CD alerta jornalistas para o risco de instrumentalização

O Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas, em Recomendação divulgada hoje, 25 de Julho, alerta os jornalistas para o risco de instrumentalização que correm ao participarem em assembleias gerais de empresas cotadas na bolsa com procurações de accionistas, ou em quaisquer outras reuniões privadas, para assegurar a respectiva cobertura jornalística.

Segundo o CD, tal procedimento pode pôr em causa a “credibilidade do jornalismo e dos jornalistas envolvidos”, pelo que recomenda o “cumprimento das normas éticas e deontológicas” para a obtenção da informação, sublinhando que essa observância “incumbe não só aos jornalistas mas também às empresas de comunicação social”.

É o seguinte o texto, na íntegra, da Recomendação do Conselho Deontológico:

RECOMENDAÇÃO 2/R/2007

Mercado bolsista e procurações passadas a jornalistas

Os meios de comunicação social noticiaram, como é o caso do «Jornal de Negócios» 1, que a «Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM) está a comprar acções do Millennium BCP para, posteriormente, passar procurações aos jornalistas interessados em assistir à Assembleia Geral do próximo dia 6 de Agosto. Da parte dos jornalistas fica o compromisso de assistirem à reunião enquanto observadores».

A «proliferação na imprensa de declarações de analistas e operadores de Bolsa» não identificados suscitou, segundo o «Expresso» 2, preocupação à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). De acordo com a mesma notícia, o presidente da CMVM, Carlos Tavares, pretende concitar «a ajuda dos jornalistas» para «evitar que a coberto do anonimato sejam difundidas informações falsas». Pretende sensibilizar as direcções dos órgãos de comunicação social para a eventualidade de estarem a ser instrumentalizados.

A primeira destas notícias reporta-se a um caso, que não é inédito. Joaquim Fidalgo, jornalista e colunista do «Público» 3, comentou um texto publicado pelo mesmo matutino, em 29 de Maio de 2007, no qual Natália Faria e Rosa Soares escreveram que um jornalista do «Expresso» assistiu à Assembleia Geral do BCP. «Numa situação tornada possível porque o semanário comprou acções do BCP». Joaquim Fidalgo manifesta dúvidas sobre «a aparente facilidade com que um profissional ‘veste’ o fato que mais lhe convém, em função das circunstâncias, ignorando questões de princípio».

A segunda destas notícias reporta-se a uma outra situação. Legítima, em todo o caso. Trata-se do recurso a fontes não identificadas. É evidente — e os jornalistas sabem-no — que há fontes que os procuram instrumentalizar. E devem, no cumprimento das normas deontológicas, comprovar e validar as informações que recolhem, antes de as divulgarem. O Código Deontológico do Jornalista também os obriga a «usar como critério fundamental a identificação das fontes» e, simultaneamente, confere-lhes a prerrogativa excepcional de revelar a identidade de fontes que os utilizem «para canalizar informações falsas».

A fundada razão de que se torne prática o recurso a um expediente irregular, para assegurar a cobertura jornalística de assembleias gerais de empresas cotadas em Bolsa ou de quaisquer outras reuniões privadas, e o contacto estabelecido pela Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais junto do Sindicato dos Jornalistas determinam que o Conselho Deontológico se pronuncie.

É ética e deontologicamente reprovável que jornalistas assumam no exercício profissional papéis que não são os seus. É reprovável que acedam a assembleias na qualidade de accionistas para depois as relatarem na qualidade de jornalistas.

O ponto 4 do Código Deontológico estipula que a identificação como jornalista é a regra. Qualquer excepção só pode «justificar-se por razões de incontestável interesse público». Facto que exige ponderação.

O exercício do jornalismo recomenda lisura de procedimentos e a rejeição de práticas dúbias. Da mesma forma que pressupõe transparência na qualidade em que o jornalista se apresenta para que não lhe se seja assacada a responsabilidade de noticiar assuntos em que tenha interesse ou em que subsista a suspeita de os adquirir por interposta procuração que lhe seja outorgada. É admissível que o estatuto de independência do jornalista, tal como o Código Deontológico o aborda no seu ponto 10, seja questionado.

Também é questionável a presunção de que «as opiniões devem ser sempre atribuídas», tal como se estabelece no ponto 6 do Código Deontológico, quando é duvidosa a qualidade em quem foram ouvidas. Excluindo a hipótese do jornalista se citar a si próprio enquanto accionista, é forçoso que derrogue os princípios contidos no ponto 9 de Código Deontológico, respeitante à «privacidade dos cidadãos» e à sua obrigação de atender «às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas».

O Conselho Deontológico adverte para o risco de instrumentalização que este expediente pode acarretar para a credibilidade do jornalismo e dos jornalistas envolvidos.

Recomenda o cumprimento das normas éticas e deontológicas. A sua observação deve ser um princípio, meio e fim para a obtenção da informação. Uma observância que incumbe não só aos jornalistas mas também às empresas de comunicação social.

Concita as partes envolvidas a abrirem à comunicação social as assembleias gerais de empresas cotadas na Bolsa, para que seja assegurado o que este procedimento ínvio protesta atingir, isto é, a distribuição de igual informação a todos os accionistas.

Concita a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários a derrubar as barreiras no acesso à informação, em vez de pretender a ajuda dos jornalistas para controlar o mercado.

O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

Lisboa, 25 de Julho de 2007

1 Governance: Presença de jornalistas nas AG gera discórdia em Portugal – ATM faz-se representar pelos media na reunião magna do BCP em Agosto, Catarina Carneiro de Brito e Carla Pedro, Jornal de Negócios, edição de 19 de Julho de 2007.

2 Analistas ‘anónimos’ preocupam CMVM – Supervisor vai tentar sensibilizar comunicação social, Pedro Lima, Expresso, edição de 30 de Junho de 2007.

3 Ora jornalista, ora accionista, Joaquim Fidalgo, Público, edição de 6 de Junho de 2007.

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