Sob o título «Quem Controla as Televisões?», o jornalista Henrique Monteiro (*), subdirector do semanário «Expresso», publicou na sua secção «Máquina da Verdade», em 19 de Maio de 2001, um comentário crítico à incessante caminhada para o abismo das televisões privadas, asseverando que tem de haver limites e estes não podem ser fixados apenas pelas audiências.
A discussão familiar que o programa da SIC «Bar da TV» transmitiu em directo na passada terça-feira foi qualquer coisa triste, tristíssima, além de um atentado a diversos direitos individuais. A guerra de audiências que se acentuou desde que a TVI passou a emitir o «Big Brother» provocou os efeitos tantas vezes previstos: uma vertiginosa descida dos padrões éticos. Transformar a dor dos pais e a angústia de uma filha em espectáculo, eis algo que está para lá do suportável. Como já estavam, na verdade, cenas de sexo do «Big Brother» à hora do almoço, bem como várias cenas do chamado telelixo.
A ideia da autoregulação, de um acordo de cavalheiros entre as televisões, que durante tempo chegou a pensar-se possível, apresenta-se hoje como uma ingénua utopia. As audiências são o combustível que põe em marcha os canais televisivos e a verdade é que, por muito que custe a certas pessoas, este telelixo garante-as de sobejo. Aí está: a SIC, naquele que foi o seu pior momento, conseguiu destronar, finalmente, o «Big Brother».
Outro dado é, porém, certo. À falta de autoregulação tende a haver heteroregulação, uma imposição exterior de regras e normas. Só assim se entende as palavras do ministro Oliveira Martins e de alguns deputados, além do comunicado da Alta Autoridade. Infelizmente, esta (apesar do nome) não tem qualquer autoridade, alta ou baixa, dando, até, certa razão à SIC quando afirma que esteve calada em relação a desmandos semelhantes na TVI.
A heteroregulação tem um lado preocupante, porque deixa às mãos do Estado decisões que poderiam ser privadas. E a desconfiança em relação ao Estado sempre foi um bom critério para uma comunicação social livre. É pesaroso podermos chegar à conclusão de que hoje em dia talvez seja este o menor dos males, a única ideia que resta para impedir que, amanhã, novos passos se dêem para a incessante caminhada para o abismo.
O que não pode seguramente continuar é esta ideia infrene segundo a qual quem emite não tem limitações de ordem ética. De que tudo é regulado, arbitrado e resolvido por essa massa anónima – cujas motivações nem são conhecidas – a que se chama audiência. Sempre existiram e terão de continuar a existir limites.
Por muito que a multidão exija – como no circo romano – mais sangue, mais violência, mais «voyeurismo» e mais canalhice – há uma evidente e clara responsabilidade das televisões. Se elas próprias não a assumem, alguém vai decidir por elas.
(*) Texto reproduzido com a autorização do autor