Como actuar perante rituais em lugares públicos

Como devem comportar-se os jornalistas quando, em serviço de reportagem nos lugares públicos, são confrontados com determinados rituais, como por exemplo manifestações de pesar, minutos de silêncio, audição do hino nacional, palmas e outras situações análogas? O Conselho deontológico analisou o problema e faz algumas recomendações.

Pedido de recomendação: A., jornalista, solicitou do Conselho Deontológico uma recomendação sobre a atitude que os jornalistas devem tomar, em serviço, em locais públicos como a Assembleia da República, assembleias e câmaras municipais e assembleias de clubes desportivos, quando nesses locais são aprovadas e executadas manifestações de pesar ou de júbilo, que impliquem um acto físico de adesão: palmas, posição de pé ou dever de silêncio. A. refere ter assistido a uma interpelação agastada de um responsável de uma assembleia perante o facto de um jornalista se não ter posto de pé durante o cumprimento de um minuto de silêncio.

Procedimento: O CD solicitou a opinião da Associação dos Jornalistas Parlamentares, já que este grupo profissional tem capitalizado alguma experiência no enfrentamento de situações atrás descritas.

Foi a seguinte a resposta da referida Associação:

«Como jornalistas parlamentares, somos frequentemente confrontados com votos de pesar, de congratulação, sessões solenes em que é tocado o hino nacional. A bancada dos jornalistas nunca acompanha essas manifestações. Observa-as. Quem está de pé fica de pé, quem está sentado fica sentado. Nos votos de pesar, quando a assembleia faz um minuto de silêncio, calamo-nos, falamos baixo ou saímos para o corredor, mas não nos associamos à câmara. Quando há um voto de congratulação da assembleia, sucede o mesmo: ninguém se associa a uma aclamação. Mesmo quando é tocado o hino nacional os jornalistas mantêm-se nos seus lugares, como observadores. Nunca houve qualquer regra e nunca estes comportamentos foram questionados. Entendemos que os jornalistas têm funções completamente distintas das dos membros da Assembleia. Cobrem os trabalhos parlamentares, não participam neles, não se associam a eles seja qual for a sua natureza. Admitimos, contudo, que, individualmente, por imperativos de consciência, possam ser tomadas atitudes diferentes. Por exemplo: alguém que entende levantar-se quando é tocado o hino nacional.»

Análise: Não existem regras fixas nem tradição escrita que dê resposta exacta a esta questão e a análise e a recomendação que se seguem não visam dar por finda a discussão mas, pelo contrário, avivá-la na busca do melhor consenso possível. A própria resposta dada pela Associação dos Jornalistas Parlamentares decorre de uma prática consensualizada ao longo de anos e não contestada pelos protagonistas que são objecto de notícia, neste caso, os deputados.

Para tentarmos definir o comportamento do jornalista perante as situações, será útil recapitular as exigências da própria missão do jornalista quando no terreno. E esta missão pode apresentar-se em dois pontos:

– a primeira exigência ao jornalista é a de se colocar no terreno em termos de conseguir realizar a missão de informar;

– desta exigência decorre uma outra que impõe que o jornalista não tenha papel activo, por acção ou omissão, na matéria noticiada, isto é, que não a protagonize.

Há, no entanto, limites para este não protagonismo, o primeiro dos quais é o de que a missão de informar se secundariza se estiver em jogo uma vida humana e o jornalista tem meios razoáveis e eficazes para evitar a perda dessa vida. A mesma secundarização da notícia se verifica se o jornalista tem possibilidades razoáveis e adequadas de exercer o dever de assistência a pessoa ferida ou em perigo.

Existem outros limites para o distanciamento do jornalista e que decorrem de obrigações rituais impostas por leis ou usos: por exemplo, um jornalista que assiste a um julgamento é obrigado, na generalidade dos países, a levantar-se à entrada dos magistrados, por muito concentrado que esteja na sua tarefa de recolha ou elaboração de informações; do mesmo modo, na cobertura de certos eventos sociais ou solenes, pode o jornalista ser obrigado a apresentar-se com indumentária concorde com a dos protagonistas, sob pena de não o deixarem entrar.

Conhecem-se ainda situações em que o respeito pelos usos da entidade anfitriã pode impor comportamentos de conformidade ao jornalista: por exemplo, em certas religiões, é requerido aos visitantes dos templos que se descalcem e seria impensável que um jornalista se recusasse a fazê-lo em nome do seu distanciamento como profissional. É que os efeitos de choque e incomodidade gerados por um acto que seria tomado pelos anfitriões como uma blasfémia ou, no mínimo, uma grosseria ou indelicadeza, provocariam um tal «ruído» sobre o próprio acto a noticiar que o desvirtuariam, transformando-se a vontade de não protagonizar num verdadeiro protagonismo negativo contra a notícia.

O bom-senso impõe, portanto, que, antes de outras considerações viradas exclusivamente para a aposta no distanciamento do jornalista, se invista na discrição do jornalista: mais do que afirmar-se distante do acontecimento, compete ao jornalista ser discreto no exercício da sua missão. Nesta lógica, o jornalista deve:

– fazer a avaliação da situação, em função dos protagonistas e da sua capacidade de bem entender os gestos ou a omissão de gesto dos jornalistas em serviço;

– conhecer as normas e usos da situação, de modo a não gerar situações de afrontamento, de incomodidade ou estranheza por parte dos protagonistas;

– procurar consensualizar o comportamento com os restantes camaradas no mesmo serviço, de maneira a não chamar a atenção dos protagonistas sobre os jornalistas por causa dos seus gestos divergentes.

Não há, pois, uma regra que possa ser estabelecida sobre se os jornalistas devem ou não levantar-se ou manter-se sentados perante o toque de hinos nacionais ou o cumprimento de minutos de silêncio ou ainda a genuflexão de membros de uma comunidade em ofício religioso. (Está fora de questão o aplauso a moções, já que nunca pode ser reclamada uma adesão entusiástica mas tão-somente respeito.) Mas há uma exigência fundamental que deve ser cumprida pelo jornalista: o de não gerar mal-entendidos e melindres numa situação ritual de que esteja a fazer cobertura. Por isso, se o jornalista não tiver a certeza absoluta de que o não se levantar perante o toque do hino ou o cumprimento de um minuto de silêncio não vai gerar mal-entendido ou melindre, recomenda-se que aceite levantar-se, guardando o silêncio exigível pelo respeito. Esta recomendação não abrange, naturalmente, a prática de actos imprescindíveis e inadiáveis para a cobertura noticiosa, nomeadamente a captação de imagem ou de som.

Pelo que se expôs, entende o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalista emitir a seguinte

Recomendação

Um jornalista, em serviço, perante situações rituais de que está a fazer a cobertura, não devendo manifestar qualquer adesão ou aplauso ao que está a assistir, deve, no entanto, assumir uma posição de discrição e respeito que assegure, por um lado, o seu distanciamento e, por outro, a não introdução de factores perturbadores da notícia. Para tanto, deve conhecer as normas e usos da situação, assegurar-se de que os seus gestos e omissões não serão mal interpretados pelos protagonistas da cerimónia e procurar consensualizar a atitude entre todos os jornalistas presentes. Na dúvida sobre qual o comportamento mais adequado, crê-se que a posição de levantado e em silêncio é a menos susceptível de gerar incompreensões e melindres. Exceptua-se, naturalmente, a prática de actos imprescindíveis e inadiáveis para a cobertura noticiosa, nomeadamente a captação de imagem ou de som.

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