A propósito de um caso em que o ministro Armando Vara desmentiu a informação que ele próprio veiculou junto da Rádio Renascença, o Conselho Deontológico elaborou uma recomendação em que defende o princípio da confidencialidade das fontes, mesmo quando estas se manifestam traiçoeiras e manipuladoras. E explica porquê.
1. Segundo a versão unânime de repórteres e responsáveis da Rádio Renascença, no dia 6 de Dezembro de 2000, quando as atenções se centravam no pedido de demissão do ministro António Costa, em conflito com o secretário de Estado Ricardo Sá Fernandes, o ministro Armando Vara terá dito a um jornalista da Rádio Renascença que também contemplava a hipótese de se demitir. Interrogado sobre se poderia ser dada tal notícia, o ministro terá autorizado, sob condição de se referir «fonte próxima do gabinete».
2. O repórter da Rádio Renascença, aconselhado por um seu camarada, não avançou com a notícia sem que um terceiro companheiro de redacção tivesse contactado telefonicamente o ministro, para confirmar a informação. Neste contacto, o governante terá confirmado a informação, indo mais longe, lendo o teor da carta de demissão já escrita. De novo o ministro terá insistido na exigência de na notícia ser referida a «fonte próxima do gabinete».
3. Com esta confirmação, a Rádio Renascença avançou com a notícia, referindo-se, como prometido, a «fonte próxima do gabinete» do ministro Armando Vara.
4. Outros órgãos de informação, com investigação autónoma, deram a mesma informação.
5. No dia seguinte, o ministro Armando Vara desmentiu formalmente as notícias.
6. Indignada, a Direcção da Rádio Renascença entendeu esclarecer o público das suas razões para ter noticiado. Antes, porém, procurou aconselhar-se junto do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas. O elemento do Conselho Deontológico contactado, sublinhando que apenas se pronunciaria genericamente sobre o tema e não concretamente sobre o caso, disse à Rádio Renascença, no essencial, o seguinte:
– que o Conselho Deontológico desaconselha vivamente a revelação de fontes confidenciais de informação porque descredibiliza futuros compromissos de confidencialidade que os jornalistas queiram assumir com as suas fontes, além de ser muito difícil a prova do que se afirma, já que ficam em confronto a palavra da fonte e a do jornalista;
– a credibilidade da informação veiculada é da responsabilidade do jornalista, que tem de a assegurar;
– no entanto, o Código Deontológico do Jornalista, permite, no seu n.º 6, a revelação de uma fonte confidencial se esta tentar usar o jornalista «para canalizar informações falsas».
7. Na informação radiofónica em que identificou o ministro Armando Vara como a sua fonte confidencial para aquela notícia, a Rádio Renascença fez referência à opinião do membro do Conselho Deontológico contactado, omitindo, no entanto, o desaconselhamento de princípio quanto à identificação de fontes confidenciais.
8. Assumindo como exacta a versão dos factos apresentada por repórteres e responsáveis da Rádio Renascença, o Conselho Deontológico não pode deixar de reconhecer o direito daquela estação emissora sentir-se indignada com o desmentido do ministro que, neste quadro, terá tentado usar os jornalistas para lançar um «balão de ensaio» para averiguar da solidez da sua situação no Governo.
9. O Conselho Deontológico regista ainda positivamente o facto de a Rádio Renascença ter procurado aconselhar-se antes de tomar a iniciativa de identificar a fonte confidencial e ainda o facto de a estação ter assumido institucionalmente a denúncia da fonte, sem expor jornalistas individualmente considerados, o que representa uma saudável sintonia e solidariedade.
10. Ainda assim, e mesmo atendendo à especificidade do caso e ao estratagema grosseiro que foi denunciado, o Conselho Deontológico reafirma os danos que uma denúncia de fonte confidencial acarreta para os jornalistas e para o jornalismo:
– em primeiro lugar, porque jamais obterá o consenso entre os jornalistas, uma vez que haverá sempre quem defenda – e com fortes razões para o fazer – que é preferível ser traído por uma fonte do que dar a imagem que se pode quebrar um compromisso de confidencialidade;
– em segundo lugar, porque enfraquece as garantias futuras de confidencialidade de fonte, sabendo-se que o recurso às fontes confidenciais, protegidas pelos jornalistas contra todas as eventualidades, é essencial para uma informação livre ao serviço da cidadania;
– em terceiro lugar, porque, tratando-se de fonte confidencial, é muito difícil, noutras instâncias, fazer a prova do que se afirma quando se denuncia essa fonte, já que se está em presença de palavra de um contra palavra de outro;
– em quarto lugar porque, como no caso presente, se arrisca a uma comprometedora revelação de um bastidor de informação, como é esse de se ficar a saber que um órgão de informação aceita que um ministro se «disfarce» de «fonte próxima do gabinete»; por muito useiro e vezeiro que seja tal expediente, a opinião pública poderá ser tentada a entender que todas as «fontes próximas dos gabinetes» são os próprios ministros – o que é manifestamente injusto para estes – ou que qualquer voz anónima se pode identificar como «fonte próxima de gabinete» – o que desacreditará o jornalismo.
11. Como proceder, então, quando uma fonte é manifestamente traiçoeira e atinge, com o seu desmentido, a credibilidade do órgão de informação? Como «desmentir um desmentido»? A resposta é: colocar na mesa a credibilidade granjeada pelo órgão de informação, enfrentando olhos nos olhos o seu público – e reafirmar o que foi publicado. Em lugar de percorrer os sinuosos e controversos caminhos da revelação de bastidores da informação, é aconselhável que o órgão de informação que está seguro do que publicou e indignado com a origem do desmentido se limite a reafirmar o que publicou, sem acrescentar mais nada. O público saberá imediatamente o que pensar.