Cobertura em directo da tragédia de Entre-os Rios

Perante alguns excessos e erros profissionais graves que se verificaram nas reportagens em directo da tragégia de Entre-os-Rios, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas tomou posição num comunicado, alertando contra os efeitos perversos de uma proposta de «auto-regulação» que não passa de um «pacto de não agressão comercial».

Têm-se multiplicado os protestos e comentários negativos ao modo como está a ser feita a cobertura em directo da sequência da tragédia de Entre-os-Rios. Entrevistas a crianças, abordagem a pessoas dentro das suas casas, interpelação a populares em visível estado de comoção foram alguns dos erros profissionais graves detectados nestas coberturas.

Seria desajustado e injusto identificar responsáveis individuais no terreno por estes erros, quando o que importa é chamar a atenção para as circunstâncias que proporcionaram essas atitudes profissional e eticamente incorrectas e a primeira das causas reside na decisão editorial de manter tão prolongadamente os directos em situações sem velocidade de acontecimentos que justificasse tanto tempo de câmara ou microfone abertos.

Em situações como estas – e mesmo que o repórter de campo seja muito experimentado – é na redacção e não no repórter que tem de incidir a maior dose de responsabilidade na prevenção de erros causados pela tensão, pelo stress e pela falta de tema para sustentar o directo. O repórter de campo vive a obsessão técnica de não permitir segundos de silêncio – que, em televisão e rádio, são uma eternidade – e, quando dá por si, já está a fazer uma pergunta disparatada ao primeiro que passa e que, no final, sai agredido na sua sensibilidade.

Responsáveis de estações televisivas já reconheceram erros cometidos por força destes extensos directos e têm proposto que se estabeleça uma «auto-regulação» entre as televisões concorrentes de modo a poderem abrandar a extensão da cobertura. O Conselho Deontológico alerta para o que há de perverso e de desleal para com o público nestas propostas. Na verdade, estas propostas nada têm de parecido com a meritória atitude da Rádio Renascença no caso dos sequestradores (ver Comunicado sobre «Sequestros e outros actos de violência»). Nesta, a estação assumiu o compromisso de não embarcar na folclorização mediática do evento e convidou os outros órgãos de informação a seguirem-lhe o exemplo, na certeza de que a Rádio Renascença não deixaria de se manter fiel ao seu compromisso mesmo que não se visse acompanhada.

O que está ínsito na proposta de «auto-regulação» de responsáveis televisivos é bem diferente: o que é dito é que as estações só recuarão e se conterão nos limites da ética, se as concorrentes se comprometerem a recuar também. Isto é: só deixarão de «humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor», como determina o ponto n.º 7 do Código Deontológico, e só atenderão, antes de recolherem imagens e sons, «às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas», como estabelece o ponto n.º 9, se os outros também o fizerem.

O Conselho Deontológico tem a obrigação de alertar os jornalistas e a opinião pública para o facto de não se estar perante qualquer proposta de auto-regulação: trata-se tão-somente de uma proposta de pacto de não agressão comercial – com a ética jornalística como refém.

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