Agraciados com o Prémio Gazeta alertam para a precariedade no Jornalismo

Teresa Abecasis, João Carlos Malta e Enric Vives-Rubio lembraram os despedimentos e a situação de desemprego que se encontram na ordem do dia.

“Entre o ano de 2008 e o de 2015, o país perdeu 1.218 jornalistas. Nos últimos anos, terão sido centenas. São demasiados. São muitas conversas que se perdem e oportunidades para aproximar pessoas e realidades. Este prémio é para todos eles. Para que as histórias deles não acabem aqui. Por um futuro sem ‘fake news’ ou publicidade disfarçada de jornalismo. O jornalismo faz parte da democracia. E a democracia precisa de bom jornalismo”: foi assim que Teresa Abecasis e João Carlos Malta (site da Rádio Renascença), sócios do Sindicato dos Jornalistas, agradeceram o Prémio Gazeta Multimédia” pelo trabalho ‘Cemitério dos Vivos’, publicado em 21 de junho de 2016.

“A nossa reportagem conta a história de uma comunidade cigana que vive em Beja, a 180 quilómetros de Lisboa, onde estamos concentrados demasiadas vezes. Muita gente veio perguntar-me sobre esta realidade: uns não imaginavam que há ciganos que querem trabalhar, outros nunca pensaram que há pessoas que se dão ao trabalho de pôr sapos à janela para os afastar. O nosso trabalho foi um desbloqueador para muitas conversas”, explicaram.

O Prémio Gazeta de Fotografia foi atribuído a Enric Vives-Rubio (Público) que lembrou o seu caso e salientou a situação de tantos desempregados no Jornalismo. “Recebo este prémio a partir do desemprego, pois, em julho deste ano, o jornal Público dispensou os meus serviços por estar a lutar pelos meus direitos laborais. Desde 2005, o que dá 11 anos, estive a recibos verdes, uma situação laboral precária e proposta pelo próprio jornal para tentar fugir a legalidade que seria assumir a admissão nos quadros da empresa. Saí do jornal da maneira mais desagradável possível e sem direito a qualquer tipo de indemnização nem agradecimento pelos anos compartilhados. Como se diz em português, e perdoem a expressão, com uma das mãos à frente e outra atrás. Hoje vejo este prémio que me concedem uma maneira bem bonita de fechar com chave de ouro a minha etapa no Público. E digo isso sem hipocrisias e com muito orgulho de poder dar mais uma distinção ao Público e de continuar a pôr o fotojornalismo do Público nos grandes patamares da fotografia portuguesa.”

Na constatação que fez a seguir, o seu olhar alargou-se. “Infelizmente a minha situação não é única. O fotojornalismo em Portugal sofre de muita precariedade laboral. Muitos dos colegas que estão a fotografar o dia a dia de este país o fazem em condições laborais muito longe de serem ótimas, onde o recibo verde é algo demasiado comum e muitas vezes ilegal. Isto é um tema sobre o qual todos nós, intervenientes, devemos refletir – se queremos um fotojornalismo assim, com precariedade, com ilegalidades, com injustiças.”

Mais: “Olhando para os últimos vencedores do prémio gazeta de fotografia, um colega me dizia que ser galardoado com este prémio é meio caminho andado para o desemprego: Rodrigo Cabrita, prémio Gazeta 2010, ficou desempregado nos anos seguintes; Jorge Simão, prémio Gazeta 2011, ficou desempregado uma semana a seguir a receber o prémio; Bruno Simões Castanheira, prémio Gazeta 2012, desempregado; Enric Vives-Rubio, prémio Gazeta 2016, desempregado.”

E aprofundou: “Receber este prémio tem hoje mais significado do que nunca. Durante 11 anos, fotografei com o compromisso de ser honesto com a realidade, de não falhar ao leitor do Público e, sobretudo, de respeitar a palavra JORNALISMO. E acho que esta fotografia tem estas três coisas. Poderia ser esta fotografia ou qualquer das milhares que fiz durante mais de uma década. Mas a vida quis que fosse essa a fotografia premiada.”

Num discurso recheado de agradecimentos à família e a companheiros de profissão, Vives-Rubio fez questão de se dirigir ao Presidente da República em catalão, lembrando a sua origem. “Moltíssimes gràcies per assistir a l’entrega dels Premis Gazeta d’enguany”, afirmou.

O júri que o agraciou sublinhara que “a foto de capa, da edição de 4 de agosto de 2016, ‘Mulher a caminhar no meio do parque de estacionamento do Festival de Danças Populares Andanças’, é um excelente documento jornalístico pelo poderoso significado da mulher a caminhar entre carros ardidos, no referido parque do concelho de Castelo de Vide, onde um incêndio afetara, horas antes, mais de 400 viaturas”.

Durante mais de quatro décadas crítico gastronómico do semanário Expresso, José Quitério, associado do Sindicato dos Jornalistas, foi o distinguido com o Prémio Gazeta de Mérito. Além do crítico do Expresso, no caso da imprensa o Prémio Gazeta foi para outra sócia do Sindicato, Luciana Leiderfarb, por “O Nome do Pai”, cuja publicação remonta “a 13 de agosto de 2016 na revista E do semanário Expresso, sobre a herança familiar de descendentes de altos dignitários do regime nazi, dando a voz a quem não apagou apelidos e lidou com tal fardo”.

Já o Gazeta de Rádio foi entregue a Isabel Meira (TSF) com o trabalho “Na hora de pôr a mesa”, no qual “aborda o projeto social de voluntariado ‘A poesia não tem grades’, desenvolvido em meio prisional. Com sonoplastia de Herlander Rui, o trabalho da repórter, atualmente na Antena 2, revela, com sensibilidade, histórias de quem está preso e de quem já esteve e encontrou na poesia uma forma de libertação”.

O Gazeta de Televisão foi para Margarida Metello devido à “série documental de dois episódios intitulada ‘Reforma Agrária’, emitida pela RTP 2 nos dias 27 de outubro e 3 de Novembro de 2016. Num registo equilibrado, sem ceder a maniqueísmos ou a ideias feitas, a reportagem trata um tema sensível, que marcou o agitado período pós-revolucionário de 1974/75 e ainda hoje causa divisões”.

Em relação ao Gazeta de Imprensa Regional “foi atribuído ao semanário Barcelos Popular, fundado em 1976 e que se tem afirmado como projeto inovador e plural de informação essencialmente local nas mais diversas vertentes”, sendo “propriedade da Milho-Rei – Cooperativa Popular de Informação e Cultura de Barcelos, que envolve meia centena de cooperadores. O semanário, conhecido por ‘verdinho’, apresenta vendas acima dos sete mil exemplares e uma audiência estimada de 40 mil leitores”.

A composição do júri nesta edição ficou da seguinte forma: Eugénio Alves (CJ), Cesário Borga (CJ), Eva Henningsen (Associação de Imprensa Estrangeira em Portugal), Fernanda Bizarro (Freelancer), Fernando Correia (jornalista e professor universitário), Elizabete Caramelo (professora universitária), Fernando Cascais (professor universitário e formador do CENJOR), Jorge Leitão Ramos (crítico de cinema e televisão), José Rebelo (professor jubilado do ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa) e Paulo Martins (jornalista e professor universitário).

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