A declaração de princípios do GIR

A importância da televisão pública num momento as estruturas sociais estão a perder a sua capacidade integradora é uma das questões sublinhadas na Declaração de Princípios do Grupo Informal de Reflexão (GIR).

A declaração foi divulgada na Conferência Nacional sobre o Serviço Público de Televisão, promovida pelo GIR, no dia 13, em Lisboa.

É o seguinte o texto integral da declaração de princípios do GIR:

Declaração de princípios

“Hoje, mais que nunca , é necessário um serviço público de televisão de qualidade.

“A globalização, a perda do papel integrador das estruturas tradicionais – família, escola, sindicatos, partidos, igrejas e outras instituições -, a transformação do público em mero somatório de audiências, indivíduos com uma passiva existência estatística reforçam, em vez de diminuir, a importância de uma televisão pública.

“Só esta, com efeito, está em condições de dar expressão à diversidade política e cultural, promover uma informação independente, dar voz e integrar as diferentes regiões.

“Uma televisão pública independente e de qualidade é também necessária para contrariar a crescente “balcanização” da sociedade pela vertiginosa multiplicação da oferta e pela fragmentação das audiências.

“Nas novas condições sociais e tecnólogicas só o serviço público de televisão permite criar um imprescindível local de encontro entre todos os públicos, um fórum de debate cívico que contribua para reforçar a coesão nacional.

“Uma televisão pública independente e de qualidade é o território por excelência para expressar toda a criatividade do imaginário colectivo – defender a língua e a cultura nacionais.

“Num contexto do audiovisual cada vez mais dominado pelos grandes conglomerados, que fogem a todo o tipo de controlo, a defesa de um serviço público de televisão de qualidade é também um elemento crucial de defesa da soberania nacional.

“Aliás, basta ver como a esmagadora maioria dos estados europeus e outros países desenvolvidos – Japão, Austrália e Canadá – têm defendido as suas estações públicas face às pressões dos grupos de comunicação, que se acentuam em períodos de recessão económica ( primeiro, a seguir à guerra do Golfo, em 1991, e agora, depois do 11 de Setembro de 2001).

“Foi justamente este entendimento que levou a União Europeia a subscrever um Anexo ao Tratado de Amesterdão, onde se consagra o direito dos países subscritores – entre os quais Portugal – financiarem as suas estações públicas, atendendo a que “ a radiodifusão de serviço público nos Estados membros se encontra directamente associada às necessidades de natureza democrática, social e cultural de cada sociedade, bem como à necessidade de preservar o pluralismo dos orgãos de comunicação social ” .

“As novas tecnologias – cabo, satélite, plataformas digitais, etc. – podem, a prazo, vir a modificar o perfil tradicional do espectador de televisão, transformando-o, eventualmente, de consumidor passivo e fidelizado, em utilizador interactivo. Mas isto não significa que o Estado se tenha de demitir das obrigações que constitucionalmente lhe competem, de garante do pluralismo e defesa da identidade e soberania nacionais. Pelo contrário, as mudanças tecnológicas, que estão já na ordem do dia, criam ao Estado a obrigação suplementar de estar presente em todas as plataformas do audiovisual.

“Em Portugal, o défice de informação e debate sobre a televisão conduziram os vários governos a tomar decisões que, em vez de assegurarem a independência consagrada na Constituição e libertar a RTP da tutela directa do Estado e da dependência da publicidade, só vieram agravar o défice financeiro e a degradação da qualidade da programação, contribuindo para aumentar a desconfiança dos cidadãos, que deixaram de ver nela uma referência e um modelo em matéria de informação e programas, reduzindo o campo de manobra para a sua necessária recuperação e credibilização.

“O anúncio, pelo actual governo, de que pretende amputar a empresa e reduzir o serviço público de televisão a um único canal de âmbito nacional vem na sequência dessa série de medidas que fragilizaram a RTP e a tornaram presa fácil dos ataques do poder político.

“A amputação de um canal reduziria o espaço de influência da RTP na vida dos cidadãos e diminuiria drasticamente a capacidade de satisfazer públicos diferenciados, em favor do aumento da capacidade de intervenção das televisões comerciais, cuja actuação, num mercado pobre como o nosso, contribuiria ainda mais para o abastardamento do gosto, a menoridade cultural e a manipulação das audiências. Reduzido à RTP 1, Portugal ficaria numa situação inferior a qualquer região de Espanha. Além do mais tal decisão seria anti-económica : a RTP, com os seus seis canais e o seu conjunto de obrigações, tem custos integrados e economias de escala que a produção isolada de um canal nunca conseguiria atingir. O que eventualmente se viesse a poupar com a redução do segundo canal, seria superado pela quebra previsivel da publicidade e pela falta de conteúdos para a RTP I , RTP África, Açores e Madeira.

“A crise aberta na RTP teve um único mérito : o de suscitar finalmente o debate nacional sobre o serviço público, sobre o modelo de nomeação das Administrações, de financiamento e de gestão, e sobre a adequação da empresa aos objectivos que lhe são cometidos. Ao responder ao apelo do Presidente da República para que surgisse um debate profundo e enriquecedor na sociedade acerca destes problemas, um grupo de cidadãos independentes, unidos apenas pelo sentido de responsabilidade cívica e pela preocupação em contribuir para a elevação cultural das novas gerações, o desenvolvimento do país e a consolidação da democracia, em que a televisão pública tem um papel essencial, prioritário e incontornável, vem apelar a que :

– o governo aceite uma moratória nas decisões anunciadas,

– e não tome medidas que possam conduzir a situações irremediáveis como foram no passado a abolição da taxa a alienação da rede de emissores e a redução do tempo de publicidade sem contrapartidas – e a uma fractura na sociedade portuguesa, numa área que exige, pelo contrário, o uso de bom senso e a procura de consenso.

“A RTP não pode continuar a servir de arma de arremesso nas lutas partidárias, nem o debate pode continuar inquinado pelo clima de chicana política e de suspeição sobre as intenções do governo ou a oportunidade das medidas da oposição.

Esta crise é, pelo contrário, o grande momento para rever o quadro legal e regulador do audiovisual e, ao mesmo tempo, mexer na RTP, mudar o seu estatuto e a sua imagem, criando novos mecanismos de nomeação da administração e instrumentos de fiscalização da sua actividade que lhe assegurem independência perante o poder político e económico e responsabilidade perante a sociedade civil; assegurando-lhe o financiamento adequado e estável, que lhe permita, com uma gestão rigorosa e transparente, assegurar o cumprimento das suas obrigações e preparar-se para a inevitável transição para o digital”.

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