Conferência Nacional dos Jornalistas

Realizou-se hoje, 24 de Novembro, na Casa do Alentejo, em Lisboa, a Conferência Nacional dos Jornalistas “Jornalismo, Crises e Democracia”, com a participação de oito dezenas de profissionais das regiões Norte, Centro e Sul.

Convocada pelo Sindicato dos Jornalistas (SJ), a Conferência teve como temas “Os jornalistas e os media na crise e a crise nos media – causas, consequências e soluções”; Jornalismo, estado de necessidade e práticas profissionais – cedências e limites legais, éticos e deontológicos” e “Crise, ideologia e deveres do Estado – em defesa dos serviços públicos de comunicação social”.

Os trabalhos foram encerrados pelo presidente da Direcção, Alfredo Maia.

Intervenção de encerramento, por Alfredo Maia(*)

Começo por agradecer à Casa do Alentejo a generosa cedência deste espaço para a realização desta nossa Conferência.
Agradeço à Maria João, à Isilda e à Isaura o seu empenho nesta iniciativa e a dedicação à nossa causa – a causa dos jornalistas, que é também a sua.

Um agradecimento muito especial para os nossos camaradas Nuno Ivo, Humberto Costa e Pinto de Carvalho, que dedicaram generosamente o seu trabalho voluntário a esta iniciativa e à animação do sítio jornalistas.org.pt.

Saúdo todos os participantes – que são muitos mais do que os do costume –, não só pela resistência ao longo de todas estas horas de trabalhos sem intervalo, mas especialmente pelas contribuições aqui deixadas, com importante comunicações e achegas, observações, críticas, opiniões e propostas, que a Direcção da Sindicato dos Jornalistas vai analisar com toda a atenção.

Reconheço que tinha – e tínhamos – outras expectativas quanto a este encontro, tendo em conta a extensão e a intensidade dos problemas do sector nos últimos tempos; os ecos que nos chegam das críticas e propostas de jornalistas em vários espaços, e especialmente nas redes sociais; as erupções recentes de combatividade em várias redacções, de que foram expoente a Agência Lusa e o jornal “Público”; e outros focos de resistência, em várias redacções e empresas, de que eu próprio tenho sido testemunha.

Este encontro convocava a discussão, olhos nos olhos, dos problemas, de ideias, de propostas e de críticas, mesmo à acção do Sindicato, antes e depois do 4.º Congresso dos Jornalistas Portugueses, com cuja realização estamos comprometidos e que reconheço termos vindo a falhar.

Temos falhado, essencialmente porque não temos tido mãos a medir face à imensidão, à diversidade e à complexidades dos problemas em várias frentes, tornando extraordinariamente difícil mobilizar meios, pessoas e energias para a organização de uma iniciativa da dimensão e a exigência de um congresso.

Nesta Conferência, foi referida a ausência da representação que se impunha da chamada geração mais jovem que compõe a classe, tanto mais que é hoje claramente maioritária.
Justamente, é necessário compreender e discutir as razões muitos dos mais jovens não estão aqui – ou por que não estão aqui mais jovens, pois há alguns presentes – porque não querem estar agora e provavelmente não quererão estar noutras ocasiões.

Há também seguramente muitos que não estão aqui porque não podem estar, desde logo porque estão a trabalhar – e muito – nas redacções, ou ocupados com as suas vidas pessoais e familiares tantas vezes ameaçadas.

Mas há ainda quem não esteja porque não os deixam estar ou porque têm medo de comparecer, um medo tantas instilado por jornalistas mais velhos e até com funções de chefia, por vezes ressabiados sabe-se lá por quê ou por que preconceitos – desde logo contra os sindicatos e mesmo contra o seu Sindicato.

E já nem falo da dificuldade de aceitar ser eleito para delegado sindical ou, pior, para dirigente sindical, que sentimos quando procuramos recrutar quadros nalgumas empresas.

Já nem sequer são novidade para nós os relatos de advertências – “cuidado, não te metas no sindicalismo que o patrão (ou a empresa) não gosta!” –, não em empresas da indústria têxtil clandestina e caceteira, mas em empresas deste sector.

Falo simplesmente da mera sindicalização ou da participação em iniciativas organizadas pelo Sindicato. Por exemplo, neste caso, há camaradas que temiam que os seus nomes figurassem nalguma lista pública de participantes.

Dá que pensar a auto-contenção e até a auto-censura dos jornalistas na discussão dos seus problemas e os problemas das suas redacções em espaços como este, quando tantas vezes demonstram um grande à-vontade e até alguma ligeireza na forma como o fazem em espaços bem mais públicos, como são, apesar de tudo, as redes sociais.

Também dá que pensar a perda de espaço nos próprios meios de informação para a discussão das questões do sector e do jornalismo, do exercício da profissão, em especial nas páginas de Media que ainda existem, que tantas vezes parecem mais espaços promocionais do entretenimento.

Essas páginas justificam aliás maior atenção nomeadamente por parte dos investigadores, docentes e estudantes, pois a análise sistemática dos seus conteúdos e das suas opções daria certamente importantes estudos acerca da forma como os Media e os jornalistas se encaram a si próprios.

Permitam-me aliás que desabafe aqui quanto à forma como o próprio Sindicato dos Jornalistas é por vezes tratado, destratado e mesmo silenciado: muitas das suas iniciativas e posições e não são notícia e podemos dizer que, em muitos casos, há um verdadeiro cerco de silêncio em relação ao Sindicato.

Encerrando esta Conferência, e tendo em conta as reflexões que aqui foram feitas, gostaria de partilhar convosco o que penso serem os principais desafios que os jornalistas e o Jornalismo enfrentam hoje.

Em primeiro lugar, o próprio lugar na profissão.

O que fazer quando as empresas têm o poder exclusivo e inapelável de decidir quem entra, quem sai e quem permanece e em que condições?

As redacções estão a sofrer desde há alguns anos uma erosão grave e séria em memória, em experiência, em espírito crítico e em resistência e o esvaziamento das redacções e sobretudo a expulsão dos mais velhos e também “mais caros” através de sucessivos despedimentos são factores de degradação das condições de trabalho e dos salários dos que lá ficam, assim como da espiral de precariedade.

Em segundo lugar, o desafio do exercício responsável da profissão, precisamente neste contexto de precarização na sua dupla dimensão – por um lado, a precariedade objectiva, que tem a ver com a natureza do vínculo e da relação do jornalista com a empresa, bem como com a composição das suas retribuições; por outro, a dimensão subjectiva, que tem a ver com a percepção do risco do próprio posto de trabalho, o receio da aproximação de reestruturações e despedimentos.

Estas formas de precariedade – e não é demais dizer que precários somos afinal todos nós! – são geradoras do medo, que é a pior e mais eficaz arma contra o jornalismo livre e responsável.

O desafio do exercício responsável da profissão tem também a ver com a galopante deriva de absolutização do superficial e da excessiva simplificação da informação jornalística, que aliás perigosa quando a população é hoje manifestamente mais escolarizada e mais qualificada; assim como tem a ver com a preocupante redução de tempo e de espaço para o jornalismo.

O terceiro desafio é o da credibilidade do Jornalismo.

É certo que há causas económicas no afastamento de leitores das publicações periódicas, pois importantes franjas da população estão a perder poder de compra. E também sabemos que estratégias erradas seguidas por empresas arredaram leitores, ouvintes e espectadores.

Mas, independentemente da responsabilidade das empresas e dos gestores, é necessário que os jornalistas se questionem sobre as razões pelas quais o público se afastou dos Media.

E é necessário interrogarmo-nos, porque há estratégias e há decisões editoriais que são dos jornalistas pois, como muitas vezes nos lembram os patrões, é a eles – é a nós – que está entregue a direcção editorial…

Assim como é urgente que nos perguntemos de que modo temos exercido – e se tem sido possível fazê-lo – o nosso direito de participação na orientação dos órgãos de informação através dos conselhos de redacção, onde existem, se é que existem, e onde e como funcionam.

Há que perguntar se há também uma crise de identificação do Jornalismo com as necessidades e as exigências dos cidadãos – e não dos consumidores, que estão numa dimensão distinta – e se temos sabido responder-lhes.

Talvez seja demasiado frequente a forma superficial, desinformada e pouco rigorosa com que tratamos certos temas, contribuindo para que o público mais exigente se desencante e se afaste de nós.

Neste quadro, o quarto desafio é justamente o da resistência.

Desde logo nas redacções, às ofensivas aos direitos individuais e colectivos dos jornalistas, na discussão das práticas profissionais, na discussão e na apresentação de alternativas sólidas às recorrentes recentes receitas das empresas para as crises, sempre baseadas em despedimentos.

Mas também na solidariedade efectiva para com os jornalistas e outros trabalhadores objecto de despedimentos e de outras medidas e que necessitam do nosso apoio. De facto, os camaradas que a empresa escolheu para despedir não têm sarna, como parece tantas vezes!

É infelizmente muito frequente o relato de camaradas que deixam de ser cumprimentados ou sequer olhados nas redacções pelos seus pares, os quais talvez temam que o mais pequeno dos seus gestos possa atrair o rótulo de perigoso sindicalista ou perigoso comunista…

Neste desafio da resistência, importa destacar a importância decisiva da organização da classe, unida, evidentemente – e não tenhamos receio em dizê-lo – em torno do seu Sindicato.

É certo que persistem entre nós muitas divergências, mas a enorme diversidade que nos caracteriza deve ser encarada como um recurso que importa valorizar, pois essa diversidade corresponde ao mais importante do património que os jornalistas possuem como grupo profissional.

Neste contexto muito severo, devemos realçar a importância decisiva de uma organização dos jornalistas – o seu Sindicato – forte e coesa, apta a enfrentar todas as dificuldades, problemas e desafios.

Bem sabemos que está instalado um crescente preconceito contra os sindicatos, e até contra as organizações democráticas, sendo natural que este Sindicato se ressinta desse quadro e que muitos sustentem até que os sindicatos estão ultrapassados.

Trata-se de um grave erro, quando, como talvez nunca tenha acontecido, as organizações patronais – especialmente as confederações – possuem um enorme poder, e especialmente um enorme poder de influência sobre o poder politico. Nunca como agora os patrões estiveram tão bem organizados e foram tão eficazes contra os trabalhadores e especialmente contra os jornalistas.

Veja-se, em geral, o que está a acontecer com a legislação laboral; e atente-se na grave ofensiva no sector da comunicação social – quanto ao futuro preocupante das empresas do sector público (RTP e Lusa) e quanto à própria legislação, de que é expoente a alteração da Lei da Rádio, através da qual a Associação Portuguesa de Radiodifusão conseguiu o que queria e com isso está a acabar com as rádios locais.

Mas preste-se uma atenção muito especial à deriva securitária que ameaça os jornalistas e o seu dever de sigilo profissional, tendo em conta o caso da tentativa de obtenção de imagens da RTP sobre os incidentes de 14 de Novembro não emitidas e a pretensão de que seja possível às polícias obtê-las facilmente.

O que, pelos vistos, se prepara é uma gazua judicial contra o sigilo dos jornalistas, pois é isso que pretende o ministro da Administração Interna, ao pedir um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República sobre o acesso aos arquivos dos operadores de televisão.

Não admirará que o Governo possa estar a preparar-se para legislar apressadamente a remoção desta garantia dos jornalistas.

Aliás, o Governo e a maioria preparam-se para uma nova fúria legislativa – a mesma de que acusavam o governo e a maioria anteriores – agora, ao que consta, com nada menos de 16 diplomas!

Nesse pacote, estará certamente a revisão das leis que permitam a privatização ou o desmantelamento dos serviços públicos de Rádio e de Televisão, numa ofensiva que contará com o Sindicato dos Jornalistas na primeira linha da resistência.

Neste contexto, impõe-se uma resposta organizada dos jornalistas, contando com o seu Sindicato, reforçando a sindicalização e a rede de delegados e de activistas sindicais nas redacções.

Neste quadro e com estes desafios, apesar de esta iniciativa não ter quaisquer propósitos de proselitismo sindical ou de angariação de sócios, não posso deixar de apelar àqueles que não associados que se sindicalizem e aos que deixaram de o ser que se ressindicalizem.

O quinto e último desafio é um apelo a que os jornalistas saiam do sofá, abandonem o conforto da omissão dos que não discutem olhos nos olhos e não participam em encontros como estes e vão além da crítica inconsequente nas redes sociais ou nas redacções.

Mas tomem também à iniciativa, especialmente quando o vosso próprio futuro depende mais de vós, agrupem-se e criem projectos próprios, designadamente pela via cooperativa, que permitam responder ao problema do desemprego (e, neste caso, já não têm nada a perder, mas sim a ganhar!) e até romper o cerco da concentração da propriedade dos meios de informação e do poder das empresas.

Disse.

(*) – Texto a partir das notas de suporte à intervenção e da memória do autor

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