A intervenção de Alfredo Maia no II Curso de Jornalismo Judiciário

A preservação do sigilo profissional e a protecção desta ou daquela fonte concreta, mesmo que circunscrita a um conjunto de factos temporalmente delimitados, constitui um valor perene que não se extingue nem caduca, sublinhou Alfredo Maia na sessão inaugural do II Curso “A Justiça e o Jornalismo Judiciário”.

Referindo-se ao caso do jornalista Manso Preto, que será julgado por se ter recusado a divulgar uma fonte em tribunal, o presidente do Sindicato dos Jornalistas salientou que “jornalistas e profissionais forenses de diversos níveis de intervenção e responsabilidade, legisladores e cidadãos não podem fechar os olhos e seguir em frente como se nada estivesse acontecendo. “

Alfredo Maia destacou ainda a importância deste curso “para que o exercício do jornalismo seja cada vez mais qualificado, responda melhor às exigência do público e melhor se capacite para enfrentar os desafios do quotidiano.”

É o seguinte o texto integral da intervenção do presidente do SJ na sessão inaugural do II Curso “A Justiça e o Jornalismo Judiciário”:

“Cumprindo-me dar-vos as boas vindas, em nome do Sindicato dos Jornalistas, devo começar por saudar a vossa determinação em contribuir para a valorização de uma profissão cuja fasquia de exigência técnico-profissional é cada vez mais elevada.

“É nesse sentido que vai o programa de acções e cursos de formação em que o Sindicato está envolvido, para cuja qualidade contribui a colaboração de entidades com o prestígio científico e pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade Católica e do Cenjor – Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas, bem como o empenho cívico e didáctico do Movimento Justiça e Democracia.

“De facto, iniciativas como esta, já em segunda edição e com vida que prevemos longa, não visam alimentar apenas a expectativa legítima da valorização pessoal e profissional dos que a elas aderem.

“O seu objectivo primordial é contribuir para que o exercício do jornalismo seja cada vez mais qualificado, responda melhor às exigência do público e melhor se capacite para enfrentar os desafios do quotidiano.

“A abertura deste segundo Curso de Jornalismo Judiciário ocorre num contexto particularmente rico de acontecimentos que convoca a nossa atenção, apela à reflexão e exige debate sereno mas firme.

“Nada melhor do que este ambiente, em que jornalistas, juristas e magistrados se encontram para aprofundar mais o conhecimento e a análise dos problemas, para produzir alguma luz sobre as contrariedades que quotidianamente se nos levantam.

“Os acontecimentos mais recentes justificam uma atenção mais dedicada aos problemas levantados na interpretação de vários dispositivos da lei processual penal, traduzida numa não ponderada hipervalorização do dever de colaboração dos jornalistas com a Justiça e, por conseguinte, a Sociedade, com sacrifício de mecanismos essenciais para a garantia de direitos fundamentais.

“A pretexto de tal dever, pode estar-se a criar um quadro tendente a impor o dever de revelar fontes de informação confidenciais, com os riscos que tal prática representa, ao conferir ao trabalho dos jornalistas – uma vez transformados em testemunhas – um papel instrumental e sempre à mão da autoridade judiciária na produção da prova.

“Seria estultícia pensar que os deveres de colaboração dos jornalistas com a Sociedade, no que diz respeito à difusão dos factos a que tiveram acesso, se esgotam na divulgação de tais factos sob a forma noticiosa.

“A preservação do sigilo profissional e a protecção desta ou daquela fonte concreta, mesmo que circunscrita a um conjunto de factos temporalmente delimitados, constitui um valor perene que não se extingue nem caduca.

“Para os jornalistas e para as suas organizações, é absolutamente indispensável preservar a independência e a credibilidade destes profissionais, como se argumentou – e bem – ainda recentemente, quando o Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia chamou a depor um conjunto de repórteres de guerra.

“Entre nós, o recente incidente com o jornalista Manso Preto e a previsão de, em vários outros casos, as instâncias judiciais poderem voltar a não compreender as motivações justificadas e eticamente profundas dos jornalistas para a recusa em revelar as suas fontes de informação coloca na ordem do dia o que consideramos ser uma garantia fundamental do direito do público de ser informado.

“O direito ao sigilo profissional não é um privilégio de casta atribuído aos jornalistas à margem de um interesse colectivo relevante.

“Antes de mais, traduz-se num indeclinável dever profissional que visa garantir que as informações disponibilizadas foram obtidas num quadro de liberdade e de responsabilidade.

“Responsabilidade ética, sem dúvida; mas também responsabilidade penal.

“Responsabilidade ética, porque impõe ao jornalista o dever de assumir até ao limite das suas forças o contrato de confiança com as fontes confidenciais, sem o qual a verdade jornalisticamente possível jamais alcançaria o patamar de esclarecimento a que as opiniões públicas das democracias sólidas legitimamente aspiram.

“Responsabilidade penal, porque a insuficiente protecção legal do sigilo dos jornalistas constitucionalmente consagrado se traduz, afinal, em riscos para a própria liberdade física dos que ousarem fazer valer até ao fim o dever de lealdade para com as fontes que confiaram no seu profissionalismo e na sua coragem.

“Pedir a um jornalista que aceite carregar nos ombros o ónus da confiança e pagar porventura com a prisão o tributo da lealdade pode representar, para alguns de nós, um exercício de confortável hipocrisia, mas constitui também um desafio para que colectivamente reflictamos sobre o significado e o alcance dos valores que se pretende proteger.

“Jornalistas e profissionais forenses de diversos níveis de intervenção e responsabilidade, legisladores e cidadãos não podem fechar os olhos e seguir em frente como se nada estivesse acontecendo.”

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