Esclarecimento sobre o trabalho em diferentes órgãos de informação

Tendo conhecimento de que algumas empresas jornalísticas estão a exigir aos repórteres ao seu serviço que prestem trabalho para outras publicações além daquela a cujo quadro redactorial pertencem, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) divulgou o esclarecimento que a seguir se transcreve na íntegra.

O exercício em mais do que um órgão de informação

Em face da informação de que algumas empresas jornalísticas estão a exigir a jornalistas, em alguns casos invocando as normas do próprio Estatuto da profissão, que prestem trabalho para outras publicações além daquela a cujo quadro redactorial pertencem, especialmente quando são enviados em serviço de reportagem, esclarece-se o seguinte:

1. A questão a dilucidar é a seguinte: a prestação de trabalho em simultâneo para mais do que um órgão de informação pertencente à mesma empresa ou ao grupo onde esta se insere é uma obrigação contratual do jornalista? Insere-se esta obrigação no direito de utilização da obra atribuído às empresas pelo artº 7º-B do Estatuto do Jornalista (EJ)?

Vejamos,

2. O Artº 7º A do EJ (redacção dada pela Lei nº 64/2007, de 6 de Novembro) consagra a protecção das obras criadas pelos jornalistas, corolário da liberdade de criação e expressão conferida pela Constituição e pela lei a estes profissionais.

3. Nessa medida, os artigos, as entrevistas e as reportagens, exteriorizadas através de texto, som, imagem, desenho ou por difusão electrónica) que não se limitem ao relato de simples acontecimentos e não assumam o carácter de simples informações, são consideradas obras de criação intelectual e como tal protegidas pelo direito de autor.

4. A protecção das obras dos jornalistas faz-se segundo as regras fixadas no Código do Direito de Autor (CDA) com a especialidade introduzida pelo EJ.

5. Segundo o CDA, o direito de autor comporta, entre outras, três garantias fundamentais:

– o direito que o autor tem de assinar ou identificar com o seu nome profissional as obras de sua criação e de, a todo o tempo, reivindicar a respectiva autoria;

– o direito que o autor tem de se opor a toda e qualquer mutilação, deformação ou outra modificação da sua obra e a todo e qualquer acto que a desvirtue ou possa afectar a sua honra e reputação;

– o direito exclusivo conferido ao criador da obra de decidir da utilização desta.

6. Sucede que o EJ introduziu, para os jornalistas com relação de trabalho subordinado, uma derrogação quanto a estas três garantias que afastam o jornalista da protecção legal conferida aos outros criadores.

7. Diz o Artº 7º A do EJ que os jornalistas não podem opor-se a modificações formais das suas obras feitas por jornalistas que desempenhem funções como seus superiores hierárquicos na mesma estrutura de redacção, desde que ditadas por necessidade de dimensionamento ou correcção linguística, permitindo-lhe a lei que o seu nome não fique associado a uma peça jornalística modificada de tal modo que não merece a sua concordância ou na qual não se reveja.

8. Ou seja, os jornalistas que mantenham uma relação de trabalho subordinado, pois só estes têm uma estrutura hierárquica, não podem opor-se a alterações formais feitas nas suas obras pelos jornalistas que os coordenam ou chefiam dentro da respectiva redacção, restando-lhe apenas o direito de retirada do nome.

9. No entanto, como parece resultar claro da lei, qualquer alteração à obra jornalística, com os fundamentos referidos, só é lícita se:

– tiver apenas como fundamento a necessidade de redimencionamento e a mera correcção linguística;

– for feita exclusivamente por jornalistas (e não qualquer outro profissional) da estrutura hierárquica da redacção a que o jornalista está vinculado;

– for feita sempre antes da primeira publicação;

– for feita com audição prévia do jornalistas para que este possa decidir se retira ou não a sua identificação;

– a modificação não afectar o bom nome ou reputação do jornalista.

10. Por outro lado, o Artº 7º B do EJ garante aos jornalistas, incluindo os assalariados a que a utilização (além da primeira utilização) das suas obras e a fixação da respectiva remuneração autónoma, sejam por eles acordadas e fixadas em disposições contratuais específicas.

11. Porém, o mesmo preceito introduz nova derrogação que afasta esse princípio fundamental, ao dizer que se considera incluído no objecto do contrato de trabalho o direito de utilização de obra jornalística protegida, para fins informativos e pelo período de 30 dias contadas desde a primeira disponibilização ao público, em cada um dos órgãos de comunicação e respectivos sítios electrónicos, detidos pela empresa ou grupo económico a que os jornalistas se encontrem contratualmente vinculados.

12. Isto é, o jornalista quando celebra (ou já celebrou) contrato de trabalho com empresa de comunicação social autoriza (autorizou) por esse acto que as obras jornalísticas produzidas no âmbito do mesmo sejam utilizadas sem qualquer pagamento adicional ao autor, durante 30 dias após a primeira publicação, em cada um dos órgãos de comunicação detidos pela empresa, pois considera-se que todas essas utilizações estão já remuneradas pelo salário contratual.

13. Embora o nº 3 do artº 7º B do EJ refira, para efeitos de aplicação do referido nos dois pontos anteriores, a utilização em cada um dos órgãos de comunicação detidos pela empresa ou grupo económico a que os jornalistas se encontrem contratualmente vinculados, entendemos que o direito de utilização sem remuneração pelo prazo de 30 dias, só se aplica aos órgãos da empresa, uma vez que os jornalistas não se encontram contratualmente vinculados a um grupo económico (salvo se algum deles estiver sujeito a um contrato de trabalho com pluralidade de empregadores).

14. Em síntese, o que o EJ permite à empresa é que possa reutilizar em cada um dos órgãos de que for proprietária, durante 30 dias, as obras dos jornalistas já fixadas e publicadas originalmente no órgão a cujo quadro estes pertençam.

15. Mas, uma coisa é o jornalista ter produzido uma obra para ser publicada no seu órgão de informação e o seu empregador ter a possibilidade de a reutilizar noutro órgão tal como ela saiu na primeira publicação, outra coisa é o jornalista ser obrigado a trabalhar em simultâneo para mais do que um órgão de informação e produzir trabalhos diferentes.

16. Ora, esta segunda obrigação não está conferida em qualquer norma do EJ nem de qualquer outro diploma.

17. Pelo contrário, é possível extrair, como valor imanente aos princípios e normas consagrados no EJ (v.g. direito de participação, vinculação ao estatuto editorial, protecção do sigilo profissional, interferência na própria criação da obra), a garantia de que deve existir uma estreita ligação do jornalista ao “seu” órgão de informação, no sentido de assegurar mais eficazmente a liberdade de informação.

18. Esta garantia tem, aliás, expressão concreta em dois instrumentos de regulamentação colectiva outorgados pelo SJ, o que indica serem os próprios empregadores a reconhecer a necessidade de salvaguardar tal valor.

19. Com efeito, o CCT para os jornalistas da Imprensa, celebrado entre o SJ e a Associação Portuguesa de Imprensa, na sua Clª 29ª, refere que “os jornalistas não podem ser obrigados a trabalhar para órgão de informação diferente daquele a cujo quadro pertençam, mesmo quando a respectiva entidade patronal seja proprietária de outro ou outros órgãos de comunicação” (ressalva-se a colaboração no suporte digital do órgão a que o jornalista pertence, desde que a mesma não assuma carácter definitivo nem diminua a posição do jornalista).

20. Também o CCT para o sector da Radiodifusão, celebrado entre o SJ e a Associação Portuguesa de Imprensa refere, na sua Clª 5ª, que é vedado às empresas obrigar os jornalistas a trabalhar para órgão de informação diferente daquele a cujo quadro pertencem, sem o seu acordo expresso, salvo se à data da entrada em vigor do CCT já vinham trabalhando para mais do que um órgão.

21. Em síntese:

– Em sentido geral e não o referindo expressamente, o quadro normativo vai no sentido de reforçar a relação do jornalista com o respectivo órgão de informação, como forma de garantir a liberdade de informação, o que impõe às empresas o dever de se absterem de praticar actos que imponham o trabalho simultâneo em dois ou mais órgãos de que sejam proprietárias;

– os jornalistas abrangidos pelos dois contratos de trabalho referidos não são obrigados, por norma convencional expressa, a trabalhar para órgão diferente a cujo quadro pertencem.

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