«A lealdade cercada»

Na sua coluna semanal «Manifestos & Exageros», que se publica às quartas-feiras no Diário de Notícias, Oscar Masarenhas voltou a abordar, em 6 de Fevereiro de 2002, o caso suscitado pela candidatura de Alfredo Maia às eleições legislativas, apresentando uma crónica que intitulou «A lealdade cercada».

Em 1986, concorreram duas listas ao Sindicato dos Jornalistas: de um lado, estava uma estranhíssima aliança de figuras, como Joaquim Letria (ex-assessor do Presidente Ramalho Eanes), Emídio Rangel (ex-assessor de campanha de Maria de Lourdes Pintasilgo), militantes do PCP – e do PSD; do outro, estávamos independentes de esquerda e extrema-esquerda, militantes do PS – e um jornalista comunista! Que jeito nos deu, então, esse jornalista comunista! Ele era emblema de um pluralismo nosso que tinha sido capaz de penetrar até o blindado PCP. Mas, mais do que isso, era a exibição de um jornalista comunista que conseguia não ser correia de transmissão do PCP.

Em todo o caso, levámos uma derrota histórica – mas posso hoje garantir que ganhámos na História: o grupo vitorioso desfez-se em pouco tempo, zangados uns com os outros, e, dos jornalistas do PCP, uns mudaram de cores e convicções – e outros ainda hoje torcem a orelha, pelo tremendo erro político que cometeram e que quase matava o Sindicato. Visto de fora, foi uma maravilhosa lição a um PCP sempre sabichão – e insuportavelmente fanfarrão em matéria de exclusivo em superioridades morais e tenacidades militantes, que, no sector dos jornalistas, está mesmo muito por provar.

«Salvou-se», dessa altura, um jornalista comunista, que teve a coragem de divergir. Esse jornalista chama-se Alfredo Maia, hoje presidente do Sindicato, meu querido amigo e alvo da mais absurda campanha de escarmento que visa cercear-lhe direitos constitucionais e impulsos de cidadania.

Alfredo Maia está a cometer o crime de ser o que é e de não deixar de o ser: cidadão activo, sempre participou nas lutas políticas pela cor da sua preferência; deputado municipal pela sua cidade, aceitou várias vezes fazer parte de listas de candidatos a deputados em lugares mais que provavelmente não elegíveis, numa bela prova de humildade militante. Era assim antes de ser dirigente sindical – e ninguém lhe pediu que deixasse de ser o que era, quando o convenceram a aceitar as desassossegadas funções sindicais. A posição de Alfredo Maia foi sempre leal e transparente – e essa lealdade e essa transparência estão hoje cercadas.

Admito que haja jornalistas que não se sintam bem, por terem um presidente sindical comunista; admito que outros haja que nem sequer queiram um presidente partidário. São preferências – e há uma solução: apresenta-se lista diferente e pergunta-se à classe quem é que quer; as eleições são daqui a poucos meses. Posso garantir que os actuais dirigentes – comunistas e não comunistas de todas as correntes, incluindo diabéticos! – estão mortinhos, mas mesmo mortinhos para passar o fardo, que, além de pesado, colhe de tudo, menos gratidão.

Venham outros, por Deus! Agora, o que não podem fazer é esbulhar os dirigentes sindicais dos seus direitos constitucionais e de cidadania.

Tenho mais sorte do que o Alfredo Maia, porque a mim ninguém se lembrou até agora de me desaquietar com um convite para uma lista partidária. Não saberia, de imediato, como responder. É que a política é uma coisa bela e digna – e não vejo por que me deva impedir de fazer coisas belas e dignas, quando para isso me sentir impelido.

A concepção de que a política é um estigma ou uma sujeira é um exercício de sobranceria petulante que mal disfarça uma ideologia mesquinha e pequeno-burguesa, ao nível da filosofia de uma sopeirinha.

Custou muito a cá chegarmos, com liberdades e partidos – e, embora não tenha filiação partidária (como é visível para os meus leitores habituais), não estou disponível para alinhar no coro antipartidos, porque não desejo regressar aonde já estivemos.

Um abraço, Alfredo Maia! Viva a liberdade!

Texto reproduzido com a autorização do autor

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