Dr. Raul Esteves: «Quem ganha é a justiça»

O texto integral da intervenção proferida pelo Presidente do Movimento Justiça e Democracia, dr. Raul Esteves, dia 2 de Abril, na Universidade Católica, na sessão de abertura do curso «A Justiça e o Jornalismo Judiciário».

Nota de Abertura dos Trabalhos do 1º Curso de Jornalismo Judiciário

Exmo. Sr. Professor Doutor Germano Marques da Silva, Director da Faculdade de Direito da Universidade Católica

Exmo. Sr. Alfredo Maia, Presidente do Sindicato dos Jornalistas

Exmo. Sr. Dr. Fernando Cascais, Presidente do Cenjor

Exmos. Srs. Formadores e Formandos

Informaram-me que teria a honra de usar da palavra no início dos trabalhos deste curso de jornalismo judiciário.

Logo eu, uma pessoa que não sabe comunicar.

Olhar para os senhores chega para me aterrorizar.

Mas penso que terei de me explicar melhor.

Chamo-me Raúl Esteves, sou o Presidente do Movimento Justiça e Democracia e sou Juiz, vai já para 17 anos.

Integro de corpo e alma aquilo que alguém já apelidou como “ a mais intrigante instituição do Estado Moderno” : Os Tribunais.

Nunca tive que falar para ninguém. Sempre me pediram sabedoria, rigor e isenção, mas nunca me pediram para explicar o que fazia.

Penso ter sido até hoje um bom juiz.

E continuaria a sê-lo, se não fossem V. Exas.

A comunicação social pretende iluminar o nosso canto, ver e mostrar o que acontece na nossa casa.

Obriga-nos a trabalhar expostos.

A organização judiciária é uma estrutura fechada sobre si mesmo, onde cada operador forense desempenha as suas tarefas, ritualizadas e padronizadas, onde a realidade entra e logo é avidamente transformada, trabalhada, ajustada e seleccionada por todos, até ser expelida para a sociedade sob a forma de sentença.

O que se passou nessa obscura máquina não foi objecto de controle por parte dos cidadãos.

Foi-o, certamente por parte do sistema, que tem os seus advogados, o seu ministério público e as suas instâncias de recurso.

O que transita em julgado é para sempre. E não adianta recorrer depois do trânsito em julgado, como disse um vosso colega num jornal diário.

Mas se a certeza jurídica se basta com o trânsito em julgado, a certeza social não.

Acreditar na justiça é acreditar no seu sistema e ou se trata de uma questão de fé, e o juiz disse, está dito, ou teremos que explicar o que aconteceu até o juiz dizer o que disse.

Tudo bem. Não somos mágicos nem fazemos magia.

Vamos explicar o que fazemos.

A ideia deste Curso de Jornalismo Judiciário não representou nada de transcendental.

Depois do último Congresso dos Juízes, onde a comunicação social foi objecto de duras críticas – muitas com razão, diga-se –, entendeu o M.J.D. em colaboração com a Universidade Católica, o Sindicato dos Jornalistas e o Cenjor, fazer aquilo que se impunha fazer.

Revelar, através dos operadores forenses num trabalho interdisciplinar, os cantos da casa.

Serão levados a visitar todas as peças desta engrenagem, ser-vos-ão revelados os segredos da estrutura judicial, ficarão a conhecer o que cada um faz, o que se espera que cada um faça, os códigos que utilizam.

E são os códigos que mais nos preocupam, a linguagem jurídica não é uma linguagem de assimilação fácil.

Não pretendemos insistir na deontologia profissional dos Srs. Jornalistas, os Juízes formadores deste curso sabem que os senhores sabem como haverão de agir.

Dizia um humorista dos finais do Século XIX – Georges de la Fouchardidière – (in Follier, Joseph, “Tu seras journaliste”, Lyon, 1961) que havia três formas de um homem se perder : “com as mulheres, o jogo e a imprensa. A primeira a mais agradável, a segunda a mais rápida e a terceira a mais segura” – citado pelo Juiz João Luís de Moraes Rocha, in Sub Judice nº 15/16, pág. 57

E ainda não havia a televisão.

O poder de V. Exas. fará irremediavelmente perder qualquer homem.

O cuidado que terão de depositar para que isso não suceda sem uma razão é imenso.

Mas, o que nos preocupa verdadeiramente, é que se a perdição for através da noticia forense então que seja transmitida com rigor e com ética.

Agradeço a vossa participação neste curso e espero que o mesmo esteja à altura das expectativas.

O M.J.D. é uma jovem estrutura de juízes, tem vindo a participar activamente no seio da classe para modificar comportamentos e ajudar a levar a magistratura judicial para o novo milénio. Actualmente, e em resultado da sua participação nos actos eleitorais dentro da classe, pode dizer que representa já cerca de 40% dos juízes portugueses. Em Dezembro último constituiu-se como pessoa colectiva e este curso de jornalismo, bem como a publicação mensal do jornal “Comunicar Justiça”, são as suas primeiras iniciativas viradas para o exterior.

Se este curso tiver êxito, eu e os meus colegas, pensamos que talvez possamos continuar a ser bons juízes.

O que fizermos daqui para a frente, será percebido e explicado por jornalistas sabedores, e se o não fizermos bem feito, será criticado, só que agora com mais rigor. E quem ganha é a Justiça, e todos os que a servem .

Muito obrigado

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