«Jornalista não deve fazer política»

Em editorial intitulado «Não, um jornalista não deve fazer política», inserido no Público de 2 de Fevereiro de 2002, António Granado emitiu a opinião de que «o jornalista que assume um papel de actor perde, perante os seus leitores e as fontes de informação, a isenção com que deveria por eles ser encarado».

O presidente do Sindicato dos Jornalistas é candidato pelas listas da CDU no distrito do Porto. A notícia soube-se anteontem e, de imediato, se fizeram sentir por todas as redacções ecos de desaprovação. Alguns jornalistas decidiram mesmo pôr fim à sua inscrição no Sindicato dos Jornalistas, por acharem que Alfredo Maia nunca deveria ter tomado esta opção sem antes ter suspendido a sua actividade profissional.

Sabe-se agora — eu, pelo menos, sei-o apenas agora, e muitos dos meus camaradas certamente também — que Alfredo Maia sempre foi deputado municipal e que, nessa condição, participou em diversas direcções do sindicato. O presidente do conselho deontológico do sindicato, Oscar Mascarenhas, diz hoje neste jornal que «não há nenhum problema ético na sua intervenção política». A ex-presidente do sindicato, Diana Andringa, afirma que «não há qualquer incompatibilidade entre ser jornalista e ser deputado». O que se passa então? Estarão os jornalistas que se desvincularam do sindicato completamente enganados? Como é que dois destacados dirigentes sindicais fazem afirmações destas? O que dizer dos livros de estilo de diversos jornais do mundo, que proíbem expressamente a actividade política dos seus jornalistas? Estará o Livro de Estilo do Público equivocado, quando advoga que o jornalista deve recusar «cargos e funções incompatíveis com o estatuto do jornalista, como ligações governativas ou ao poder autárquico (…) Enfim, quaisquer vínculos aos poderes estabelecidos, privados e oficiais»?

Não, o que diz o Livro de Estilo do Públiico não está errado, por mais dirigentes ou ex-dirigentes sindicais que tenham opiniões contrárias. Aliás basta citá-lo outra vez, para perceber a razão porque o jornalista não deve ter quaisquer ligações que possam manchar a sua imagem de independência, ou lhe possam vir a causar situações de conflito de interesse: «Não se pretende que o jornalista seja neutro ou indiferente face aos debates e clivagens que atravessam a sociedade, ou que, hipocritamente, esconda as suas preferências e afinidades. Trata-se apenas de reconhecer que o jornalista que por dever de consciência assume um papel de actor sobre determinado assunto perde, perante os seus leitores e as fontes de informação, a isenção com que deveria por eles ser encarado. Isto acontece, para além da vontade e da capacidade do jornalista de permanecer isento.»

Não é a primeira vez que o Sindicato dos Jornalistas ou os seus dirigentes tomam posições completamente contrárias à opinião generalizada da classe. Cada vez que isso acontece — veja-se ocaso do «off the record» do jornal Record, ou a opinião de que os estagiários deveriam passar pelas redacções e não fazer quaisquer trabalhos –, um grupo de jornalistas decide abandonar o sindicato, tornando-o cada vez menos representativo da classe. Um destes dias, seguramente, as formas colectivas de organização dos jornalistas vão voltar à discussão.

Texto reproduzido com a autorização do autor

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