Declarações de Almerindo Marques adensam mistério sobre situação na RTP

Almerindo Marques, falando perante a Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, afirmou que a RTP teria “graves problemas” se a colocação de correspondentes no estrangeiro resultasse da classificação ordinal dos jornalistas concorrentes aos lugares a preencher. O presidente do Conselho de Administração da RTP escusou-se a clarificar as suas palavras, a menos que a audição decorresse sem a presença de jornalistas. Os deputados não chegaram a consenso quanto a essa possibilidade e o mistério ficou por esclarecer.

Ao invés de esclarecer os motivos que levaram à demissão da equipa da Direcção de Informação liderada José Rodrigues dos Santos, a ida de Almerindo Marques à Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, a 22 de Novembro, confundiu ainda mais a opinião pública, ao trazer à colação um alegado “grande sarilho” que seria gerado se tivesse sido respeitado o resultado do concurso para correspondentes.

“Se a administração fosse levada a aceitar uma classificação ordinal (nos concursos), isso criaria problemas com outros correspondentes” e “levaria a que se gerassem ódios dentro da empresa”, disse Almerindo Marques na sua intervenção inicial. Mais tarde acrescentou que “se aceitássemos classificações ordinais, tal criaria um grande sarilho na RTP” e referiu a possibilidade de “demissões” na empresa. Para mais esclarecimentos – disse – a sessão teria de prosseguir à porta fechada, o que não foi possível devido à falta de consenso dos deputados nesse sentido.

À parte este intrigante episódio, Almerindo Marques cingiu-se à argumentação do Conselho de Administração (CA) da televisão pública sobre os critérios para a escolha do correspondente em Madrid.

Um acto de gestão

A Administração não ratificou o critério hierarquizado (do primeiro ao quarto lugar) porque “o único critério válido” é o da distinção “entre jornalistas aptos ou não aptos” disse Almerindo Marques, acrescentando que “a Administração entende que, ressalvados os critérios jornalísticos, a nomeação de um jornalista (para um posto de correspondente) deve também obedecer a critérios complementares, que são elementares e que se prendem com a gestão de recursos humanos”.

O presidente do CA acrescentou ainda que os critérios da Direcção de Informação – perfil psicológico do candidato, produtividade, análise qualitativa, versatilidade, conhecimento do candidato e apetência para o lugar – foram “escrupulosamente respeitados”, sublinhando no entanto que tais critérios foram complementados pela administração com objectivos de “gestão de pessoal” e de “representação da empresa” no exterior.

Almerindo Marques garantiu igualmente nunca terem existido interferências da gestão nas competências editoriais da Direcção de Informação da RTP e negou quaisquer pressões por parte do poder político.

Também o administrador da RTP Luís Marques, falando perante a Comissão, defendeu a tese de que a nomeação de correspondentes é “um acto de gestão da empresa”, desde que salvaguardados os critérios editoriais.

Para Luís Marques, a questão do concurso de Madrid “não era das mais delicadas”, sobretudo tendo em conta que, nos últimos dois anos “foram ultrapassadas situações mais difíceis”. Na opinião deste administrador da RTP “não houve violação do concurso, até porque não há qualquer regulamento escrito em vigor” para a colocação dos correspondentes.

Luís Marques acrescentou ainda que foi a Administração da RTP a pedir à Direcção de Informação uma proposta de regulamento interno, a qual foi entregue em Outubro “pelo próprio Rodrigues dos Santos e em que se reconhece a competência da administração para complementar processos de nomeação de correspondentes”.

Contradições

As explicações de Almerindo Marques e Luís Marques não convenceram os deputados da oposição. O deputado do PCP António Filipe considerou estranho que se tivesse realizado um concurso “para depois o resultado dar em nada”, concluindo que o CA da estação pública “criou um ambiente absolutamente insustentável para a direcção de informação da RTP continuar em funções”, como de resto denota o facto de nem sequer der dado conhecimento a Rodrigues dos Santos das opções feitas.

Recorda-se que o ex-Director de Informação soube da escolha da administração para correspondente em Madrid “através de um edital”.

O deputado socialista e ex-secretário de Estado da Comunicação Social Arons de Carvalho lembrou por seu turno que, “desde sempre, a colocação de correspondentes da RTP era da competência da direcção de informação”, salvo no respeitante às nomeações para países de expressão oficial portuguesa.

Quanto a Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, questionou “como é possível o presidente do Conselho de Administração da RTP referir que não quer ordenação de jornalistas e depois dizer aqui, no Parlamento, que o quarto classificado ficou próximo da classificação do segundo em matéria de qualidade jornalística”. Para Louçã, o que Almerindo Marques disse na Comissão “é que nesse concurso de Madrid se subverteram os critérios editoriais para prevalecer a lógica da representação externa da empresa”.

Explicações pouco convincentes

No mesmo dia, a Comissão Parlamentar ouviu igualmente José Rodrigues dos Santos, que justificou a sua demissão com o facto de a Administração da RTP ter nomeado um correspondente para Madrid “contra a opinião da direcção de informação”.

“O Conselho de Administração estava a nomear uma pessoa não à revelia da Direcção de Informação mas contra a sua opinião”, disse Rodrigues dos Santos. “Se não posso escolher as pessoas que acho adequadas para determinada função não posso ter responsabilidades sobre esses conteúdos”, sublinhou o jornalista, para quem as explicações dadas pela Administração “não foram convincentes”.

Quanto à existência ou não de pressões, Rodrigues dos Santos foi vago. Questionado pelo deputado Gonçalo Capitão, do PSD, o jornalista respondeu: “Se uma pressão é quando alguém me diz ou fazes isto ou pode haver consequências, isso eu nunca senti”. “O que eu tive – e que qualquer direcção de informação tem – foram opiniões: esse tipo de opiniões é dado pelo Governo, pelo conselho de administração, pela oposição, pelos jornalistas”, acrescentou.

Partilhe