Carta de uma ex-estagiária

Na mesma edição de 30 de Março de 2001, em que inseria a resposta de Oscar Mascarenhas ao editorial de José Manuel Fernandes, a par da réplica deste, o Público reproduzia a carta de uma ex-estagiária, Ana Almeida Martins, em que manifestava a sua gratidão ao Público por lhe ter facultado um estágio que lhe facilitou o acesso à profissão.

A circular emitida pelo Sindicato dos Jornalistas sobre os estágios curriculares e a resposta de José Manuel Fernandes publicada no Público deram-me vontade de dizer publicamente: obrigado, Público. Obrigado por em 1998 me teres recebido na tua redacção do Porto por três meses para fazer o meu estágio curricular. Obrigado por, desde o primeiro minuto de estágio, me teres tratado como uma jornalista, responsabilizando-me pelas minhas peças e desafiando-me a seguir à risca a ética profissional que insistentemente incutes nos teus profissionais. Obrigado por me teres permitido viver o profissionalismo de toda uma redacção e conhecer a fundo a lógica de produção das noticias, desde a entrada da informação ao fotólito e às bancas. Obrigado por me teres dado a tarimba para estar apta a trabalhar fora das tuas paredes.

Questiono-me seriamente se há algum membro da direcção do sindicato que tenha tirado um curso de Comunicação Social ou Jornalismo. Admito que não, e só esta ignorância face ao que se aprende e ensina nestes cursos pode justificar este corporativismo que leva bons profissionais a afirmarem (como já ouvi) que os cursos de Comunicação Social são promíscuos por agregarem várias áreas de comunicação e que os estágios curriculares devem acabar. Fique sabendo o sindicato que depois de cinco anos a estudar jornalismo não há recompensa maior do que ter a oportunidade de ouro de passar três meses a trabalhar, e sublinho, trabalhar, numa redacção. Não é o canudo que nos paga o esforço de um curso e nos realiza um sonho. É o estágio curricular, que por três meses nos faz andar a trabalhar de rastos, mas mais felizes e realizados profissionalmente do que alguma vez imaginaríamos ser possível. Fique sabendo o sindicato que os estágios curriculares são, para os jornalistas da minha geração, um ponto de honra e uma porta que se abre. Fique sabendo o sindicato que se deve preocupar não com a falta de carteira dos estagiários, mas com a falta de regras na atribuição da carteira a qualquer jornalista. Fique o sindicato sabendo que recebi a minha carteira de estagiária no mês em que tive direito à definitiva… Fique o sindicato sabendo que se deve é empenhar em evitar que os jovens jornalistas passem por aquilo que eu passei: trabalhar para um jornal regional cerca de 10 a 12 horas por dia, sem qualquer vínculo, a receber 60 contos por mês sem sequer passar «recibo verde» e não sabendo se no mês seguinte me iam deixar continuar lá. Fique sabendo o sindicato que, em vez de «atacar» os estagiários, deve obrigar as empresas a respeitar os direitos dos jornalistas, porque a paixão por esta profissão é tanta que, se nos deixarem, estamos dispostos a trabalhar de graça, desde que continuemos a aprender a fazer jornalismo a sério. Fique o sindicato sabendo que não é por hoje ser editora executiva de uma revista que me vou esquecer da luta que iniciei há três anos.

Obrigado, Público. Não sei se estaria aqui, se não tivesse estagiado na tua redacção.

Texto reproduzido com a autorização da autora

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