AACS dá provimento a queixa da SIC contra o Benfica

A Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), em deliberação de 7 de Julho, deu razão à queixa da SIC contra o presidente do Sport Lisboa e Benfica e a Casa do Benfica de Vila Real de Santo António, por ter sido impedida de fazer a cobertura da inauguração daquela Casa, em 29 de Maio de 2004.

A AACS considera na sua decisão que ocorreu “um grave incidente de discriminação no acesso de um órgão de comunicação social a um acto público”, para o qual de resto a SIC tinha sido convidada, o que viola “regras essenciais do Estatuto do Jornalista”.

A deliberação insta “vivamente o presidente do Sport Lisboa e Benfica e a Casa do Benfica de Vila Real de Santo António para que, no futuro, se abstenham de praticar, instigar ou colaborar em actos discriminatórios contra órgãos de comunicação social”, sublinhando que tais actos são “totalmente inaceitáveis num Estado de Direito”.

A AACS recorda ainda que “eventuais faltas da comunicação social devem ser suscitadas junto dos tribunais ou da AACS, nunca justificando atitudes de retaliação contra hipotéticos infractores”.

É o seguinte o texto, na íntegra, da deliberação da AACS:

DELIBERAÇÃO

sobre

QUEIXA DA SIC CONTRA O PRESIDENTE

DO SPORT LISBOA E BENFICA E A CASA DO BENFICA EM

VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO

(Aprovada em reunião plenária de 7 de Julho de 2004)

I. OS FACTOS

I.1. A SIC apresentou na Alta Autoridade para a Comunicação Social uma queixa visando acontecimentos ocorridos a 29 de Maio de 2004 na Casa do Benfica em Vila Real de Santo António. Tudo se passou durante a cerimónia de inauguração daquela Casa, tendo a equipa da SIC sido impedida, alegadamente com violência, de fazer a cobertura dos factos. Havendo-se pedido ao operador que pormenorizasse os factos, foi recebida a seguinte missiva que, por esclarecedora do ponto de vista da queixosa, se vai reproduzir integralmente:

“Acusamos a recepção do ofício de V. Exa. acima referenciado.

Esta é descrição dos acontecimentos de dia 28/5 ocorridos na casa do Benfica em Vila Real de Santo António, feita pela nossa equipa de reportagem: Luís Silva e Sérgio Ferreira de Almeida.

A equipa da SIC chegou à Casa do Benfica de VRSA, por volta das 18H30/18H45. No exterior havia muito “povo”, animado, bem disposto, com os habituais “olha a SIC”… aludindo a vários programas da estação, sem qualquer tipo de “hostilidade”. Era aguardada a chegada de Luís Filipe Vieira, que apareceu cerca das 19H20 acompanhado por uma comitiva que incluía dirigentes da “Casa” e vereadores da autarquia.

Luis Filipe Vieira teve desde o início as câmaras da SIC, TVI e SPORT TV apontadas para ele. Entrou para o interior do edifício, “esperou” que o hall onde se encontrava se enchesse e depois afirmou em voz alta que enquanto a SIC estivesse presente não descerraria a placa alusiva à inauguração. Os ânimos de quem estava presente (benfiquistas anónimos mas sobretudo dirigentes) “aqueceram” e começaram a fazer-se ouvir comentários como: “vocês são uns mentirosos”, “a SIC para a rua”, “ponham-nos na rua…”. O repórter ainda olhou para a zona da porta mas esta estava bloqueada por gente que também o insultava e ameaçava. Sair implicava passar por eles …Fez um compasso de espera de 30, 40 segundos para decidir o que fazer e esperando ajuda… foi o suficiente para os gritos se fazerem ouvir ainda mais alto, com a mensagem: “não sais a bem, sais a mal…”. Luís Filipe Vieira estava nesta altura parado, calado, a olhar a cena e a sorrir ….

Frases que rapidamente se estenderam ao exterior onde o jornalista Sérgio Almeida aguardava pelo colega. Já aí continuaram os gritos e os insultos.

De notar que ninguém impedira momentos antes a entrada do câmara no edifício. P’lo contrário, Luis Silva até recebeu ajuda dos presentes na medida em que se afastavam para o deixar passar já que a confusão de pessoas era muita…

Mas depois da afirmação de Vieira, o repórter acabou por ser empurrado à força, por dirigentes e outros, para fora da casa, ao mesmo tempo que era agredido com murros e pontapés…e empurrões estando ele no cimo de uma escada ….Tentaram por várias vezes fazer a câmara cair no chão e a lente também foi constantemente tapada ….a luz da máquina soltou-se e caiu…

Já no exterior, logo à porta do edifício e porque a violência não só se mantinha como crescia, Luís Silva fez sinal à PSP pedindo a sua intervenção. Os agentes encontravam-se no outro lado da rua para regular o trânsito…

Intervieram escoltando a equipa para fora da zona de multidão. Mas mesmo aí, na presença da polícia e de colegas jornalistas que também tinham ajudado nessa escolta, houve quem se aproximasse para mais uns murros na câmara ….0 automóvel da SIC foi acompanhado pela PSP até ao quarteirão seguinte.

Tudo terá acontecido mais ou menos em 10 minutos e foi presenciado por vários colegas de outros orgãos de comunicação social. Foram de resto eles que testemunharam o seguinte: Antes de seguir para a nova Casa do Benfica, ainda na Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, Luís Filipe Vieira tinha dito publicamente que quem disse mal do Benfica iria ser castigado…”

Da primeira carta da SIC, mais sucinta e que não se transcreve, a qual praticamente se limitou a formalizar a queixa, destaca-se, pela sua importância para a instrução do caso, a informação de que o operador fora convidado pela organização para assistir à iniciativa.

I.2. O Sindicato dos Jornalistas publicou sobre o assunto um comunicado, com data de 31 de Maio de 2004, que enviou ao Presidente da AACS, de que se destacam os pontos abaixo transcritos:

“(…)

Além de manifestar a sua viva solidariedade para com os profissionais visados nos referidos incidentes, o SJ deplora o comportamento do Sport Lisboa e Benfica, o qual pode fazer recuar o relacionamento entre agentes desportivos e jornalistas a tempos condenáveis que se supunha definitivamente arredados.

Recusando alinhar em reacções meramente corporativas, o SJ recorda que a expressão da discordância, a devida reposição da verdade e o justo ressarcimento de danos eventualmente causados pelo trabalho dos jornalistas encontram respaldo no relacionamento dos órgãos de informação com as fontes e com as instituições, na ordem jurídica e nos tribunais.

O uso de métodos de discriminação no acesso às fontes de informação, de intimidação e de agressão por entidades promotoras da actividade desportiva não é apenas condenável à luz das normas elementares que regem a vida entre os cidadãos e as instituições, pois também resulta num exemplo muito negativo para os adeptos, em particular os mais jovens.

(…)”

I.3. Tendo sido instado a pronunciar-se sobre a queixa, o Presidente da Direcção do Sport Lisboa e Benfica fez chegar à AACS uma carta cuja transcrição se faz abaixo na íntegra:

“O SPORT LISBOA E BENFICA, notificado através do ofício em referência do teor da queixa apresentada pela SIC a propósito de acontecimentos ocorridos em 29 de Maio de 2004 na Casa do Benfica, em Vila Real de Santo António, vem dizer o seguinte:

1. É manifestamente infundada a queixa em apreço.

2. Com efeito, é falso que a SIC tivesse sido convidada para a inauguração em causa. Foi, tão somente, informada do evento como os demais órgãos de comunicação social, através de press realese enviado a todas as redacções e agências noticiosas.

3. É também falso que a equipa que a SIC fez deslocar à Casa do Benfica de Vila Real de Santo António tenha sido molestada física, moral ou patrimonialmente.

4. É verdade que o Presidente do Sport Lisboa e Benfica se recusou a iniciar o acto de inauguração enquanto no local permanecesse a equipa de reportagem da SIC.

5. Fê-lo no exercício de um direito próprio. O evento em causa decorria em instalações privadas, era promovido por uma instituição privada e destinava-se, exclusivamente, aos sócios da Casa do Benfica de Vila Real de Santo António.

6. Aliás, a Direcção de Informação da SIC conhecia bem a emergência desta mesma situação.

7. Que quis, intencional e deliberada mente, provocar ao destacar a equipa de reportagem para as instalações da Casa do Benfica de Vila Real de Santo António.

8. Com efeito, todos estes factos têm como antecedência directa e nexo causal uma infeliz reportagem, elaborada e emitida à exaustão pelas estações televisivas da SIC, sobre a eventual irregularidade da inscrição do jogador da SLB, Futebol, SAD, Ricardo Rocha.

9. Essa reportagem, inquinada por inaceitáveis falácias, visava o Benfica enquanto instituição e foi editada sem sequer se ter permitido aos seus dirigentes o esclarecimento dos factos, o que, a ter acontecido, esvaziaria de conteúdo o pretenso escândalo que a SIC assim inventou, criou e fez crescer.

10. A forma acintosa como a realidade foi deturpada, manipulando datas e treslendo as previsões regulamentares, tinha como fito único substantivar a bombástica notícia da possibilidade da perca da Taça de Portugal e do segundo lugar na Superliga e, assim, intencionalmente inquietar todos os sócios e adeptos do ora respondente, prejudicando-o gravemente no seu prestígio e maculando a honra e a consideração que lhe são institucionalmente devidas.

11. A gravidade do comportamento da SIC, este sim violador de todos os princípios éticos e deontológicos a que, enquanto órgão de informação, se acha adstrita, requereu a deslocação do Presidente do Clube aos estúdios desta estação, a fim de, pessoalmente e em directo, serenar os benfiquistas, assegurando a inverdade da fantasiosa versão publicada.

12. Ora, transcorridos poucos dias após estes inaceitáveis acontecimentos, a presença em cerimónia privada de equipa de reportagem deste canal originou da parte do Presidente do Clube a aludida reacção.

13. Importa, aliás, esclarecer que a cerimónia em causa não era promovida pelo Sport Lisboa e Benfica, associação de direito privado e de utilidade pública, mas pela Casa do Benfica de Vila Real de Santo António, pessoa jurídica distinta deste outro.

14. Finalmente, esclareça-se que os funcionários da SIC foram convidados a sair das instalações, com a insistência decorrente da sua recusa, a qual, aliás, pretendeu induzir a confusão e a objectiva provocação de conflitos, cuja não emergência se deveu, unicamente, à serenidade da direcção da instituição onde os factos ocorreram.

15. O Sport Lisboa e Benfica, o seu Presidente e Direcção sempre demonstraram o respeito que têm pela comunicação social e pelo direito a informar e ser informado. Mantêm, por isso, relações de profunda cordialidade e de intransigente independência relativamente a todos os órgãos de informação, a todos tratando com urbanidade e consideração, esforçando-se por colaborar no que lhe é solicitado.

16. Não podem, porém, ignorar nem deixar de reagir à deturpação da verdade e à manipulação e, bem assim, aos comportamentos deontologicamente reprováveis que, desprezando a objectividade, o rigor e a isenção, divulgam construções falaciosas dos factos com a intenção de causar impacto público, prejudicar interesses legítimos e atentar contra o bom nome e a dignidade das instituições.

17. Em conclusão, a equipa da SIC não foi ofendida física ou moralmente, tendo sido apenas convidada a abandonar instalações de uma associação privada que realizava uma cerimónia destinada unicamente aos seus sócios e simpatizantes. A recusa do Presidente da respondente a dar início à cerimónia é, atenta a natureza privada da mesma, inteiramente legitima. A SIC agiu com o propósito de criar uma situação de aparente violência e assim optimizar a notícia, com inteiro desprezo pelos mais elementares deveres deontológicos. Da mesma sorte tinha agido já no que respeita à falsa e inaceitável notícia das pretensas irregularidades na inscrição do jogador Ricardo Rocha, difundidas sem qualquer esforço ou tentativa de contacto prévio com a respondente e de adequada informação sobre os factos.

18. Aguardando de V.a Ex.a a judiciosa interpretação dos factos, espera, pois, o indeferimento da queixa da SIC.”

I.4. Havendo-se outrossim pedido à Casa do Benfica de Vila Real de Santo António que acerca do incidente produzisse o testemunho que tivesse por oportuno, os dirigentes daquela Casa comunicaram a esta Alta Autoridade que, tendo conhecimento da resposta do Presidente do Sport Lisboa e Benfica, para ela remetem, por a considerarem ser a expressão fiel da verdade.

II – A COMPETÊNCIA

A Alta Autoridade para a Comunicação Social é competente para apreciar a queixa e sobre ela deliberar, atento o disposto nas alíneas a) do artigo 3º e n) do artigo 4º da Lei nº 43/98, de 6 de Agosto.

III. APRECIAÇÃO SUBSTANCIAL DO MÉRITO DA QUEIXA

III.1. A liberdade de informar, de se informar e de ser informado é um direito/faculdade essencial na nossa ordem jurídica, a começar pelo patamar constitucional. Vejamos o que a propósito dizem os artigos 37º e 38º da CRP, inseridos no Capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias pessoais, Capítulo I do Título II (Direitos, Liberdades e Garantias):

“Artigo 37º

(Liberdade de expressão e de informação

1.Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.

Artigo 38º

(Liberdade de imprensa e meios de comunicação social)

1. É garantida a liberdade de imprensa.

2. A liberdade de imprensa implica: (…)

b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como do direito de elegerem conselhos de redacção.

(…)”

Observemos agora o Estatuto do Jornalista, Lei nº 1/99, de 13 de Janeiro, cujo artigo 6º, alínea b) começa por garantir de novo “a liberdade de acesso às fontes de informação”. E cujo fundamental artigo 9º assegura solenemente que,

“1. Os jornalistas têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa.

2. O disposto no número anterior é extensivo aos locais que, embora não acessíveis ao público, sejam abertos à generalidade da comunicação social.

(…)”

Doutrina prosseguida e desenvolvida no artigo 10º do mesmo Estatuto, epígrafado de “Exercício do direito de acesso”, de que se recordam a seguir os respectivos nºs 1 e 2:

“1. Os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais referidos no artigo anterior quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei..

2. Para efectivação do exercício do direito previsto no número anterior, os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade.

(…)”

Centrando-nos agora no meio de comunicação social de que se trata, a televisão, recorramos à Lei da Televisão, Lei nº 32/2003, de 22 de Agosto, sendo de relevar o que diz o seu artigo 10º, intitulado “Fins dos serviços de programas generalistas”, no respectivo nº 1:

“1. Constituem fins dos serviços de programas televisivos generalistas:

Contribuir para a informação, formação e entretenimento do público;

Promover o exercício do direito de informar e de ser informado, com rigor e independência, sem impedimentos nem discriminações;

Favorecer a criação de hábitos de convivência cívica própria de um Estado democrático e contribuir para o pluralismo político, social e cultural.

(…)”

E não deixemos de sublinhar a consagração do nº 1 do artigo 23º da Lei da Televisão sempre em referência, que, visando garantir a autonomia dos operadores no que concerne à liberdade de programação e de informação, estabelece que,

“A liberdade de expressão do pensamento através da televisão integra o direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista, essencial à democracia e ao desenvolvimento social e económico do país.”

III.1.1. Ou seja, a liberdade de acesso da comunicação social (logo, dos seus profissionais) aos locais onde têm lugar acontecimentos de relevância pública, e onde designadamente não ocorrem impedimentos ou limitações a esse acesso com fundamento legal, e, por maioria da razão, onde exista, ou seja até suscitada pelos responsáveis desses locais, uma entrada generalizadamente aberta à comunicação social, esse acesso não pode ser pontualmente recusado ou discriminado. É este um imperativo legal irrecusável da nossa sociedade, uma sociedade moderna, democrática e pluralista, um Estado de Direito, em que a liberdade de informar apenas é compreensível e exequível com a liberdade de acesso como princípio enquadrador, sendo este princípio uma regra instrumental que tem de ser encarada como um corolário forçoso da imposição constitucional da alínea b) do nº 2 do artigo 38º da CRP, acima citada.

III.2. Terão os incidentes de Vila Real de Santo António infringido aquele princípio e a regra instrumental que representa? Decerto. Com efeito,

III.2.1. O acto de inauguração da Casa do Benfica na referida cidade algarvia era um acto público, de relevância reconhecida, de resto anunciada à generalidade da comunicação social pelos organizadores, certamente na expectativa de que o evento fosse mediaticamente coberto. O argumento de que nomeadamente a SIC não foi “convidada” mas tão só “informada” da iniciativa é totalmente falicioso; não se “informa” um órgão de comunicação social acerca de um acto público que vai decorrer sem que essa “informação” corresponda a um convite a estar presente e a cobrir esse evento, o que, sendo verdade em abstracto, é-o acrescidamente para com um operador de televisão, o qual, para informar, tem necessariamente de estar presente para colher imagens. Sintetizando este ponto: para além de ter, como se verá afinal, violado grosseiramente normas básicas de procedimento regular no tocante ao acesso da comunicação social a actos públicos, a organização da cerimónia de abertura da Casa do Benfica em Vila Real de Santo António actuou, na matéira, com uma surpreendente deslealdade, pois negou (indevidamente) o acesso à cerimónia a um órgão de comunicação social que convidara expressa e concretamente, o que constitui uma circunstância agravante do ilícito em exame.

III.2.2. A denegação de acesso à SIC representa, substancialmente e sem dúvida, uma infracção grave às normas que regem a intervenção da comunicação social em actos públicos. E nem se diga que o acto era “privado”. A inauguração da Casa de um grande clube, instituição vocacionada para o relacionamento com a população, com a opinião pública e com os “media”, inauguração aliás largamente anunciada e deliberadamente aberta à comunicação social, é um acto indiscutivelmente público. Recusar aí o acesso expressa, concreta e notoriamente a um e apenas a um órgão de comunicação social, numa atitude isolada face a um universo generalizado de acolhimento a todos os “media”, e fazendo-o com grande alarido, constitui um acto de discriminação indisfarçável, típico e insofismável. Este acto de discriminação, sobre ser criticável, tem de merecer um repúdio claro e firme, uma vez atentas as condições em que decorreu e as consequências que adviriam de possíveis repetições de atitudes semelhantes.

III.2.3. Uma remanescente circunstância agravante na economia do juízo acerca dos factos em análise é corporizada pela “razão” virtualmente única aduzida pelo Benfica para procurar fundamentar a sua atitude, que assenta em supostas faltas cometidas recentemente pela informação da SIC em relação ao Benfica, as quais justificariam a discriminação do que o operador foi vítima. Ora, num Estado de Direito, a retaliação ou a vindicta são procedimentos intoleráveis. Se uma pessoa ou uma instituição pensam ter motivos de queixa fundados designadamente contra um órgão de comunicação social, devem queixar-se a quem de direito – no caso, à AACS ou aos tribunais – mas é de todo inadmissível que invoquem essa convicção de afronta como causa legítima de retaliar, por exemplo impedindo ao presumível infractor um acesso em princípio disponibilizado genericamente aos restantes “media”. A chamada “justiça privada” é o contrário do direito, da cidadania e da civilização. Não pode, em nenhuma hipótese, ser caucionada ou desculpada, nomeadamente pelo órgão de Estado encarregado de zelar pela liberdade de informar, de se informar e de ser informado.

III.3. A defesa do Presidente do Sport Lisboa e Benfica, perfilhada como se viu pela Casa do Benfica, inspirada numa alegada correcção de procedimento onde realmente houve sim discriminação e infracção, não aduz elementos de argumentação que minimamente logrem afastar, ou sequer diminuir, a qualificação dos factos apreciados ou até a sua gravidade. Lamenta-se que à comissão de actos indefensáveis acresça a inconsciência dos erros cometidos, o que só sublinha a oportunidade da procedência da queixa e do seu sentido correctivo e pedagógico.

III.4. Vai-se pois coroar o exame sequente à queixa dando-lhe razão e verberando a atitude dos visados. Para tanto nem é preciso entrar no emaranhado de contradição factual entre as versões dos contentores, obviamente incoincidentes a vários títulos, como por exemplo quanto a se houve ou não agressões físicas. Basta fixarmo-nos no que foi público e notório em Vila Real de Santo António e é basicamente aceite quer pela SIC quer pelo Presidente do Sport Lisboa e Benfica/Casa do Benfica para concluir que houve, indubitavelmente, discriminação no acesso de um órgão de comunicação social a um acto público e que essa discriminação é ilegítima e inaceitável. Tal é o aspecto fulcral da questão e para o consagrar existem bastantes e sobejantes factos manifestamente assentes. E há também uma antiga e persistente doutrina da Alta Autoridade que sustenta, sem ambiguidades, a defesa do acesso generalizado dos “media” a actos onde o conjunto da comunicação social é aceite, inviabilizando todo o tipo de discriminação nesta delicada área, e, por inteiramente irrecebíveis, recusando pretensas fundamentações de negação de acesso estribadas em invocados ilícitos provocados anteriormente pelos órgãos discriminados face aos discriminadores. É por conseguinte esta a doutrina que vai informar a parte conclusiva da Deliberação.

IV. CONCLUSÃO

Tendo apreciado uma queixa da SIC contra o Presidente do Sport Lisboa e Benfica e a Casa do Benfica de Vila Real de Santo António, por aquele operador ter sido impedido de fazer a cobertura da inauguração daquela Casa, em 29 de Maio de 2004, situação que reputa de ilegítima, a Alta Autoridade para a Comunicação Social delibera:

a) Reconhecer procedência à queixa, por se verificar que ocorreu com efeito, no caso, um grave incidente de discriminação no acesso de um órgão de comunicação social a um acto público que tinha sido largamente anunciado e para o qual o operador queixoso havia aliás sido convidado, violando-se assim regras essenciais do Estatuto do Jornalista;

b) Instar vivamente o Presidente do Sport Lisboa e Benfica e a Casa do Benfica de Vila Real de Santo António para que, no futuro, se abstenham de praticar, instigar ou colaborar em actos discriminatórios contra órgãos de comunicação social, actos que são totalmente inaceitáveis num Estado de Direito, onde as relações entre as instituições e os “media” se pautam pelo cumprimento da lei, pela transparência e pela equidade, recordando que eventuais faltas da comunicação social devem ser suscitadas junto dos tribunais ou da AACS, nunca justificando atitudes de retaliação contra hipotéticos infractores.

Esta deliberação foi aprovada por unanimidade com votos a favor de Sebastião Lima Rego (Relator), Armando Torres Paulo, Artur Portela, José Garibaldi, João Amaral, Manuela Matos, Jorge Pegado Liz e José Manuel Mendes.

Alta Autoridade para a Comunicação Social,

em

7 de Julho de 2004

O Presidente

Armando Torres Paulo

(Juiz Conselheiro)

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