«A mediacracia e as eleições»

Com o título em epígrafe, J.-M. Nobre Correia publicou em 9 de Fevereiro de 2002, na sua coluna semanal do Expresso, denominada «Mediapolis», um comentário à questão da participação dos jornalistas na política, citando para o efeito o que determina o Livro de Estilo de um jornal de referência tão prestigiado como o «Le Monde».

Numa democracia jovem, e não particularmente vigorosa, é normal que a questão se ponha. Poderá um jornalista apresentar a sua candidatura em eleições de carácter político? É claro que pode: como cidadão, o Estado democrático reconhece-lhe plenamente esse direito. E será bom que os jornalistas recorram sem reserva a tal direito? É evidente que não. A não ser que o próprio sistema democrático seja seriamente posto em causa. De outro modo, é o jornalismo que se desvirtua. E a democracia só tem a perder com isso.

Toda e qualquer afirmação pública ideológica partidária (no sentido lato da palavra) por parte de um jornalista é nefasta para o jornalismo. Porque, para credibilizar a sua informação, um «media» precisa de adoptar uma postura de independência, de dar uma imagem de isenção aos seus leitores, ouvintes ou espectadores. E porque, para que a fidelização possa ser uma realidade, é preciso que o «media» respeite escrupulosamente o contrato de confiança estabelecido implicitamente entre ele e o seu público.

Gargarejando com uma deontologia que não se pratica mas de que se faz fundo de comércio, haverá quem proclame princípios legais e constitucionais para defender o indefensável. Porque a defesa da «classe» institucionalizada (da mediacracia) constitui o mais curto caminho para adquirir um estatuto social em vista. Embora para isso se tenha que recorrer a demagogias e insultos que escandalizariam a generalidade dos colegas de além-fronteiras.

Vejamos antes o que diz a este propósito o livro de estilo de «um dos dez melhores diários do mundo»: Le Monde. Diário que, por sinal, é maioritariamente controlado pelo pessoal (52,61%), sendo a sociedade dos redactores o maior accionista (29,58%). Pois o livro de estilo publicado em Janeiro evoca três princípios. Primeiro: «Nos seus contactos públicos, os jornalistas abstêm-se cuidadosamente de manifestar ostensivamente as suas opiniões (políticas, religiosas, filosóficas, etc.). Eles respeitam um dever de reserva que é o melhor garante de uma boa escuta».

E mais adiante: «Os redactores não se apresentam às eleições municipais, cantonais ou legislativas». Só as presidenciais não são evocadas, por razões evidentes. E por fim: «Os redactores não assinam abaixo-assinados. Eles podem exprimir os seus pontos de vista escrevendo análises e comentários nas colunas do jornal». Três velhos princípios do jornal, perfeitamente claros.

Como outros belos princípios, também estes correm o risco de vir a ser letra morta, não aplicados. A solução ideal seria evidentemente que cada um os assumisse em consciência. Segundo a sua ética pessoal. Segundo a percepção que tem da profissão. A relatividade de tais conceitos convida porém a que seja o «media» ele próprio a impô-los aos colaboradores. Em defesa dos interesses da empresa e do público. Sem se preocupar com as autoproclamadas autoridades em deontologia. Autoridades mais preocupadas com a própria visibilidade social do que com a excelência de uma prática profissional…

Texto reproduzido com a autorização do autor

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