A Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) concluiu que as declarações de Rui Gomes da Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares, sobre os comentários de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI “configuram uma tentativa de pressão ilegítima” sobre a estação televisiva, e deu como provado que o presidente do grupo Media Capital, Pais do Amaral, “interferiu na área da exclusiva responsabilidade do director da estação”.
A AACS, que analisou ainda as declarações do ministro da Presidência, Morais Sarmento, sobre a RTP e a situação no “Diário de Notícias”, concluiu que no primeiro caso as palavras do ministro “afectam a independência dos órgãos de comunicação social em geral”, e que no respeitante ao DN houve “promiscuidade entre o poder político e o poder económico”.
Desagradados com as conclusões, Morais Sarmento e Rui Gomes da Silva puseram em causa a credibilidade da AACS, enquanto o representante do PSD, Miguel Relvas, a acusava de “parcialidade e total ausência de fundamentação” nas suas conclusões.
A resposta da AACS a estas críticas veio pela voz de Sebastião Lima Rego, para quem “este tipo de agressividade circunstancial e reactiva” é “altamente indesejável e muito prejudicial para a saúde do regime democrático”.
É o seguinte o texto, na íntegra, do relatório da AACS:
DELIBERAÇÃO SOBRE PROCESSO REFERENTE ÀS RELAÇÕES ENTRE OS PODERES POLÍTICO E ECONÓMICO E OS ÓRGÃOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
(Aprovada em reunião plenária de 17 de Novembro de 2004)
Introdução
A.
Quanto a declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares
sobre os comentários políticos do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa na TVI e a cessação destes
B.
Quanto a declarações do Ministro de Estado e da Presidência sobre o papel do “poder político acerca do modelo da programação do operador de Serviço Público”
C.
Quanto a circunstâncias de alterações na Direcção do “Diário de Notícias”
D.
Quanto a aspectos da relação entre os poderes político e económico e os órgãos de comunicação social
E.
Conclusões
F.
Recomendação
INTRODUÇÃO
1. Segundo o nº 4 do art.º 38º da Constituição, “O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas”.
2. De acordo com o art.º 39º da CRP, cabe “a uma entidade administrativa independente assegurar nos meios de comunicação social” designadamente:
“a) O direito à informação e a liberdade de imprensa;
b) A não concentração da titularidade dos meios de comunicação social;
c) A independência perante o poder político e o poder económico;
d) O respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais;
e) O respeito pelas normas reguladoras das actividades de comunicação social;
f) A possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião;
…. … … … … … … … … … … … … … … … … …”
3. São atribuições da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), conforme o art.º 3º da Lei nº 43/98, de 6 de Agosto, nomeadamente:
“
a) Assegurar o exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa;
b) Providenciar pela isenção e rigor da informação;
c) Zelar pela independência dos órgãos de comunicação social perante os poderes político e económico;
c) Contribuir para garantir a independência e o pluralismo dos órgãos de comunicação pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas ou a entidades directa ou indirectamente sujeitas ao seu controlo económico;
d) Contribuir para garantir a independência e o pluralismo dos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas ou a entidades directa ou indirectamente sujeitas ao seu controlo económico.
… … … … … … … … … … … … … … … … … …
g) Assegurar a observância dos fins genéricos e específicos da actividade de rádio e televisão, bem como dos que presidiram ao licenciamento dos respectivos operadores, garantindo o respeito pelos interesses do público, nomeadamente dos seus extractos mais sensíveis.
h) Incentivar a aplicação, pelos órgãos de comunicação social, de critérios jornalísticos ou de programação que respeitem os direitos individuais e os padrões éticos exigíveis.
É competência da AACS, nos termos do art.º 4º da mesma lei, designadamente:
… … ….. … … … … … … … … … … … … … …
n) Apreciar, por iniciativa própria ou mediante queixa, e no âmbito das suas atribuições, os comportamentos susceptíveis de configurar violação das normas legais aplicáveis aos órgãos de comunicação social, adoptando as providências adequadas, bem como exercer as demais competências previstas noutros diplomas relativas aos órgãos de comunicação social.
… … … … … … … … … … … … … … … … … … “
4. Por assim ser,
havendo, a 4.10.04, o Ministro dos Assuntos Parlamentares, dr. Rui Gomes da Silva, alegado em público, no essencial, que os comentários políticos do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, semanalmente, no “Jornal Nacional” da TVI, constituíam um ataque sistemático ao Governo em geral e ao Primeiro-Ministro em especial, envolviam “falsidades” e “mentiras” a propósito do Governo, correspondiam a um modelo monologado, singular à escala europeia, que incumpria o dever do contraditório, manifestado surpresa pela não intervenção da AACS na matéria, dado este órgão já se ter pronunciado em situação semelhante, justamente em defesa do contraditório, e acrescentado que, nesse ataque sistemático ao Governo e ao Primeiro-Ministro, convergiam um diário e um semanário que não identificou,
havendo, a 6.10.04 – e depois de uma reunião, a 5.10.04, com o presidente do Grupo Media Capital, proprietário da TVI, reunião que teria, segundo o eng. Miguel Pais do Amaral, como objectivo abordar questões estratégicas do grupo e daquela estação televisiva –, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa anunciado que dava por terminados os seus comentários políticos na TVI,
tendo o Ministro de Estado e da Presidência declarado, no I Colóquio da Rádio e Televisão de Portugal, na RTP, a 19.09.04, conforme despacho da LUSA, do mesmo dia, que ao poder político incumbia “o modelo de programação do operador de Serviço Público”, que “não são os jornalistas nem as administrações que vão responder perante os eleitores”, que “não são os jornalistas (que respondem) perante o povo (…) por doutorados que sejam”, que é necessário “haver limites à independência dos operadores públicos” sob pena de ser adoptado “um modelo perverso”, e tendo a escritora Clara Ferreira Alves divulgado, em 25.10.04, que recusara o convite para directora do “DN” por não lhe haverem sido dadas condições para fazer um jornal de referência e isenção e por não querer ser uma “comissária política”,
a AACS,
considerando as queixas recebidas a propósito do ocorrido com as intervenções televisivas do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa (1), considerando o teor do comunicado do Sindicato dos Jornalistas relativo ao mesmo caso, recebido a 7.10.04, e podendo estar em causa, nos três casos, designadamente o princípio da independência dos órgãos de comunicação social perante os poderes político e económico, princípio para cuja aplicação deve contribuir (conforme a citada alínea c) do art.º 3º da Lei nº 43/98, de 6 de Agosto (LAACS), podendo, especificamente, estar em causa, no caso que envolve o Serviço Público de Televisão, o princípio da independência dos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado (referido na alínea d) do mesmo art.º), e na linha de interpretação do papel deste órgão e do respectivo desempenho ao longo dos anos e em diversos contextos políticos, deliberou abrir um processo conjunto.
A. QUANTO A DECLARAÇÕES DO MINISTRO DOS ASSUNTOS PARLAMENTARES SOBRE OS COMENTÁRIOS POLÍTICOS DO PROF. MARCELO REBELO DE SOUSA NA TVI E A CESSAÇÃO DESTES
A.1 FACTOS
A.1.1 Segundo um despacho da Agência Lusa e conforme reportagem da TSF, o Ministro dos Assuntos Parlamentares afirmou publicamente, a 4.10.04.,
– sentir-se “revoltado com as mentiras” e com “as falsidades”, com as expressões “de ódio”, produzidas, sobre o Governo, pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, nos seus comentários políticos semanais no “Jornal Nacional” da TVI;
– constituir este modelo de comentários “um caso único” em toda a Europa”, por, referiu, não haver “em país algum uma pessoa a perorar 45 minutos sobre política sem ser sujeita ao contraditório e apenas defender os seus interesses pessoais”;
– haver uma acção convergente com o referido comentário político por parte de um diário e de um semanário;
– e estranhar que a AACS – que emitira pareceres críticos sobre os debates semanais de domingo na RTP, entre os actuais Primeiro-Ministro, dr. Pedro Santana Lopes, e secretário-geral do PS, eng. José Sócrates, defendendo a participação de outras forças políticas nos debates – não se tenha pronunciado sobre os comentários políticos do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
A.1.2 A 6.10.04 – e após uma reunião, a 5.10.04, com o Presidente do Grupo Media Capital, proprietário da TVI – , o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que cessava o seu comentário político.
A.1.3 Tal ocorrência teve grande eco público e suscitou uma audiência do Presidente da República ao comentarista, a 7.10.04, após o que, genericamente embora, o dr. Jorge Sampaio manifestou apreensões quanto a condicionalismos à liberdade de expressão e de intervenção crítica em órgãos de comunicação social.
A.1.4 A 8.10.04, o Director de Informação da TVI anunciou, no final do “Jornal da Noite” daquela estação, que não tivera qualquer intervenção no processo da cessação do comentário político do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, sendo a ela contrário.
A.1.5 Aberto o processo, e para o devido esclarecimento dos factos, a AACS ouviu:
– o Ministro dos Assuntos Parlamentares, dr. Rui Gomes da Silva, em 19.10.04;
– o presidente do Grupo Media Capital, eng. Miguel Pais do Amaral, em 21.10.04 e 9.11.04;
– o Director de Informação da TVI, dr. José Eduardo Moniz, em 21.10.04 e 8.11.04;
– o director do jornal PÚBLICO, dr. José Manuel Fernandes, em 25.10.04;
– o director do semanário EXPRESSO, arq. José António Saraiva, em 26.10.04;
– o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, em 27.10.04.
O Ministro dos Assuntos Parlamentares declarou, fundamentalmente, na audição:
– que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa sistematicamente atacava o Governo e especialmente o Primeiro-Ministro nos seus comentários políticos na TVI;
– que nesses comentários frequentemente se faltava à verdade;
– que com esses comentários a TVI incumpria o dever do contraditório;
– que nem ele nem nenhum outro membro do Governo haviam utilizado, a propósito, os direitos de resposta e de rectificação;
– que o modelo dos comentários políticos em causa era, pela sua duração e pela sua condição de quase monólogo, singular, nomeadamente na Europa;
– que os jornais que convergiam com esses comentários nos sistemáticos ataques ao Governo e aos quais se referira, a 4.10.04, como “um diário e um semanário”, eram o PÚBLICO e o EXPRESSO;
Interpelado sobre como classificava essa convergência, declarou tratar-se de um “cabala” que qualificou de “involuntária”.
O presidente do Grupo Media Capital (2), eng. Miguel Pais do Amaral, disse, essencialmente:
– que a reunião que tivera, a 5.10.04, com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, fora por ele marcada em 1.10.04, portanto antes das declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares, e que – sendo, sublinhou, “um encontro de amigos” – se destinava a tratar de assuntos de estratégia empresarial da TVI, envolvendo aspectos de programação, e a pedir ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa aconselhamento jurídico;
– que decisão do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa de cessar os seus comentários políticos na TVI constituiu para ele uma surpresa;
– que pedira ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa que reconsiderasse e continuasse a fazer as suas intervenções na estação;
– que não actuara sob pressões políticas ou outras;
– que não é pressionável;
– que dentro de seis a nove meses tudo se tornará claro.
O Director de Informação da TVI declarou, fundamentalmente:
– que se encontrava no estrangeiro quando da reunião entre o presidente do Grupo Media Capital e o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa:
– que não teve conhecimento prévio do objectivo dessa reunião;
– que só tomou conhecimento dessa reunião e das suas consequências através de contactos com os dois intervenientes;
– que a ambos manifestou a sua discordância quanto à cessação da colaboração do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa como comentarista político;
– que tentou, junto dele e junto do presidente do Grupo Media Capital. superar a situação e fazer com que o comentarista prosseguisse nas suas intervenções na TVI;
– que manifestou junto do presidente do Grupo Media Capital a sua discordância quanto à intervenção do órgão de gestão em domínios de exclusiva responsabilidade da Direcção de Informação;
– que os comentários políticos do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa no “Jornal Nacional” da TVI se inseriam nesse domínio, de exclusiva responsabilidade da Direcção de Informação.
O director do PÚBLICO afirmou essencialmente:
– que as afirmações do Ministro dos Assuntos Parlamentares relativamente a uma acção anti-governamental conjunta, por parte do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, do PÚBLICO e do EXPRESSO, eram infundadas;
– que tais afirmações decorriam de desconhecimento da natureza e do funcionamento da profissão jornalística;
– que o dever deontológico do contraditório não tem aplicação ao caso dos comentaristas/colunistas dos órgãos de comunicação social, sendo desse tipo os comentários políticos em causa;
– que as declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares constituíam uma forma de pressão sobre a TVI;
– que tais declarações revelam insuficiência de “cultura democrática”;
– que tais declarações demonstram a fragilidade do Governo.
O director do EXPRESSO fundamentalmente referiu:
– que as declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares quanto a uma acção contra o Governo na qual convergiriam o EXPRESSO e o PÚBLICO e o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa não tinham qualquer fundamento;
– que tais alegações resultavam de falta de conhecimento da natureza e do funcionamento dos jornais;
– que o dever deontológico do contraditório não se coloca aos órgãos de comunicação social, em intervenções de comentaristas, identificáveis com as dos colunistas da imprensa;
– que as afirmações do Ministro dos Assuntos Parlamentares sobre os comentários políticos do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa constituem uma pressão sobre a TVI;
– que, no caso, houve também “uma pressão óbvia da TVI para que (o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa) moderasse os seus comentários e um aproveitamento também óbvio por parte (dele) das circunstâncias que estavam criadas”;
– que falta ao poder político “calo democrático”;
– que há neste momento uma evidente pressão nos meios que têm o Estado como accionista.
– que “há pressões directas e indirectas, como temos visto todos os dias, por exemplo, na tentativa de mudar a direcção do DN; isso é uma pressão directa evidente”;
– que tudo isto revela “a fragilidade do poder político”.
O arq.º José António Saraiva confirmou ainda a origem governamental da notícia publicada pelo EXPRESSO referente à aceitação por parte da dr.ª Clara Ferreira Alves do convite para directora do “DN”.
O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa declarou, essencialmente:
– que o seu silêncio sobre os motivos da cessação dos seus comentários políticos na TVI se devia a questões de sensibilidade moral decorrentes da amizade que o ligava ao eng. Miguel Pais do Amaral;
– que decidira quebrar esse silêncio dadas as versões apresentadas pelo presidente do Grupo Media Capital quer em declarações aos jornalistas após a sua audição na AACS quer na audição na Assembleia da República;
– que se limitaria a dizer o mínimo necessário para a defesa da sua honra;
– que esperou, em vão, ser ouvido pela Assembleia da República;
– que fora convocado, em 1.10.04, pelo presidente do Grupo Media Capital, para uma reunião;
– que o eng. Miguel Pais do Amaral não lhe havia dado a conhecer previamente o objectivo ou objectivos do encontro;
– que contactou o Director de Informação da TVI, o qual se encontrava no estrangeiro, no sentido de apurar o propósito de tal reunião;
– que, em 5.10.04, o presidente do Grupo Media Capital não lhe havia solicitado nenhum aconselhamento jurídico;
– que o eng. Miguel Pais do Amaral lhe havia, sim, dito:
– depender uma estação de televisão de uma licença estatal e de condicionalismos económicos e financeiros do Estado e do Governo para viver, o que não pode deixar de ter consequências na liberdade de informação e de opinião;
– ter de tomar iniciativas em função da entrada da RTL/Grupo Bertelsmann no capital do Grupo Media Capital;
– discordar da orientação geral da informação na TVI;
– ser inaceitável haver na TVI uma informação e uma opinião sistematicamente anti-governamentais;
– ser, assim, necessário que ele, Marcelo Rebelo de Sousa, repensasse a orientação dos seus comentários;
– ser o prazo para tal de “duas semanas ou um pouco mais, até ao final do mês”;
– que, perante tais afirmações e condições, decidiu no dia seguinte cessar o seu comentário político;
– que as declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares constituíram “uma pressão e um condicionamento” sobre a TVI;
– que a denúncia feita pelo Ministro quanto a uma “cabala involuntária” do EXPRESSO, PÚBLICO e TVI era “uma ofensa à inteligência dos portugueses”;
– que lamentava que o eng. Miguel Pais do Amaral nunca tivesse condenado essa forma de pressão pública;
– que ficou muito magoado com a declaração do eng. Miguel Pais do Amaral sobre a possibilidade de virem a saber se dentro de 6 a 9 meses as razões da sua recusa em continuar como comentador político da TVI, permitindo que se pensasse que a sua motivação decorria de uma sua eventual candidatura presidencial.
Declarou o Director de Informação da TVI, na segunda audição, essencialmente:
– que o presidente do Grupo Media Capital nunca interferira na sua área de competências como Director de Informação;
– que parte do contraste entre as versões dos intervenientes na reunião havida entre o eng. Miguel Pais do Amaral e o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa resultava de interpretações pessoais;
– que confirmava o anunciado acordo entre o presidente do Grupo Media Capital e a Direcção de Informação da TVI, definindo direitos e deveres de ambas as partes;
– que esse acordo confirmava nomeadamente a autonomia editorial da Direcção de Informação;
– que esse acordo decorria de necessidades sentidas designadamente em função da cessação dos comentários políticos do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa;
– que nunca o presidente do Grupo Media Capital lhe manifestara desagrado quanto à generalidade dos critérios e da prática da Direcção de Informação.
Abordada – dados os objectivos do presente processo e a experiência passada do dr. José Eduardo Moniz no desempenho de Director de Informação da RTP – a questão das afirmações do Ministro da Presidência sobre o papel do poder político acerca do modelo de programação do Serviço Público de Televisão, considerou que tal concepção do papel do poder político neste domínio colide frontalmente com o legalmente estabelecido e com a prática de autonomia e de responsabilidade das direcções de programação e informação daquele Serviço Público. Pelo que, acrescentou, se tais afirmações houvessem sido produzidas sendo ele ainda Director de Informação da RTP, pediria imediatamente a demissão.
Disse, depois, na segunda audição, o presidente do Grupo Media Capital:
– que eram despropositadas e ridículas as suposições divulgadas por órgãos de comunicação social relativamente a hipóteses de pressões governamentais ou outras sobre ele;
– que a estratégia da Media Capital é estritamente empresarial;
– que o caso é um assunto interno;
– que a reunião entre ele e o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, sendo o objectivo abordar a estratégia da empresa, necessariamente envolvia o posicionamento editorial;
– que admitia duas interpretações sobre o alcance da conversa: sendo a sua a de que se tratara de uma troca de impressões entre amigos e de um pedido de aconselhamento jurídico a propósito da estratégia da empresa, e podendo ser a do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa a de que o diálogo envolvera a posição da empresa sobre a sua colaboração;
– que a sua referência, na audição de 21.10.04, na AACS, a uma porventura clarificação de alguns condicionantes da ocorrência dentro de seis a nove meses se relacionava com previsíveis concretizações da estratégia da empresa;
– que não fora pressionado para condicionar a intervenção do comentarista;
– que admitia ser o quadro institucional, político, funcional, do Estado, um elemento a considerar pela generalidade das estratégias empresariais;
– que sabia o que era ser pressionado, por tal ter sido tentado, alegadamente de forma indirecta, através de uma acção de investigação fiscal, na sua empresa SOCI, detentora do semanário “O Independente”, sendo então Ministro com tutela da Direcção-Geral com responsabilidade no domínio fiscal, o Prof. Jorge Braga de Macedo;
– que o acordo estabelecido entre si e o Director de Informação da TVI era uma reafirmação dos direitos e deveres de ambas as partes, que qualificou de útil;
– que encarava a possibilidade de divulgar publicamente tal acordo.
A.2 PONDERAÇÃO
A.2.1 Deliberações da AACS relativas a comentários políticos
Assinale-se preambularmente que este órgão se tem pronunciado de facto – conforme referia, a 4.10.04, o Ministro dos Assuntos Parlamentares –, sobre questões relativas a comentários políticos.
São de tal exemplos as suas Deliberações de 4.12.02 e de 8.01.03.
No primeiro dos dois referidos documentos, (“Deliberação sobre a curialidade ética/legal do comentário político residente na RTP 1”, envolvendo a participação do dr. Pedro Santana Lopes e do eng. José Sócrates num espaço semanal), sublinhava-se a “necessidade de (que os formatos) desses espaços e desses episódios (sejam preparados) com o maior cuidado (…) visando por um lado evitar a confusão de estatuto entre o comentário político, que subentende isenção, e o debate político, que envolve disputa assumida entre as diferentes sensibilidades político/partidárias, bem como, por outro lado e ainda, impedir o afunilamento da opinião pública transmitida, o que violaria o dever de pluralismo que vincula a concessionária do serviço público de televisão.”
No segundo dos documentos (“Deliberação sobre queixa de João Pinto Pires Eduardo (Pedro Faria e Luís Marques) contra a TVI”, justamente a propósito do comentarista político agora em causa, afirmava-se:
“… a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, embora inserida num serviço noticioso, assume claramente a natureza de uma unidade que é opinião e comentário, não se confundindo com os conteúdos jornalísticos propriamente ditos. A sua regularidade e a escolha editorial de um determinado formato permitem, aliás, a sua singularização no contexto em que surge.”
A.2.2 Colóquio sobre o comentário político nos media promovido pela AACS
Refira-se também que a AACS promoveu, em 5.12.95, o Colóquio “O Comentário Político na Comunicação Social”, dividido em duas partes, a primeira sobre a “Independência e a ética do Comentário Político”, com comunicações dos drs. José Miguel Júdice, José Carlos de Vasconcelos, Fernando Rosas e José Ribeiro e Castro, a segunda relativa à “Influência do Comentário Político na opinião pública”, com comunicações do arq.º José António Saraiva e dr. Manuel José Homem de Melo, Prof. Manuel Villaverde Cabral e dr. Daniel Proença de Carvalho.
Pelo interesse de caracterização da função de comentário e comentador políticos, e estando em causa um comentador político, refira-se que o Prof. Vital Moreira fechou, com uma síntese, o Colóquio, referindo, entre outras, as seguintes questões abordadas:
a) A tipologia de comentadores políticos
– o agente político “doublé “ de comentador;
– o ex-agente político “doublé“ de comentador político;
– o comentador político “independente”, isto é, o historiador, o homem de cultura, o sindicalista, o empresário;
– o jornalista que faz comentário político;
– o editor do órgão de comunicação social que faz comentário político.
b) A independência dos comentadores políticos
– como estrita neutralidade, como imparcialidade;
– como não obediência a outros factores e interesses que não o próprio juízo do comentador; isto é, não submissão a interesses partidários, a grupos de pressão, a grupos económicos, etc.
A primeira destas duas noções de “independência”, em rigor, não existiria, por não haver um comentário político estritamente neutral, imparcial, de total isenção em relação a pré-compreensões ou opiniões políticas. Deve existir, sim, a independência do comentador em relação a outros interesses que não sejam o seu próprio juízo, a sua mundividência.
c) A ética política do comentador
Emergiram no Colóquio três posições alternativas:
– o juízo sobre o comentário político deve ser feito pela opinião pública, pelo mercado;
– o comentário político deve obedecer a requisitos éticos precisos;
– o comentário político deve obedecer a uma ética mínima e essa refere-se, sobretudo, ao respeito pela integridade dos factos, ao respeito pelos visados e ao respeito pelo público.
d) Modelos de sanção e de garantia da independência e da ética
Assinalaram-se duas posições:
– a de um regime de incompatibilidades, designadamente a acumulação da função de comentador político com a de agente político;
– a da obrigação de transparência, ou seja, de o comentador identificar a sua posição quanto ao assunto comentado.
A.2.3 A questão do contraditório
O Estatuto do Jornalista/Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, estabelece, no seu Art.º 13ª, entre outros, os seguintes deveres:
“
a) Exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando com rigor e isenção;
b) Respeitar a orientação e os objectivos definidos no estatuto editorial do órgão de comunicação social para que trabalhem;
c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência;
… … … … … … … … … … … … … … … … … ”
Diz-se no ponto 1 do Código Deontológico do Jornalista, documento aprovado em 4 de Maio de 1993, em assembleia promovida pelo Sindicato de Jornalistas:
“… O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.”
Decorre designadamente deste quadro a exigência do contraditório.
Mas tal não se aplica ao caso dos comentários políticos do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
Não estamos perante um espaço noticioso.
Estamos perante uma secção de opinião. Dada a sua estrutura e o seu discurso. Dada a sua identificação como tal. Dada a largamente estabelecida imagem da intervenção jornalística do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
Verifica-se, aliás, que a TVI apresenta um conjunto de comentaristas com muito significativa diversidade de visões políticas e culturais.
Sublinhe-se que a pelo Ministro dos Assuntos Parlamentares invocada doutrina da AACS a propósito de comentários políticos não é aplicável à presente situação.
Sublinhe-se ainda que o Ministro dos Assuntos Parlamentares, havendo referido embora temas sobre os quais o comentarista político teria faltado à verdade, como a baixa dos impostos e o cumprimento do limite do deficit, não concretizou tais faltas à verdade.
Sublinhe-se que nem o Ministro dos Assuntos Parlamentares nem qualquer outro membro do Governo entenderam utilizar o instrumento legal do direito de resposta ou de rectificação.
A.2.4 A alegada singularidade europeia do modelo do comentário político do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa
A singularidade não se confirma.
Designadamente em Portugal, a SIC aplicou-o, sendo, separadamente, comentadores os drs. Pedro Santana Lopes, Paulo Portas, Manuel Maria Carrilho e Pacheco Pereira.
A.2.5 A cessação do comentário político do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa na TVI.
Sublinhemos:
– que, a 1.10.04, o presidente do Grupo Media Capital solicita um encontro com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa;
– que, em 4.10.04, o Ministro dos Assuntos Parlamentares afirma publicamente que os comentários políticos do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa constituem um ataque sistemático ao governo em geral e ao Primeiro-Ministro em especial, contêm “mentiras” e “falsidades”, implicam o incumprimento do dever do contraditório, correspondem a um modelo único na Europa, e que estranha a não intervenção da AACS, até por este órgão ter já, segundo ele, definido uma posição sobre debates políticos, designadamente os que envolviam o dr. Pedro Santana Lopes e o eng. José Sócrates;
– que, em 5.10.04, se dá a reunião entre o presidente do Grupo Media Capital e o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa;
– que, em 6.10.04, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa anuncia ter decidido cessar a sua colaboração como comentador político na TVI;
– que, em 19.10.04, numa audição na AACS, o Ministro dos Assuntos Parlamentares recusa ter feito qualquer pressão tendente a que cessasse essa colaboração;
– que, em 21.10.04, em audição na AACS, o presidente do Grupo Media Capital afirma que a reunião – sendo embora, como fez questão de sublinhar, um encontro de amigos – tinha como objectivo tratar de assuntos estratégicos da TVI e pedir aconselhamento jurídico ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, e nega ter levado o comentarista a cessar as suas intervenções na TVI, assim como nega ter sido pressionado e ser pressionável;
– que, em 27.10.04, em audição na AACS, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa afirma que o presidente do Grupo Media Capital lhe declarou que a televisão depende de uma licença pública e de várias circunstâncias económicas e financeiras, o que pode ter consequências na liberdade de informação e de opinião, que lhe exigiu a alteração do sentido crítico dos seus comentários políticos e que lhe deu o prazo até ao final do mês para que tal ocorresse; pelo que, declarou o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, decidiu cessar a sua colaboração;
– que, em 9.11.04, em segunda audição na AACS, o presidente do Grupo Media Capital reconhece que os assuntos estratégicos que constituíam o objectivo e o conteúdo da sua reunião com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa envolviam aspectos editoriais;
– que à reunião em causa não assistiu o Director de Informação da TVI, dr. José Eduardo Moniz, aliás ausente no estrangeiro; tal Director só teve conhecimento da ocorrência, incluindo a decisão do Prof. Marcelo de Sousa, através de contactos telefónicos com o comentarista e com o presidente do Grupo Media Capital.
A.3 Apreciando e finalizando:
A.3.1 As declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares
Um membro do Governo tem, decerto, como qualquer cidadão, o direito à opinião.
Designadamente, sobre o desempenho quer de um comentador político quer de um jornal diário e de um semanário.
O dr. Rui Gomes da Silva exerceu esse direito.
Exercendo, aliás, publicamente, o contraditório.
Ocorre, porém, que a opinião de um membro do Governo, sendo livre, implica, quando assumida nos termos em que foi, uma responsabilidade política.
Implica o próprio Governo.
Em especial, e foi o caso, se sai em defesa do Governo em geral e do Primeiro-Ministro em especial.
Essa intervenção tem, funcional, institucionalmente, esse peso (3).
Perante a opinião pública.
Tal como perante os agentes do mercado mediático.
No quadro legislativo, regulamentar e administrativo onde a actividade empresarial mediática se insere, quadro que, naturalmente, o Estado interpreta, aplica, acciona.
Mercado no qual o Estado tem, directa e indirectamente, presença significativa.
Directamente, em termos de Serviço Público de Televisão.
Indirectamente, através de participação, privilegiada, no grupo de telecomunicações, media e tecnologia de informação que é a PT.
Pelo que tal tipo de intervenções – ademais vindo de um governante, exercendo-se em defesa do Governo em geral e do Primeiro-Ministro em especial, inserindo-se no referido contexto –constitui objectivamente uma pressão ilegítima.
A.3.2 Os acontecimentos na TVI
Põe-se, desde logo, a questão de saber se o caso, envolvendo uma empresa, é uma questão estritamente empresarial. Pelo que, a ser assim, e havendo que as dirimir no plano legal, tal não caberia à AACS, mas a outra sede.
Ocorre porém que a natureza do caso, que as declarações do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa sublinham, coloca a questão num domínio da atribuição desta AACS, o de zelar pela independência dos órgãos de comunicação social perante os poderes político e económico.
Não apenas em relação às afirmações do Ministro dos Assuntos Parlamentares, mas também em relação às alegadas declarações do eng. Miguel Pais do Amaral quanto ao condicionalismo político e financeiro (nomeadamente, a entrada do Grupo RTL/Bertelsmann) (4) que determinaria a necessidade de uma alteração no conteúdo dos referidos comentários.
Acrescente-se que factos apurados implicam a questão da autonomia e responsabilidade exclusiva de um Director de Informação.
Importa assim apurar se a administração do Grupo Media Capital/ TVI actuou ou não sob pressão ou outro condicionamento por parte do poder político.
E se tal se passou à margem da intervenção da Direcção de Informação.
Afirma o presidente do Grupo Media Capital que não condicionou nem limitou a acção do comentarista.
Assevera o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa que esse condicionamento, essa limitação, ocorreram.
Admitindo o presidente do Grupo Media Capital que, na referida reunião com o comentarista, o diálogo sobre estratégia envolveu questões editoriais.
Assim se considera que – sendo embora diversas as versões dos dois únicos intervenientes na reunião, e não podendo deste modo ser estabelecido, com rigor, o que ocorreu – a abordagem de questões de estratégia da empresa, nomeadamente com incidência no posicionamento editorial, tão pouco tempo após as afirmações do Ministro dos Assuntos Parlamentares, e na sequência da entrada do Grupo RTL/Bertelsmann na estrutura accionista do Grupa Media Capital, constituem um conjunto legitimamente interpretável como um condicionamento do comentador.
Considera-se também ter o presidente do Grupo Media Capital, na circunstância, e pelos motivos referidos, interferido objectivamente na área das atribuições, logo da responsabilidade, do Director de Informação da TVI.
B. QUANTO A DECLARAÇÕES DO MINISTRO DE ESTADO E DA PRESIDÊNCIA SOBRE O PAPEL DO “PODER POLÍTICO ACERCA DO MODELO DE PROGRAMAÇÃO DO OPERADOR DE SERVIÇO PÚBLICO”
B.1 FACTOS
B.1.1 No Colóquio sobre o Serviço Público de Televisão, ocorrido na RTP, em 19.09.04, o Ministro de Estado e da Presidência declarou ter “o poder político” um papel “acerca do modelo de programação do Serviço Público”, serem “os políticos que respondem perante o povo”, não serem “os jornalistas nem as administrações que vão responder perante os eleitores” e haver necessidade de estabelecer “ limites à independência” dos operadores públicos sob pena de ser adoptado “um modelo perverso…”.
B.1.2 Tendo a AACS solicitado, em 20.10.04, esclarecimentos ao Ministro de Estado e da Presidência sobre “o sentido e o objectivo” de tais declarações, aquele membro do Governo, em ofício entrado neste órgão em 28.10.04, esclareceu:
– que “as declarações que (lhe) foram imputadas por alguns órgãos de comunicação social só se compreendem integradas no contexto em que foram proferidas.”
– que “aquilo que disse (…) não difere uma vírgula daquilo que constantemente (tem) repetido ao longo de mais de dois anos de trabalho: compete ao poder político – através da Assembleia da República a partir, ou não, de propostas do Governo – definir o Modelo de Serviço Público de Televisão. Foi o que, de resto, se fez com os resultados que todos reconhecem.”
– que “os limites à independência dos operadores públicos ou privados (…) estão previstos na Constituição, nas Leis, nas competências das entidades reguladoras existentes e ainda nos diferentes códigos éticos que existem no sector. “
– que “qualquer intervenção que o Governo entenda fazer nesta matéria, no cumprimento, aliás, do compromisso assumido no seu Programa, respeitará sempre o interesse público e os limites que a Lei impõe.”
– que “ (…) seguramente não disse (…) o que certos meios de comunicação social, na ânsia da notícia fácil, ou determinados sectores da oposição, de uma forma irresponsável, procuraram extrair, descontextualizando as declarações proferidas.”
– que “ (…) para que não restem dúvidas, se é que elas existem, (acrescenta) que o Ministro de Estado e da Presidência não fez, não faz e não fará qualquer tentativa de interferência em matérias que são da exclusiva competência do conselho de administração da empresa ou dos directores de programação e de informação, como são a nomeação e exoneração dos responsáveis pelos mesmos conteúdos ou a definição, em concreto, dos conteúdos da programação do serviço público de televisão.”
– que “o trabalho que (vem) desenvolvendo demonstra (tal) à saciedade”.
B.1.3 Em audição na AACS, em 9.11.04, o Director de Informação da RTP declarou:
– que cabe à Assembleia da República, designadamente a partir de iniciativas governamentais ou outras, a definição do modelo do Serviço Público de Televisão;
– que cabe às Direcções de Programação e de Informação a definição dos modelos de conteúdos de programação e de informação;
– que não tem conhecimento de que o seu desempenho esteja a ser avaliado na eventual perspectiva da sua substituição;
– que está interessado em continuar a exercer o cargo de Director de Informação da RTP, não tendo quaisquer planos em contrário;
– que as únicas entidades perante as quais responde, no quadro legal ou/e regulamentar, são, desde logo, o CA da RTP, depois, a AACS;
– que nunca foi pressionado, não entendendo como tal queixas, legítimas, por parte do Governo, de forças políticas, de instituições do Estado ou privadas, queixas que são estudadas por um colectivo editorial na Direcção de Informação da RTP e acolhidas ou não em função de um juízo estritamente profissional aplicado no âmbito das missões legalmente atribuídas ao Serviço Público de Televisão;
– que não é pressionável;
– que do seu entendimento da função de Director de Informação de uma estação concessionária do Serviço Público de Televisão decorre a recusa de se envolver no debate político.
B.2 PONDERAÇÃO
B.2.1 Sendo estas declarações de um membro do Governo, de um Ministro de Estado e da Presidência com as responsabilidades que se conhecem no sector da comunicação social, designadamente em termos de Serviço Público de Televisão, elas têm o inerente peso institucional e político.
Que significa a assunção, pelo poder político, da definição “ do modelo de programação do operador de Serviço Público”?
Em particular no contexto de declarações como a de que “não são os jornalistas nem as administrações que vão responder perante os eleitores” e a de que é necessário “haver limites à independência dos operadores públicos” sob pena de ser adoptado “um modelo perverso”.
Tais afirmações ganham densidade com uma passagem do esclarecimento do Ministro de Estado e da Presidência a este órgão regulador. Referimo-nos às matérias que, segundo o Ministro, “são de exclusiva competência do conselho de administração da empresa ou dos directores de programação e de informação, como são a nomeação e exoneração dos responsáveis pelos mesmos conteúdos ou a definição, em concreto, dos conteúdos da programação do serviço público de televisão.” (sublinhados nossos).
Porque, sendo efectivamente da competência do CA da empresa concessionária do serviço público de televisão “a nomeação e exoneração” dos directores de programação e informação, não é competência do referido órgão de gestão o que o Ministro define como os “conteúdos da programação”.
Tais conteúdos decorrem, sim, genericamente, dos art.os 10º e 30º da Lei nº 32/2003, de 22 de Agosto (Lei da Televisão), que determinam os fins dos canais generalistas, e, de forma mais específica, dos artigos 46º e 47º da mesma Lei, já no capítulo relativo ao Serviço Público de Televisão, respectivamente referentes às obrigações gerais de programação, o segundo relativo às obrigações específicas de programação.
Os Estatutos da Radiotelevisão Portuguesa SA, constantes do Anexo II da Lei nº 33/2003, de 22 de Agosto, dela fazendo parte integrante, determinam que:
“Artigo 4º
1 – A responsabilidade pela selecção e o conteúdo da programação e informação da RTP, SA, pertence directa e exclusivamente aos directores que chefiam aquelas áreas.
2 – A RTP, SA deverá assegurar a contribuição das delegações regionais para a programação e informação.”
É neste quadro definidor de responsabilidade que a AACS emite, como é sua competência, descrita na alínea e) do art.º 4º da mesma Lei, “parecer prévio, público e fundamentado, sobre a nomeação e substituição dos directores que tenham a seu cargo as áreas da programação e informação, assim como dos respectivos directores-adjuntos e subdirectores, dos órgãos de comunicação pertencentes ao Estado e a outras entidades públicas ou a entidades directa ou indirectamente sujeitas ao seu controlo económico.”
Note-se que a Clausula 6ª do Contrato de Concessão Geral do Serviço Público de Televisão, entre o Estatuto e a Rádio e Televisão de Portugal, SGPS, SA, estabelece as seguintes obrigações de Programação de serviço público:
“Clausula 6ª
(Obrigações da programação de Serviço Público)
1. A Concessionária obriga-se ao cumprimento, em geral, da missão de Serviço Público enunciada na Clausula 5ª e, em particular, a transmitir uma programação que respeite os seguintes objectivos:
a) Contrariar a tendência para a uniformização e massificação da oferta televisiva, proporcionando programas não directamente ditados pelos objectivos da exploração comercial;
b) Manter referenciais de qualidade numa programação diversificada – cultural, educativa, documental e informativa e recreativa;
c) Promover a divulgação do Cinema, do Teatro, da Música, da Dança, da literatura e da Pintura portuguesas;
d) Corresponde, no respeito dos valores referidos na alínea b), às aspirações dos diversos públicos específicos, sem qualquer forma de exclusão social, política, religiosa, étnica e sexual;
e) Procurar um equilíbrio da programação no sentido de corresponder aos usos, tradições e interesses das populações das diferentes regiões do país;
f) Proceder à divulgação do Desporto, amador e profissional, promovendo para o efeito os programas desportivos adequados, dando particular relevo *as manifestações em que participem atletas ou equipas portuguesas;
g) Assumir uma programação que contribua para a formação e desenvolvimento do gosto e estimule a criação artística;
h) Assegurar a produção e a emissão de programas infantis e juvenis, educativos e de divertimento, a horas apropriadas de programação;
i) Apoiar a produção nacional e a co-produção com outros países em especial da União Europeia e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, nomeadamente nos domínios da ficção e do documentário;
j) Assegurar um equilíbrio entre a produção própria e a produção independente, por forma a permitir o desenvolvimento de uma indústria do audiovisual que constitua um desafio permanente à melhoria da qualidade e eficiência da produção própria;
k) Proporcionar uma informação imparcial, rigorosa, independente, esclarecedora e pluralista, em oposição à informação-espectáculo ou sensacionalista;
l) Sujeitar-se a uma ética de antena que claramente recuse a violência gratuita, a exploração do sexo ou que, de qualquer modo, atente contra a dignidade devida à pessoa e os demais direitos fundamentais, com protecção, em especial, dos públicos mais vulneráveis, designadamente crianças e jovens;
m) Contribuir através das suas emissões internacionais, para a caracterização da identidade nacional e dos seus valores culturais, para a difusão da língua e o alargamento da solidariedade e cooperação com todos os povos da comunidade lusófona;
n) Promover a cooperação com as entidades que, no espaço da União Europeia, prestem o Serviço Público de Televisão, tendo em vista, nomeadamente, o intercâmbio de experiências e a produção conjunta de programas;
o) Assegurar a conformidade do exercício da actividade televisiva, nas suas diversas componentes, com as orientações definidas pelas instâncias internacionais competentes e, em particular, por aquelas cujas decisões são vinculativas para o Estado português (…)”
Ora, decerto tais obrigações estabelecem o quadro geral legal, político, se se quiser filosófico, da programação.
Não são, elas, um modelo de programação.
B.2.2 Finalizando
Assim sendo, reconhecendo-se, naturalmente, ao poder político, através da Assembleia da República, a partir, ou não, de propostas do Governo, a competência de definir o Modelo do Serviço Público de Televisão, no sentido mais geral, que é o conjunto das grandes missões desse Serviço, é inaceitável qualquer implicitação de que é competência legal do poder político definir directamente os modelos de programação.
Tal como, reconhecendo-se, naturalmente, ao dr. Nuno Morais Sarmento o direito a exprimir a sua opinião, se assinala que esta afirmação, bem como – repete-se – as referidas observações sobre limites a impor à independência dos operadores públicos sob pena de ser adoptado “um modelo perverso”, sobre o facto de serem os políticos e não os jornalistas nem as administrações que se submetem ao sufrágio eleitoral, tal como a sustentação, perante a AACS, da tese de que “são de exclusiva competência do conselho de administração da empresa ou dos directores de programação (…) a nomeação e exoneração dos responsáveis pelos (…) conteúdos ou a definição, em concreto, dos conteúdos da programação do serviço público de televisão”, constituem um conjunto, configurando, na circunstância do Colóquio da RTP, uma pressão ilegítima por parte de um membro do Governo responsável directo pela tutela da empresa concessionária desse Serviço Público, ao arrepio do estabelecido nº 4 do art.º 38º da CRP, no nº 2 do art.º 23 da Lei nº 32/2003, de 22 de Agosto (Lei da Televisão) e as alíneas c) e e) do art.º 3º da Lei nº 43/98, de 6 de Agosto (LAACS), e, no esclarecimento à AACS, uma colisão com a letra e o espírito de larga parte dos mencionados textos.
C. QUANTO A CIRCUNSTÂNCIAS DE ALTERAÇÕES NA DIRECÇÃO DO “DIÁRIO DE NOTÍCIAS”
C.1 FACTOS
C.1.1 Foram tornadas públicas declarações da dr.ª Clara Ferreira Alves de recusa do cargo de directora do “DN”, por, entre outras razões, não lhe haverem sido dadas condições para fazer dele um jornal de referência, isenção e aceitação pública e se negar à condição de “comissária política”.
C.1.2 Para esclarecimento dos factos foram ouvidos na AACS:
– o presidente do Conselho Executivo da PT e presidente do CA da Lusomundo Media 5, dr. Miguel Horta a Costa, em 2.11.04;
– o presidente do CE da Lusomundo Média, dr. Luís Delgado, 2.11.04;
– a dr.ª Clara Ferreira Alves, em 2.11.04;
– o dr. Fernando Lima, em 4.11.04.
– o dr. Alexandre Coelho, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Conselho em Comunicação e Relações Públicas – APECOM, em 11.11.04;
– os drs. João Líbano Monteiro e Fernando Maia Cerqueira, administradores da João Líbano Monteiro e Associados, em 11.11.04.
O Presidente do CE da PT e presidente do CA da Lusomundo Media, dr. Miguel Horta e Costa, declarou, no essencial:
– que a decisão de substituir o director do “DN” fora um acto de gestão;
– que para essa substituição contara a avaliação dos resultados empresariais do período de exercício da direcção afastada;
– que o convite feito à dr.ª Clara Ferreira Alves decorria de uma proposta dos administradores drs. Luís Delgado e Mário Bettencourt Resendes;
– que o convite se fundamentara na necessidade de renovação e dinamização do “DN” e nas qualidades e prestígio daquela jornalista e escritora;
– que não encontrava explicação para o facto o EXPRESSO haver noticiado que uma fonte governamental confirmara a aceitação do convite;
– que não conhecia os motivos que teriam levado a dr.ª Clara Ferreira Alves a recusar o convite;
– que nunca sofrera pressões;
– que a Administração da PT nunca exercera pressões sobre os responsáveis pelos conteúdos dos órgãos de comunicação social pertencentes ao grupo ou sobre quaisquer outros;
– que estava em projecto a constituição de uma estrutura do tipo “conselho de opinião”, representativo do público, para os órgãos de comunicação social do grupo;
– que uma prova de transparência da relação entre esta gestão mediática e os sectores editoriais era uma carta firmada por um então administrador da PT, dr. Henrique Granadeiro, e dirigida aos directores dos órgãos de comunicação social do grupo, estabelecendo que o tratamento jornalístico de assuntos ligados aos interesses de accionistas de referência da PT deveria ser previamente comunicado à administração, para que esta o participasse aos accionistas em causa, prevendo-se depois uma abordagem da questão entre a administração e os referidos directores para decisão final, e que, em caso de desacordo, prevaleceria o interesse editorial (6);
– que o novo director do “DN” seria o dr. Miguel Coutinho, então ainda director do “Diário Económico”;
– que o novo director-geral de publicações da Lusomundo Media seria o dr. Carlos Andrade.
Em termos mais gerais do domínio dos media, o presidente do CE da PT referiu ainda:
– que o grupo não aumentara significativamente o seu conjunto de órgãos de comunicação social, pelo que, relativamente à PT, não via que se pusesse a questão de limitar a concentração desses meios;
– que o grupo tem parcerias com todos os grupos mediáticos, nomeadamente com a Media Capital;
– que, aliás, a TV Cabo, integrada no Grupo PT, estava prestes a chegar a um acordo com a Media Capital para a satisfação do propósito daquele grupo de ter presença naquele meio.
O presidente executivo da Lusomundo Media, dr. Luís Delgado, declarou essencialmente:
– que a decisão de substituir o director do “DN” fora um acto de gestão;
– que, mais concretamente, essa substituição decorrera da avaliação dos resultados do período do exercício do director afastado;
– que o convite feito à dr.ª Clara Ferreira Alves decorria de uma desejada renovação do “DN” e da qualidade profissional e da personalidade daquela jornalista e escritora;
– que não compreendia como é que uma fonte governamental poderia ter confirmado ao EXPRESSO o referido convite;
– que a recusa da dr.ª Clara Ferreira Alves do convite para a direcção do “DN” teria decorrido designadamente da sua reacção perante tal notícia;
– que nunca sofrera pressões;
– que, enquanto gestor de órgãos de comunicação social, nunca interferira nos conteúdos editoriais;
– que falava também em “defesa da independência dos 700 jornalistas” do grupo;
– que o novo director do “DN”, escolhido em função da sua experiência e qualidades profissionais, seria o então ainda director do “Diário Económico”, dr. Miguel Coutinho.
Referiu ainda o dr. Luís Delgado que a decisão do dr. Vasco Pulido Valente de não continuar como colunista do “DN” fora anterior ao início deste processo de substituição do director do jornal.
A dr.ª Clara Ferreira Alves afirmou, fundamentalmente:
– que fora convidada para o cargo de directora do “DN” pelo dr. Mário Bettencourt Resendes, para uma renovação e dinamização do jornal;
– que inicialmente recusara, por motivos da sua actividade profissional;
– que num outro contacto, os administradores dr. Mário Bettencourt Resendes e dr. Luís Delgado haviam insistido, garantindo-lhe inteira autonomia, independência de meios e equipas, no conjunto condições bastantes para a concretização do objectivo de renovação e dinamização do “DN”, de forma a voltar a fazer do jornal um diário de referência, isenção e aceitação pública;
– que acabara por admitir o estudo do convite, iniciando-se a preparação de um contrato com base em proposta por si apresentada;
– que a primeira contraproposta de contrato da Global Notícias continha cláusulas por ela inaceitáveis;
– que, entretanto, começaram a sair notícias em vários jornais sobre esse convite, tal como sobre o desconhecimento do então ainda director quanto à evolução do caso e sobre reiterações de confiança nele por parte da PT ;
– que o EXPRESSO publicou a notícia de uma confirmação do convite, por parte de alegada fonte governamental, o que a surpreendeu (fonte governamental que foi confirmada pelo director do semanário, arq.º José António Saraiva, na AACS, conforme ponto A.1.5 da presente Deliberação);
– que insistira numa clarificação da posição da PT Multimédia;
– que insistira em encontrar-se com o presidente da PT;
– que, não se verificando essa clarificação, não havendo resposta inteira a essas condições, comunicara aos seus interlocutores, a recusa do convite;
– que chegara à conclusão de que dirigir um jornal se tornara “num cargo político”.
A dr.ª Clara Ferreira Alves referiu ainda haver sido contactada por duas vezes pelo Primeiro-Ministro, no âmbito da relação de amizade pessoal que tem com o dr. Pedro Santana Lopes, afirmando-lhe este ter conhecimento do convite e, após a referida recusa, lamentar mas respeitar as razões,
Acrescentou a dr.ª Clara Ferreira Alves que o anunciado abandono do dr. Vasco Pulido Valente da condição de colunista do “DN” se deveria a uma intenção por ele manifestada ao jornal antes do início do processo (7).
O dr. Fernando Lima, no essencial, declarou:
– que não conhece, porque nunca lhe foram referidos, os motivos por que tinha sido afastado;
– que a situação que viveu nos últimos tempos com os seus colegas de Direcção teve início com a entrada em funções de Luís Delgado e Mário Bettencourt Resendes na administração da Global Notícias;
– que a sua Direcção – confrontada, no início das suas funções com a queda das vendas do jornal, com um grafismo que descaracterizou o jornal, com a situação precária de vários jovens jornalistas, com um site envelhecido – procedeu a uma mudança gráfica, resolveu a situação dos referidos jornalistas, renovou o site;
– que não dispôs de meios financeiros para renovar a equipa de colaboradores permanentes por a política da administração actual e da anterior ser de forte redução de custos;
– que não foi possível mudar de hábitos de trabalho porque entretanto houve alterações na administração da Global Notícias e nunca chegou a haver condições para tal;
– que a sua Direcção teve sempre a preocupação de manter uma conduta pautada pelo pluralismo, isenção, rigor e liberdade de opinião;
– que participara, com os membros da sua equipa directiva, numa reunião com os drs. Luís Delgado e Mário Bettencourt Resendes, na qual se havia feito uma análise dos resultados obtidos pelo “DN” ao longo do período da sua direcção;
– que nessa reunião não se concluiu, sequer se sugeriu, a necessidade do seu afastamento;
– que soube da possibilidade do seu afastamento através de notícias de jornais;
– que soube do convite à dr.ª Clara Ferreira Alves também através de notícias na imprensa;
– que, procurando um esclarecimento sobre tais informações, quer junto da administração da Global Notícias quer junto do próprio presidente da PT – o qual, havia cerca de dois anos, o convidara directamente para dirigir o “DN” –, ambos confirmaram a sua manutenção como director;
– que atribui também responsabilidade no seu afastamento a “uma guerra de agências de comunicação”, as quais, solicitado embora a fazê-lo, não identificou; tal como não especificou circunstâncias e motivos.
Em relação com esta última alegação do dr. Fernando Lima, e para o esclarecimento do quadro geral onde se insere a actividade das referidas empresas, bem como as de consultadoria nessa área, foram ouvidos o dr. Alexandre Cordeiro, presidente da APECOM, e os drs. João Líbano Monteiro e Fernando Maia Cerqueira, administradores da João Líbano Monteiro e Associados.
O dr. Alexandre Cordeiro, presidente da APECOM, declarou, fundamentalmente:
– que conhece pessoalmente o dr. Fernando Lima;
– que estranha as suas alegações sugerindo uma relação entre agências de comunicação e o seu afastamento do cargo de director do “DN”;
– que as empresas de comunicação não têm força para desenvolver acções do tipo sugerido;
– que, aliás, a APECOM possui um Código de Ética, na linha de exigência de outros códigos de associações estrangeiras congéneres, que não permite nomeadamente acções desse tipo (8);
– que a APECOM integra apenas parte das empresas de comunicação e informação;
– que, em termos de mera hipótese, admite que entidades com força bastante para desenvolverem tais acções possam ser clientes de empresas de comunicação e informação;
– que não conhece casos concretos de acções desse género.
A propósito do Gabinete de Informação e Comunicação (GIC), dado por órgãos de comunicação social como em preparação para, integrado na estrutura do Governo, apoiar a acção do Executivo, declarou que a APECOM oficiou por duas vezes ao Primeiro-Ministro, solicitando esclarecimentos sobre os objectivos e condições de actividade de tal gabinete, tendo apenas conhecimento de que tais solicitações haviam sido remetidas ao Ministro de Estado e da Presidência.
Os drs. João Líbano Monteiro e Fernando Maia Cerqueira, declararam, no essencial:
– que conhecem pessoalmente o dr. Fernando Lima;
– que estranharam as suas afirmações envolvendo empresas de comunicação no processo da sua substituição na direcção do “DN”;
– que são inteiramente alheios ao processo;
– que não integram a APECOM;
– que a sua empresa não é de comunicação e informação no sentido mais comum, mas de consultadoria estratégica;
– que a sua actividade se desenvolve exclusivamente no apoio a empresas, nomeadamente a PT, CTT, EDP, GALP ENERGIA, TOTTA, CARREFOUR, etc..
– que a sua relação com intervenientes no processo não envolve a João Líbano Monteiro e Associados, decorre, sim, de relações marginais a esta empresa, designadamente como co-proprietários, com o dr. Luís Delgado, do “Diário Digital”;
– que alguns dos seus colaboradores são ex-jornalistas;
– que, segundo crêem, designadamente o dr. João Paulo Velez, seu ex-colaborador, se propõe integrar o GIC.
C.2 PONDERAÇÃO
C.2.1 Refira-se que o Estatuto Editorial do “DN”, em vigor desde 19.10.92,estabelece que a linha editorial do periódico se caracteriza pela “liberdade crítica e autonomia em relação a quaisquer entidades ou forças políticas, económicas ou de outra natureza (9).”
C.2.3 Assinale-se que, quando da indigitação do director agora substituído, o Conselho de Redacção do “DN” – na sequência de um comunicado, datado de 24.10.03, no qual assinalava que o indigitado fora “durante uma década assessor de imprensa do ex-primeiro-ministro Cavaco Silva” e exercera “até (havia) cerca de três semanas idênticas funções junto do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz” e que não havia “memória, na história recente da imprensa portuguesa, de um assessor transitar directamente de um gabinete ministerial para as relevantes funções de director executivo de um dos mais prestigiados títulos portugueses” – deliberou, por unanimidade, em 27.10.03, dar parecer negativo, embora assinalando não estar “em causa a seriedade, a honestidade e o carácter do jornalista Fernando Lima.”
C.2.4 Refira-se também que sobre tal nomeação, a AACS, em 29.10.03, produziu uma Deliberação “ (…) sobre a necessidade de garantir a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político” que se reproduz:
“Tendo tomado conhecimento da nomeação como Director do “Diário de Notícias” de um jornalista vindo directamente de uma função de assessoria junto de um membro do Governo, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, considerando o disposto no nº 1 do artigo 39º da Constituição e na alínea c) do artigo 3º da Lei nº 43/98, de 6 de Agosto, que cominam a este órgão o dever de zelar pela independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político, deliberou:
a) assinalar que nomeações neste tipo de circunstâncias podem condicionar, em termos objectivos, a imagem dos órgãos de comunicação social em causa quanto à sua independência designadamente perante o poder político, bem como a confiança dos leitores do jornal;
b) sublinhar que esta sua tomada de posição decorre de uma questão de princípio perante as referidas disposições constitucionais e legais, não estando em causa o profissionalismo e a idoneidade do nomeado, comprovados ao longo da sua carreira jornalística;
c) acentuar que a questão se coloca sobretudo em termos gerais, devendo ser estudadas nomeadamente medidas legais que evitem situações similares.”
C.3 Finalizando
O processo de substituição do director do “DN” envolve uma circunstância que contribui para configurar uma promiscuidade entre o poder político e um órgão de comunicação social, sendo justamente atribuição da AACS “zelar pela independência dos órgãos de comunicação social perante os poderes político e económico” ( alínea c) do Art.º 3º da Lei nº 43/98, de 6 de Agosto (LAACS).
Essa circunstância é o anúncio, por fonte governamental, feito ao EXPRESSO e por esse semanário divulgado, do convite à dr.ª Clara Ferreira Alves, e em fase inicial das conversações entre ela e a administração da Lusomundo Media.
Assinala-se que o “DN” é um título do grupo PT participado pelo Estado.
Assinala-se que a nomeação do director agora substituído suscitou uma Deliberação da AACS relativamente à questão de princípio da passagem directa do dr. Fernando Lima da condição de assessor de um membro do Governo para aquele cargo editorial.
Assinala-se ainda que o Conselho de Redacção do “DN”, também por esse motivo, deu parecer negativo sobre tal nomeação.
Observa-se um dos sentidos da parcialmente reproduzida (as págs. 33 e 34 desta Deliberação) carta do administrador da PT Multimedia, dr. Henrique Granadeiro, estabelecendo para as direcções dos órgãos de comunicação social do Grupo que “sempre que houver que publicar matéria polémica sobre (accionistas de referência), deverá (tal) ser comunicado previamente à Administração para que esta também possa cumprir em tempo útil o s