Carvalho da Silva: “Precariedade não combina com democracia”

Responsável pelo Centro de Estudos Sociais (CES) e histórico ex-secretário-geral da CGTP encerrou, em Lisboa, um seminário internacional em que se debateu o mundo do trabalho.

Manuel Carvalho da Silva deixou bem clara a sua opinião quanto à situação dos trabalhadores precários: “Precariedade não combina com democracia.” Mas disse mais, sobre a precariedade e não só, numa espécie de mensagens finais do seminário internacional em que vários especialistas debateram o mundo do trabalho. “A precariedade, em geral, surge integrada num processo de quebra e dificuldades de acesso a direitos do trabalhador que estavam consolidados, sendo isso também visível noutros campos e constitui um retrocesso civilizacional que nos deve preocupar.”

O antigo líder da CGTP constatou que “o trabalho e o emprego estão debaixo de enormes condicionalismos e tensões” e, num contexto de “neoliberalismo impregnado na sociedade”, quando é dada voz às associações e organizações de trabalhadores, estas são “colocadas na condição prévia de rés”.

Carvalho da Silva identificou “uma mercantilização do trabalho sob um individualismo até à exaustão, eliminando-se a possibilidade de convocar a própria empresa para as suas obrigações”, bem como “uma harmonização no retrocesso com ênfase exagerado numa competitividade para a concorrência global sem limites”. Estando o futuro do trabalho e do emprego em aberto, vai depender de múltiplos fatores que vão desde “as estruturas coletivas até às condições materiais e não materiais consideradas aceitáveis”.

E, antes de terminar, enumerou necessidades: “É preciso capacitar para os direitos e isso só se faz se os trabalhadores tiverem um conhecimento consciente através de trabalho constante a desenvolver junto deles; devem ter condições materiais também no trabalho, dispor de autonomia de vida e de tempo; é precisa representação coletiva que faça a mediação com capacidade de forte evidência da violação dos direitos, reforçando-se os mecanismos de mediação coletiva; é absolutamente imprescindível forçar políticas para a valorização regular do salário mínimo e valorizar a contratação coletiva.”

Antes já Carlos Silva, secretário-geral da UGT, e João Torres (Comissão Executiva da CGTP) tinham deixado as suas ideias num painel sobre os poderes sindicais. “Os sindicatos devem alterar o seu paradigma”, opinou o primeiro, sublinhando ainda que “a concertação social não pode ser esvaziada”.

O segundo falou sobre ser necessário “construir uma nova realidade económica e social”, criticou a União Europeia e o capitalismo e sintetizou: “Os problemas dos trabalhadores e do país inteiro vão subsistir enquanto durar a subserviência à União Europeia com políticas de direita e os grandes protagonistas da transformação social só podem ser os trabalhadores.” Sobre a condição sindical, Torres afirmou: “Ser do sindicato é muito mais do que pagar a quota ao fim do mês – é exigir e partilhar.”

No painel anterior, dedicado aos “Desafios da precariedade e reconfigurações do trabalho”, António Chora, ex-coordenador da Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa, considerou que “Portugal é dos países europeus onde é mais fácil um despedimento coletivo”. Chora alertou para “os enormes desafios às Comissões de Trabalhadores” gerados pela precariedade, apelando ao trabalho conjunto e à união entre jovens e menos jovens “por um coletivo o mais abrangente possível”. Além disso, lembrou a necessidade de ser “apanhado na estação, para que se minimizem os efeitos, o comboio da automação e robotização”.

Marco Marques, dos Precários Inflexíveis, salientou que, “segundo dados do INE relativos ao final do ano passado, mais de metade da população ativa em Portugal está na condição de precário ou desempregada”. Historiando o processo de luta dos precários, Marco Marques falou de diversas conquistas, como por exemplo “a regularização dos vínculos dos precários na Administração Pública”, mas também para o facto de este ser um momento “em que não se pode deixar de ter propostas”. Por isso lembrou o documento, “trabalhado desde 2014, que incide sobre sete áreas”, as quais vão desde os recibos verdes até aos estágios profissionais, passando ainda pelo trabalho temporário.

Pelo Sindicato dos Trabalhadores dos call centers – que “não é considerada uma profissão, apesar de existirem cursos e mestrados sobre gestão de call centers, por exemplo” – falou Danilo Moreira, apontando a estimativa de que “30% dos trabalhadores de call centers revelam estudos superiores”.

Há “422 centros em Portugal, mais de 60% em Lisboa, oscilando o total de trabalhadores entre os 80 e os 100 mil, a maior parte a receber o salário mínimo”. Depois criticou as condições de trabalho por entre “falta de higienização nos locais, ritmo de trabalho exagerado, intervalos irregulares, monitorização constante, despedimentos diários, baixas psíquicas”. Danilo indicou que o sindicato apoia causas como a nova Lei da Nacionalidade, o feminismo, os refugiados e os estudantes, deixando uma mensagem de união para que seja vencido o combate.

Da parte da manhã, Richard Hyman (Professor Emeritus, LSE) já falara sobre os poderes sindicais, identificando três tipos – estrutural, organizacional (em função da densidade dos membros e da sua coesão) e institucional (por fatores como reconhecimento, proteção legal, direitos de representação no local de trabalho ou enquadramento da negociação coletiva). Porém, não esqueceu “a erosão dos recursos de poder, exemplificando com o desgaste nas bases tradicionais de apoio, a globalização, as mudanças tecnológicas, a austeridade, os ataques a pilares do setor público, a densidade dos membros numa queda geral, a vontade de coletivismo a baixar cada vez mais e a descentralização da negociação coletiva”.

Deixando pistas para melhorar, Hyman receitou “a construção de novas alianças e coligações junto de novos movimentos sociais; novas formas de discurso, deixando de se falar uma linguagem que ninguém percebe, com utilização da Internet e das redes sociais; uma visão alternativa, ou seja, a que aponte uma mensagem de esperança para uma realidade social melhor e um mundo melhor com utopias credíveis; a melhor utilização dos escassos recursos”.

Também Raquel Rego (Instituto de Ciências Sociais/UL), num painel sobre “Tendências europeias nas relações do trabalho”, falou na necessidade de os sindicatos “comunicarem mais para fora do mundo do trabalho como via para a renovação”, propondo idas às escolas para “dizer o que é, o que faz, para que é preciso e o seu papel ao longo do tempo”. E notou: “Estamos sempre a desprezar o lado dos empregadores quando falamos em relações de trabalho e isso deve mudar.”

Philippe Pochet (European Trade Union Institute – ETUI) admitira: “Não me parece que os sindicatos voltem a ganhar a dimensão de antes, mas é natural que estabilizem, situação também verificada nos partidos e nas igrejas, onde o fenómeno é ainda maior.” A seguir deixou números de taxas de sindicalização das populações, dizendo que “Portugal vem de um pico de 44% em 1985 até aos 19,3% de 2010, de acordo com dados da OCDE”.

Já Klaus Dörre (Universidade Friedrich-Schiller, Jena), avaliando a situação alemã, alertou para o espaço “que as forças de direita procuram ocupar nos movimentos laborais”, lembrando como Jürgen Habermas apontou a existência de “terreno fértil para um novo fascismo”, capaz de invadir os movimentos dos trabalhadores.

Entre os participantes estiveram também Elísio Estanque (CES-FEUC), Hermes Augusto Costa (CES-Fac. Economia UC/CES-FEUC), Reinhard Naumann (Fundação Friedrich Ebert), Udo Bonn (ex-coordenador da CT da Atlas Copco Energas, Colónia), Florian Butollo (Universidade Friedrich-Schiller, Jena), Dora Fonseca (CES), Rebecca Gumbrell-McCormick (Birkbeck University of London) e Ulisses Garrido (European Trade Union Institute – ETUI).

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