António Vitorino falou do “problema de comunicação” europeu

“A União Europeia tem um problema de comunicação”, disse o Comissário europeu, António Vitorino, ao intervir na primeira sessão da Conferência Europeia de Jornalistas sobre os Média e a Construção Europeia, que decorreu em 11 de Maio, no Hotel Altis, em Lisboa. Para António Vitorino, nem todas as dificuldades derivam da política de comunicação comunitária, mas existem algumas linhas estratégicas básicas a ter em conta.

“Nenhum assessor do mundo consegue explicar o que é a comitologia. Trata-se de um conceito que é fundamental para a aplicação da Lei europeia, que não é possível tornar transparente”. Através deste exemplo, o Comissário europeu António Vitorino colocava em jogo, perante uma plateia de jornalistas de quase todos os estados membros da União Europeia, um problema sentido por todos os que já lidaram, de perto ou de longe, com informação oriunda de organismos comunitários: a impenetrabilidade do jargão ou a dificuldade em apreender conceitos ou funcionalidades de organismos e programas da União.

Falando para um auditório onde estavam os representantes dos principais média nacionais em Bruxelas e alguns dos jornalistas portugueses que mais se têm debruçado sobre as questões da Europa, António Vitorino reconheceu a existência desse “problema de comunicação” e deixou pistas para uma estratégia de comunicação comunitária. Mas apontou outras causas para essas dificuldades em chegar ao público europeu, que residem em práticas tanto de protagonistas políticos nacionais como dos media.

“A União Europeia é muito confusa. Não existe uma compreensão do ‘produto’, nem a capacidade de distinguir entre as várias instituições da União”, disse o responsável europeu, acrescentando que “as instituições europeias e os candidatos ao Parlamento Europeu não conseguem motivar o cidadão”, o que é demonstrado pelos baixos índices de participação nas eleições europeias.

Entre as questões que não podem ser atribuídas a uma deficiente política de comunicação de Bruxelas, António Vitorino sublinhou que os assuntos europeus “não desempenham um grande papel no debate das eleições legislativas. Ou continuam a ser vistas como questões de política externa ou as instituições são vistas como intervindo excessivamente na política interna de cada país”.

O Comissário criticou a postura comum em muitos protagonistas políticos, que tendem a chamar a si os louros de acções ou obras permitidas por investimentos europeus e, ao mesmo tempo, acusam os “burocratas” em Bruxelas quando as coisas correm mal. Uma postura que, segundo António Vitorino, contribui para “minar a imagem da União Europeia”.

Sobre a complexidade da linguagem utilizada na União, António Vitorino afirmou que não é apenas consequência de uma má política de comunicação. “A complexidade é a única forma de ultrapassar a desconfiança entre Estados-membros. A política de comunicação não pode clarificar o que apenas uma mudança constitucional pode mudar”, disse.

Informação comunitária não pode ser neutra

No plano da política de informação, António Vitorino interrogou se a informação prestada pela União deve ser ou não neutra. A resposta é negativa. O Comissário defendeu uma política de informação que “deve levantar preocupações e melhorar percepções e deve ter uma estratégia empenhada, promovendo a participação dos cidadãos nas decisões e veiculando, inclusivamente, vozes contrárias surgidas na opinião pública e não um pensamento”. Sublinhou, de passagem, que “falta «feed back» à nossa política de informação”.

O segundo problema levantado pelo responsável comunitário foi o facto de não existir uma opinião pública europeia. “As mensagens devem ser adaptadas às especificidades das opiniões públicas, sem perder coesão”, dando como exemplo a percepção que existe quando ao alargamento em diversos países da União. Em alguns. isso implica preocupações acrescidas quanto à segurança, enquanto noutros, como Portugal, o mais importante é a questão dos fundos comunitários.

No plano das estratégias para os média, António Vitorino disse que “é mais fácil espaço nos média locais e regionais do que nos nacionais, onde as notícias têm de ter emoção, drama e escândalo. A imprensa regional está mais aberta a uma outra atitude face à agenda europeia”. Acrescentou que os repórteres portugueses “falam apenas com deputados portugueses, os quais acabam por transformar o debate europeu numa questão interna”.

O Comissário encerrou a intervenção sublinhando a necessidade de falar nos valores da União e em histórias de sucesso, de que a introdução do Euro foi um exemplo paradigmático.

Mais tarde, no período de perguntas e respostas (e já sem o Comissário na sala), o correspondente da RTP em Bruxelas, António Esteves Martins, disse que os responsáveis portugueses só vão a Estrasburgo falar de questões de política nacional. “É normal pedirem-me para fazer perguntas de política nacional a um ministro”, disse o jornalista, referindo ainda o caso de um primeiro-ministro que abriu uma conferência de Imprensa, após uma cimeira europeia, afirmando que “tinha perdido”.

Democracia, uma causa dos jornalistas

A sessão de abertura da conferência começou com uma intervenção de Alfredo Maia, presidente do Sindicato dos Jornalistas, que saudou os presentes e disse que este encontro concretizava uma vocação “de intervir na sociedade além das fronteiras dos temas e dos problemas estritamente sócio-profissionais”.

“Pode a Europa ser uma causa para os jornalistas?”, interrogou Alfredo Maia, acrescentando que a democracia é “um pilar estruturante do futuro” da Europa e dos seus povos. “E a Democracia é, sem dúvida, uma causa para os jornalistas”, disse, sublinhando que a conferência ocorre num momento dominado pela “eclosão de manifestações de intolerância”.

Alfredo Maia lembrou ainda a defesa do serviço público de rádio e televisão, agora ameaçado pelo governo português e a questão da regulamentação dos direitos de autor, ambas questões que “parecendo reivindicações corporativas locais, reflectem problemas mais complexos e mais globais”.

Prémios de jornalismo foram entregues

Na sessão de abertura, foram ainda distinguidos os vendedores da edição 2001 dos Prémios de Jornalismo “O Futuro da Europa”, atribuídos pela Representação em Portugal da Comissão Europeia. O prémio na categoria de Rádio foi atribuído a Marina Pimentel, Marta Grosso e Sandra Fernandes, da Rádio Renascença, pelo trabalho “Troca de Moedas”. Paulo Moura, do “Público”, foi distinguido na categoria de Imprensa, pela reportagem “As novas fronteiras do alargamento” e o prémio na área de Televisão foi para Augusto Madureira, autor da reportagem “A Leste do Paraíso”, na SIC. Foram atribuídas menções honrosas a Pedro Vieira (“Visão”), Fátima Azevedo («Economia Pura» e La Salette Marques.

Os prémios têm um valor pecuniário de cinco mil euros cada, cabendo às menções honrosas um valor de 1500 euros.

O prazo limite para a entrega de trabalhos relativos à edição deste ano do prémio é 14 de Janeiro de 2003. O regulamento e outras informações podem ser obtidos através da representação em Portugal da Comissão Europeia.

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