melhor e mais influente dos nossos colunistas, cuja colaboração já se anuncia para as páginas do nosso concorrente mais directo — a sair do DN. A aparente resignação que a Direcção revelou neste caso, contrariando o sentir de todos os jornalistas do DN, é só por si esclarecedora de um estado de espírito contrário à necessidade de inverter a curva descendente do jornal.

10. É insustentável que, ao fim de três anos, o processo de promoções internas na Redacção permaneça virtualmente congelado, frustrando as mais legítimas expectativas dos jornalistas, perante uma incompreensível apatia da Direcção, apesar de todos os alertas já tornados públicos pelo CR.

11. É preocupante que um dos primeiros actos de gestão da nova Administração tenha sido a abertura de um processo de «rescisões amigáveis», com o objectivo declarado de dispensar mais jornalistas, à semelhança do ocorrido em 2002, que em nada contribuiu — antes pelo contrário — para a resolução dos graves problemas estruturais que têm acelerado a degradação do Diário de Notícias.

12. É totalmente inaceitável que o Diário de Notícias — título histórico e prestigiado da imprensa portuguesa — seja alvo de jogos políticos, económicos e outros, directos ou indirectos, que nada têm a ver com a finalidade de propósitos consagrada no seu Estatuto Editorial e ameaçam manchar irreversivelmente a celebração dos 140 anos de existência do jornal, a decorrer dentro de escassas semanas.

13. O CR aproveita para sublinhar o profissionalismo revelado pelos jornalistas do DN ao longo desta crise, que se tornou verdadeiramente insustentável. Só este esforço tem permitido que os reflexos da crise não sejam ainda mais óbvios nas páginas do jornal.

14. O Conselho de Redacção pediu hoje mesmo, com carácter de urgência, uma reunião com os administradores Luís Delgado e Mário Bettencourt Resendes, para a abordagem destas questões. Assim que esta reunião se concretize, os jornalistas do DN serão informados sobre o seu conteúdo em plenário a convocar pelo CR.

Lisboa, 26 de Outubro de 2004

Ilídia Pinto, João Morgado Fernandes, Madalena Esteves, Paula Sá, Pedro Correia, Vítor Sequeira Martins.

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