«As regras do jogo»

Na mesma edição do Público em que Oscar Mascarenhas exerceu o direito de resposta ao editorial de António Granado, o jornalista José Vítor Malheiros publicou um comentário intitulado «As regras do jogo», asseverando que «a candidatura a um cargo político não só destrói qualquer aparência de independência como a limita de facto».

A candidatura do presidente do Sindicato dos Jornalistas às próximas eleições legislativas, onde surge integrado na lista da CDU pelo círculo do Porto, provocou uma agitação na classe sobre a qual vale a pena reflectir um pouco.

Convém deixar claro que, do ponto de vista legal, não existe nenhum tipo de reserva a esta participação. Alfredo Maia pode apresentar-se às eleições que lhe apetecer; concorrer ao Parlamento ou a uma Câmara Municipal, candidatar-se à presidência de um clube desportivo ou da Assembleia Geral de um banco, participar em comícios, agitar bandeiras, gritar slogans, beijar bebés e flirtar com as vendedeiras do Bolhão.

Acontece, porém, que um dos deveres essenciais do jornalista (e, com maioria de razões, de alguém que pretende representar a classe) é a obrigação de independência. E é evidente que a candidatura a um cargo político não só destrói qualquer aparência de independência como a limita de facto.

Que o presidente do Conselho Deontológico do sindicato tenha considerado liminarmente que a dúvida nem se colocava e que se tenha lançado com as irreflectidas arremetidas que o caracterizam contra todos os que têm uma opinião diferente é estranho, pois o Código Deontológico diz, com clareza, que «o jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência».

Se o presidente do SJ considera que alinhar numa dada coligação nas eleições legislativas não compromete em nada o seu estatuto de independência, isso significa apenas que a sua imaginação é maior do que se julgava possível (ainda que não seja de admirar em alguém que considera, com grande originalidade, que a actual crise dos média é algo inventado pelos patrões).

Um jornalista não deve ser candidato às eleições porque a posição de um jornalista é dificilmente compatível com as obrigações de um candidato ou de um deputado. Os partidos são organizações de interesses que visam a conquista e exercício do poder e um jornalista deve fazer o possível para se afastar desses interesses e para se colocar do lado de fora dessa luta pelo poder. Não se trata de uma «capitis diminutio», trata-se das regras do jogo. Numa sociedade não se pode representar todos os papéis ao mesmo tempo, da mesma maneira que no futebol não se pode ser ao mesmo tempo jogador, árbitro, treinador e chefe de claque.

Numa última nota, vale a pena determo-nos um momento sobre as imagens utilizadas pelo presidente do SJ e pelo presidente do Conselho Deontológico para defender a candidatura do primeiro. Enquanto Alfredo Maia considerou que um jornalista não é um «eunuco político», Oscar Mascarenhas sublinhava que um jornalista não é um «cidadão castrado». É duvidoso que a melhor maneira de justificar uma candidatura seja através de expressões que a valorizam como uma demonstração de virilidade (a não ser que ambos considerem que a política ou a cidadania são valores essencialmente masculinos, ou que a virilidade é uma condição do exercício do jornalismo), mas o facto é significativo porque o discurso falocrático é integrante dos piores tiques da velha cultura corporativista jornalística.

Texto reproduzido com a autorização do autor

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